RE - 29788 - Sessão: 15/12/2016 às 13:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO PRA FRENTE GUAPORÉ (PMDB – PDT –PTB – PPS – PR) e pelos candidatos à chapa majoritária VALDIR CARLOS FABRIS e ADALBERTO JOÃO BASTIAN (fls. 46-53) contra decisão proferida pelo Juízo da 22ª Zona – Guaporé – (fls. 40-42) que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO UNIÃO TRABALHO E FÉ (PP – PT), para condenar os representados à multa no valor de 5.000,00 (cinco mil) UFIR, por captação ilícita de sufrágio prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, em virtude da disponibilização de conexão à internet sem fio de forma gratuita no comitê central da coligação demandada.

Em suas razões recursais, os recorrentes afirmam que a existência da rede “Wi-fi” é para uso exclusivo das atividades desenvolvidas no comitê, bem como de correligionários, filiados e de demais pessoas vinculadas ao certame eleitoral que de fato acessassem as dependências do comitê. Acrescentam (a) que o fato de a senha ter sido composta pelos numerais dos partidos coligados (1215142322) não se traduz em algum tipo de identificação tendente à captação de votos; (b) que não há prova acerca da utilização indevida do compartilhamento da rede; (c) que a mera referência na parte interna do prédio (mais de um metro distante da área de circulação das pessoas que transitam pela rua), sem qualquer tipo de disponibilização ou visualização nos momentos em que não havia uso das dependências, não justifica a aplicação de qualquer sanção. Sustentam a fragilidade da prova diante da ausência de indicação de qualquer pessoa não vinculada ao comitê eleitoral que pudesse ter se beneficiado de seu acesso. Ressaltam a existência de outras redes de internet disponíveis sem necessidade de senha. Requerem a reforma da decisão.

A coligação recorrida apresentou contrarrazões, postulando seja mantida a decisão de primeiro grau (fls. 57-60).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 63-72).

A recorrida, em 12.12.2016 – a três dias, portanto, do julgamento deste recurso pelo Plenário –, juntou cópia de sentença proferida na AIJE n. 298-73.2016.6.21.0022 (fls. 74-93), reiterando os pedidos de aplicação de multa e de cassação do registro ou diploma dos recorrentes.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo, tendo sido interposto dentro do tríduo legal (fls. 44 e 46). Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço da referida irresignação.

Ainda, a recorrida, nesta instância, juntou documentos e requereu a aplicação de multa e a cassação do registro ou diploma dos recorrentes (fls. 74-93).

Com efeito, a coligação recorrida juntou sentença proferida na AIJE n. 298-73.2016.6.21.0022 (fls. 76-93), em que figuram como representados a Coligação Pra Frente Guaporé (PMDB – PDT – PTB – PPS – PR), Valdir Carlos Fabris e Adalberto João Bastian, bem como o candidato a vereador Ademir Damo, e cuja causa de pedir é diversa da que ora se verifica.

A juntada de novos documentos, somente na fase recursal, é realizada – segundo a recorrida – “com intuito de fornecer informações, […] demonstrando que os candidatos à majoritária utilizaram no curso do pleito eleitoral captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico”.

A cópia da sentença não é elemento de prova, nem mesmo se refere a fatos ou a fundamentos relacionados à presente representação.

Além disso, a referida decisão, na AIJE em referência, afirma:

[...]

Por fim, verifico que, em relação aos representados Valdir e Adalberto, não foram produzidas provas no sentido de que estivessem envolvidos nos fatos discutidos no presente feito, razão pela qual a representação de ser julgada improcedente em relação a eles.

[...]

Desse modo, a referida sentença não configura “documento ou fato novo”, nos termos do art. 397 do CPC, ou ainda, dos arts. 268 e 270 do CE.

Por fim, diante da ausência de recurso da coligação recorrida, no prazo legal, tenho o requerimento de cassação do registro ou do diploma dos candidatos representados por intempestivo.

Mérito

Trata-se de representação proposta pela Coligação União Trabalho e Fé (PP – PT), em desfavor da Coligação Pra Frente Guaporé (PMDB – PDT – PTB – PPS – PR) e dos candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito Valdir Carlos Fabris e Adalberto João Bastian, por infração ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A representante afirma, na inicial (fls. 02-7), que os representados, ora recorrentes, afixaram a senha de acesso à internet por meio de conexão sem fio “Wi-fi”, por meio de cartaz, na porta de seu Comitê Central, de forma gratuita, sendo a senha os números 1215142322, os quais identificariam os números dos partidos que fazem parte da coligação. Referiu que se trata de forma contemporânea e inovadora de captação ilícita de sufrágio, seduzindo os eleitores na busca de seu voto. Requereu liminar, determinando a busca e apreensão do cartaz com a senha disponível e a cessação imediata da distribuição de acesso gratuito à internet.

A juíza eleitoral, ao apreciar o pedido liminar (fls. 20-21), determinou a busca e apreensão do referido cartaz, a cessação imediata da distribuição de acesso gratuito à internet e a alteração da senha de acesso à internet, com a proibição de sua divulgação indistintamente.

Cumprida a busca e apreensão, conforme auto de fl. 25, restou consignado pelo oficial de justiça ad hoc:

[…] efetuei a busca e apreensão da placa com divulgação de senha de acesso à internet por meio de Wi-fi, de forma gratuita, contendo os números “1215142322” no comitê da Coligação “Pra Frente Guaporé” sito na Avenida Monsenhor Scalabrini, em frente ao Banco do Brasil. Ressalto que localizei a placa no ambiente interno do Comitê em local não visível ao público. A diligência foi acompanhada pela Senhora Nelcidia Fontanive, a qual se identificou como integrante do diretório do PDT. […] (grifei)

O cartaz apreendido, uma folha tipo A4, com os dizeres “WIFI 1215142322” encontra-se acostada à fl. 26 dos autos.

O juízo eleitoral de piso, após regular tramitação, julgou parcialmente procedente a representação, condenando os recorrentes ao pagamento de 5.000,00 (cinco mil) UFIR, por infração ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97, fundamentando no seguinte sentido:

[…]

Em que pese o auto de busca e apreensão da f. 25, cumprido em 24.09.2016, indicar que a senha apreendida estava no interior do comitê da coligação requerida, as fotografias das fls. 10/11 são cristalinas ao elucidar que a senha da internet wi-fi estava aposta na fachada do comitê voltada para a calçada e não para o interior do local.

[…]

No caso concreto, certo é que a disponibilidade de senha para internet, wi-fi em conhecido ponto da cidade, em que transitam diversas pessoas, em diversos horários, abarcou um número considerável de eleitores.

Desse modo, o exame das provas colhidas nos autos permite concluir que a parte requerida praticou a conduta vedada no art. 41-A da Lei das Eleições.

Dispõe o art. 41-A e § 1º da Lei n. 9.504/97:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

Nas lições de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 12.ed., São Paulo: Atlas, 2016. p. 725), a perfeição dessa categoria legal requer:

(i) realização de uma das condutas típicas: doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal a eleitor, bem como contra ele praticar violência ou grave ameaça; (ii) fim especial de agir, consistente na obtenção do voto do eleitor; (iii) ocorrência do fato durante o período eleitoral.

Foram acostados aos autos: fotografias (fls. 09, 10, 11 e 35), o auto de busca e apreensão (fl. 25) e o referido cartaz apreendido (fl. 26).

Nada mais, sendo que sequer foi produzida prova testemunhal.

Prossigo.

A referida sentença deve ser reformada, em virtude da fragilidade da prova existente.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral dispensa a identificação nominal dos eleitores, porém não afasta a necessidade de comprovação da solicitação, da promessa ou da entrega de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza:

[...]. Captação de sufrágio do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. [...].

1. Na linha da jurisprudência desta Corte, estando comprovado que houve captação vedada de sufrágio, não é necessário estejam identificados nominalmente os eleitores que receberam a benesse em troca de voto, bastando para a caracterização do ilícito a solicitação do voto e a promessa ou entrega de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza.

[...].

(TSE. Ac. de 16.2.2006 no REspe nº 25.256, rel. Min. Cesar Asfor Rocha.)

Não há identificação de eleitores ou a demonstração da utilização da rede de internet de forma gratuita por qualquer pessoa.

Outrossim, inexiste nos autos qualquer prova acerca do alcance da rede, de modo a demonstrar o “especial fim de agir” dos requeridos em distribuir internet de graça além do perímetro do comitê, visando a cooptar maior número de eleitores.

Até mesmo no que diz com a afixação do cartaz, se ocorreu no interior do comitê ou não, no intuito de atrair pessoas nas proximidades, é matéria controvertida.

O auto de busca e apreensão (fl. 25) afirma que o cartaz estava localizado no interior do comitê. Na sentença, contudo, a juíza eleitoral ampara-se nas fotos acostadas às fls. 10-11 para afirmar que o referido cartaz estava voltado para a rua.

As fotos de fls. 10-11 mostram o aviso “WIFI 1215142322” em uma divisória de vidro, logo após uma pequena escadaria.

Ao analisar a foto de fl. 35, em que – e somente por meio da qual – é possível ter uma visão ampla da sede do comitê, a partir da calçada contrária, com vista de todo o prédio, não é possível identificar o local constante nas fls. 10-11.

Ademais, o tamanho do cartaz é inexpressivo, considerando a sua medida – de uma folha A4 –, sendo que não está associado a nenhum outro dizer.

O Tribunal Superior Eleitoral exige provas robustas e incontestes para a configuração do ilícito descrito no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, não podendo se encontrar ancorada em frágeis ilações ou mesmo em presunções.

Nesse sentido, colaciono os seguintes acórdãos:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. VEREADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DO PODER ECONÔMICO. DESPROVIMENTO.

1. Consoante a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a licitude da prova colhida mediante interceptação ou gravação ambiental pressupõe a existência de prévia autorização judicial e sua utilização como prova em processo penal.

2. A prova testemunhal também é inviável para a condenação no caso dos autos, tendo em vista que as testemunhas foram cooptadas pelos adversários políticos dos agravados para prestarem depoimentos desfavoráveis.

3. As fotografias de fachadas das residências colacionadas aos autos constituem documentos que, isoladamente, são somente indiciários e não possuem a robustez necessária para comprovar os ilícitos.

4. A condenação pela prática de captação ilícita de sufrágio ou de abuso do poder econômico requer provas robustas e incontestes, não podendo se fundar em meras presunções. Precedentes.

5. Agravo regimental desprovido. (grifei)

(TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 92440, Acórdão de 02.10.2014, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 74.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE.

1. A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos.

2. Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio.

3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório.

4. Agravo regimental não provido.

(TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 47845, Acórdão de 28.4.2015, Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 95, Data 21.5.2015, Página 67.)

Por fim, diante das circunstâncias do caso, inviável concluir que os candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito Valdir Carlos Fabris e Adalberto João Bastian tiveram participação ou anuíram com os fatos ocorridos, não havendo qualquer adminículo nesse sentido.

A participação ou a anuência dos referidos candidatos deve ser contundente e irrefragável:

Ação de investigação judicial eleitoral. Candidatos a prefeito e vice-prefeito. Conduta vedada, captação ilícita de sufrágio e abuso de poder. Decisão regional. Não configuração. Reexame impossibilidade.

[...]

2. Na hipótese da infração descrita no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, cujas consequências jurídicas são graves, a prova do ilícito e da participação ou anuência do candidato deve ser precisa, contundente e irrefragável, como exige a jurisprudência deste Tribunal.

3. A regra do art. 41 da Lei nº 9.504/97 destina-se aos candidatos, ainda que se admita a sua participação indireta ou anuência quanto à captação ilícita de sufrágio. Não há como, entretanto, aplicá-la em relação a quem não é candidato, sem prejuízo de apuração do fato em outra seara [...]

(TSE. Ac. de 7.10.2014 no AgR-AI n. 21284, rel. Min. Henrique Neves.)

 

[...] Captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, é necessária a existência de provas que demonstrem a ciência ou anuência, pelo candidato, da prática ilícita, o que não ocorreu na espécie [...].

(TSE. Ac. de 18.9.2012 no AgR-RCED nº 894909, rel. Min. Arnaldo Versiani.)

 

Assim, pelas razões expostas, afasto a incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 no caso sob análise.

Dispositivo

Diante do exposto, reconhecida a intempestividade do requerimento formulado pela recorrida às fls. 74-5, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelos recorrentes para julgar improcedente a representação subjacente e, por consequência, afastar a multa aplicada.