RE - 12739 - Sessão: 24/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos pela COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR E TRABALHISTA e VALNEI ALVES DAS NEVES contra a sentença do Juízo da 80ª Zona Eleitoral – São Lourenço do Sul – proferida nos autos da representação por conduta vedada, capitulada no art. 77 da Lei n. 9.504/97, proposta pela coligação em desfavor de Valnei e que julgou parcialmente procedente a representação eleitoral apresentada pela coligação (fls. 102-106).

A coligação recorre (fls. 111-115), entendendo que o reconhecimento de participação em inauguração de obra pública, de parte de Valnei, ensejaria obrigatoriamente “o cancelamento do registro de candidatura/suspensão/cancelamento do diploma do representado”. Apresenta doutrina e jurisprudência acerca do tema e pugna pela reforma da decisão.

Valnei, por seu turno, também recorre (fls. 119-125), sustentando inexistir caráter público na obra inaugurada, bem como a ausência de conduta dolosa específica no intuito de captar votos na referida ocasião. Entende ter apenas exercido o respectivo direito constitucional de ir e vir, uma vez que teria somente testemunhado uma partida de futebol, de forma a requerer, também, a reforma da decisão do juízo de origem.

Com contrarrazões de ambas as partes (fls. 131-137 e fls. 139-143), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento de ambos os recursos (fls. 146-152).

É o relatório.

 

VOTO

Ambos os recursos são tempestivos.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, devem ser conhecidos.

Mérito

De acordo com os fatos relatados, o recorrido incidiu na vedação constante no art. 77, da Lei n. 9.504/97:

É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.

Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma.

Diante do preceito legal, deve-se examinar a existência da irregularidade apontada na inicial: presença em inauguração de ginásio de esportes.

No caso, a sentença assim analisou a prova dos autos:

 

No caso dos autos, o representante comprovou satisfatoriamente - mesmo porque, nesse ponto, não houve impugnação pontual do representado -, o aporte de valores públicos em favor da obra inaugurada, conforme documentos juntados às fls. 22/43.

Com efeito, a Lei Municipal nº 3.519/2014 autorizou o Poder Executivo do Município de São Lourenço do Sul a firmar convênio com a Mitra Diocesana de Pelotas para repasse da quantia de R$ 46.000,00 à Paróquia São João Batista, com fins de auxiliar a construção de seu ginásio de esportes (lei à fl. 35 e convênio às fls. 29/34).

Portanto, nos termos do art. 6º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, a obra da Paróquia São João Batista inaugurada no dia 03 de setembro de 2016, consistente no ginásio de esportes da Comunidade Nossa Senhora Imaculada Conceição, constitui obra pública executada indiretamente para fins do art. 6º, inciso I, da Lei nº 8.666/93, e, em consequência, para exame do art. 77 da Lei nº 9.504/97.

Respondida afirmativamente a primeira questão prejudicial existente no feito, passo ao exame da segunda: o candidato representado participou da inauguração ou o momento em que esteve no local foi posterior ao ato inaugural?

Não há qualquer dúvida de que o candidato esteve no ginásio de esportes da Comunidade Nossa Senhora Imaculada Conceição, em Boqueirão, interior deste município, no dia 03/09/2016, fato esteve confessado em sua contestação e confirmado unanimemente pelas testemunhas ouvidas em juízo. A questão que deve ser enfrentada é se o momento em que compareceu integra o conceito de ¿inauguração¿ da obra, pois, conforme as testemunhas, vários atos sucederam-se naquele dia, iniciando-se com discursos do vice-prefeito e pessoas da comunidade, seguindo-se o descerramento da placa alusiva à inauguração, o oferecimento de salgadinhos aos presentes, a realização de um torneio de futsal e, por fim, já durante a noite, um baile.

Isso porque, segundo se pode precisar a partir do exame da prova testemunhal que integra o feito, o representado não esteve presente durante os discursos e no momento de descerramento da placa alusiva à inauguração, fazendo-se sentir presente, no ginásio de esportes, quando a comunidade ofereceu salgadinhos aos presentes e, em seguida, nos jogos de futsal e no baile comemorativo.

Entretanto, devo admitir a impossibilidade de fracionamento dos atos encadeados durante a data alusiva à comemoração para o fim de delimitar o conceito de inauguração da obra. Assim, embora a parte mais formal tenha ocorrido com os discursos das autoridades presentes e o descerramento da placa alusiva, o ato de inauguração deve ser entendido como o somatório de todas as festividades que ocorreram no dia, englobando, portanto, os jogos e o baile, já que tudo isso serviu para extravasar a comemoração e o regozijo da comunidade local pelo término das obras e início da utilização do ginásio de esportes, obra importante para a população da localidade.

Obviamente, as atenções da pequena comunidade, naquele dia 03/09/2016, estavam certamente todas voltadas para a abertura do ginásio de esportes, de modo que era certo esperar-se o comparecimento de muitos eleitores ao local em qualquer das fases previstas para a solenidade.

Concluo, pois, que o representado participou da inauguração de obra pública, para fins do art. 77, caput, da Lei nº 9.504/97, independente de ter chegado no ginásio de esportes após os discursos e o descerramento da placa, aproveitando-se, portanto, da visibilidade que foi propiciada pela solenidade, com aglomeração de vários eleitores, fato que causou, evidentemente, desequilíbrio em relação aos demais candidatos, os quais respeitaram a vedação legal estabelecida.

 

A decisão é irretocável – como aliás já observado pelo d. Procurador Regional Eleitoral, em seu parecer.

A presença de Valnei no evento é incontroversa, não podendo ser fragmentada entre o ato em si, de inauguração, e todas as festividades envolvidas, inclusive a partida de futebol apontada nas razões de recursos do então candidato.

A dúvida que poderia exsurgir dos autos, acerca do conceito de obra pública, igualmente restou afastada no entendimento contido na sentença. De modo a evitar repetição de argumentos, reproduzo excerto do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, do qual se extrai análise sobre a situação do imóvel e a caracterização da conduta vedada ocorrida:

 

Conquanto o candidato representado tenha sustentado que o ginásio se trata de bem privado, entendemos, na mesma linha do que a Coligação recorrente e a sentença entendem, que o empreendimento inaugurado se trata de obra pública para os efeitos específicos do artigo 77 da Lei das Eleições, haja vista que foi concretizado com o suporte, ainda que parcial, de recursos públicos.

A matéria atinente à amplitude do conceito de obra pública, a propósito, não é nova no TRE/RS, que já se pronunciou no sentido de que caracteriza conduta vedada a presença de candidato em inauguração de obra custeada com recursos públicos do município. [...]

 

À vista dessas considerações, inexiste dúvida de que o requerido compareceu ao ato de inauguração de prédio que recebeu recursos públicos para custear as obras, razão pela qual resta caracterizada a incidência do art. 77 da Lei das Eleições.

Além, como salientado na sentença, a alegação da presença apenas durante o transcurso de uma partida de futebol não se sustenta, pois se mostra óbvio que as atenções estavam voltadas para a inauguração do ginásio, e que a ocorrência de um jogo de inauguração é consequência absolutamente natural, atingindo, portanto, o mesmo espectro de eleitores.

Ademais, despicienda a análise de elemento volitivo (dolo, por exemplo) ou, ainda, do reflexo do ato irregular no relativo à votação auferida pelo candidato, de forma que não tenho dúvida no relativo à violação da norma, pois, em matéria de conduta vedada, não se perquire a potencialidade do ato para a caracterização da incidência da regra.

Finalmente, e agora voltada à análise das razões de recurso da Coligação Frente Popular e Trabalhista, tenho que a análise pormenorizada das circunstâncias em que desenrolada a conduta é relevante para efeitos de dosimetria e aplicação das sanções previstas à violação da norma, modo a equalizar o binômio infração-pena. Não são razoáveis, para o caso posto, as consequências vindicadas pela coligação.

Penso, que a regra do dispositivo legal comporta exegese atenuante do rigor literal, pois o propósito da proibição é impedir que, por meio do comparecimento de inauguração de obra pública, advenha vantagem eleitoral a candidato.

Nesse norte, a vedação prescrita no art. 77 aplica-se àqueles que possam valer-se do aparato estatal em benefício de suas campanhas, angariando dividendos políticos a partir da presença em ato público político de relevância para a coletividade que pretende representar e desequilibrando, por conseguinte, o pleito no que concerne à igualdade de oportunidades constitucionalmente assegurada. A mens legis, portanto, é nítida: evitar o desequilíbrio entre os participantes do pleito.

Com efeito, o reconhecimento da tipicidade de qualquer dos ilícitos eleitorais concernentes às condutas vedadas está subordinado à demonstração de que a conduta seria, de qualquer modo, apta a desequilibrar o pleito eleitoral.

No caso sob exame, e para fins de sancionamento, compartilho do posicionamento externado na sentença. Não consigo vislumbrar que a presença do candidato representado na inauguração tenha produzido desequilíbrio significativo no processo eleitoral.

Como se observa, o que deve ser sopesado pela Justiça Eleitoral, para determinar ou não a aplicação da duríssima sanção prevista de cassação do registro e/ou diploma, é justamente esse entorno dos fatos.

Assim, poder-se-ia verificar ausência da proporcionalidade na aplicação da sanção imposta em razão da conduta descrita no art. 77, tendo em conta que as circunstâncias não autorizam presumir o alegado benefício ao representado.

Sobre a interpretação jurisprudencial, cito precedente do TSE:

 

AGRAVO REGIMENTAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÕES 2006. AUSÊNCIA DO REQUISITO DE POTENCIALIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. NÃO INTERFERÊNCIA. INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. PROPORCIONALIDADE. FIXAÇÃO DA PENA. RECURSO PROVIDO.

1. A configuração da prática de conduta vedada independe de potencialidade lesiva para influenciar o resultado do pleito, bastando a mera ocorrência dos atos proibidos para atrair as sanções da lei. Precedentes: Rel. Min. Arnaldo Versiani, AI 11.488, DJe 2.10.2009; Rel. Min. Marcelo Ribeiro, AgReg no REsp 27.197, DJe 19.6.2009; Rel. Min. Cármen Lúcia, REsp 26.838, DJe 16.9.2009.

2. O elemento subjetivo com que as partes praticam a infração não interfere na incidência das sanções previstas nos arts. 73 a 78 da Lei nº 9.504/97.

3. O juízo de proporcionalidade incide apenas no momento da fixação da pena. As circunstâncias fáticas devem servir para mostrar a relevância jurídica do ato praticado pelo candidato, interferindo no juízo de proporcionalidade utilizado na fixação da pena. (Rel. Min. Marcelo Ribeiro, AI nº 11.352/MA, de 8.10.2009; Rel. para acórdão Min. Carlos Ayres Britto, REspe nº 27.737/PI, DJ de 15.9.2008).

4. No caso, não cabe falar em insignificância, pois, utilizados o e-mail eletrônico da Câmara Municipal, computadores e servidor para promover candidaturas. Tratando-se de episódio isolado provocado por erro do assessor e havendo o reembolso do erário é proporcional a aplicação de multa no valor de 5.000 UFIRs, penalidade mínima prevista.

5. Agravo regimental provido para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, reformando o acórdão proferido pelo e. TRE/SP para reconhecer a prática da conduta vedada prevista no art. 73, I, II e III, da Lei nº 9.504/97, aplicando multa no valor de 5.000 UFIRs.

(AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 27896, Acórdão de 08.10.2009, Relator Min. JOAQUIM BENEDITO BARBOSA GOMES, Relator designado Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 18.11.2009, Página 43.) (Grifei.)

 

Desse modo, não obstante reconhecendo a tipicidade da conduta descrita no art. 77 da Lei das Eleições, entendo desproporcional, à vista das circunstâncias do caso concreto, a aplicação de qualquer sanção além da pecuniária. Nessa linha, friso que, muito embora o intérprete apressado pudesse entender inaplicável a sanção pecuniária à conduta prevista no art. 77, caput, da Lei 9.504/97, ao argumento de não estar ela prevista no parágrafo único do dispositivo legal, não parece que seja essa a melhor exegese sistêmica, pois o legislador prevê como condutas vedadas aos agentes públicos a infração aos arts. 73, 74, 75 e 77 da Lei 9.504/97: não há como conferir aplicação de sanções diferenciadas a fatos que têm idêntico bem jurídico tutelado, qual seja, a isonomia entre os candidatos.

Dito de outro modo, proíbe-se, nos incisos do art. 73 da Lei 9.504/97, condutas com a mesma objetividade jurídica daquelas previstas nos arts. 74, 75, 76 e 77, de forma que o fato de a multa vir disciplinada topicamente no art. 73 não significa dizer que só às infrações nele dispostas seria aplicável.

Este Tribunal possui precedente nesse sentido, em acórdão da eminente Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, cuja ementa a seguir transcrevo:

 

Representação. Prática de conduta vedada. Comparecimento de candidato em ato de inauguração de obra pública (artigo 77 da Lei n. 9.504/97). Alegada quebra de igualdade de oportunidades entre candidatos e violação à lisura da eleição.
Incontroversa a inauguração de ponte de madeira custeada pela municipalidade e a presença do representado. Compreensão, contudo, do escopo da norma, que é o de evitar o desequilibro entre os participantes do pleito. Mera presença discreta e silenciosa em cerimônia, considerado o pequeno público presente, ausência de pedido de votos ou promoção pessoal, não é conduta capaz de alterar significativamente o processo eleitoral. Aferição da relevância jurídica do ato praticado pelo candidato para atribuição da sanção. Ainda que reconhecida a tipicidade da conduta descrita no artigo 77 da Lei das Eleições, desproporcional a cassação do registro de candidatura. Aplicação da multa prevista no artigo 73, § 4º, da mesma norma, destinada a coibir todas as condutas vedadas.
Procedência parcial. (TRE/RS. RP 572797. Acórdão de 05-10-2010.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento de ambos os recursos, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos.