RE - 29353 - Sessão: 14/03/2017 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso (fls. 70-74) interposto pela COLIGAÇÃO GENTE, TRABALHO E RESULTADO (PSDB–PMDB–PP–PDT–PPS–PSB–PMB) em face de sentença (fl. 68 e verso) proferida pelo Juízo da 86ª Zona Eleitoral – Três Passos –, que ratificou medida liminar deferida e julgou parcialmente procedente representação por conduta vedada ajuizada contra a COLIGAÇÃO PARA TRÊS PASSOS SEGUIR EM FRENTE (PTB–PT–PCdoB–PSD) e o Município de Três Passos, confirmando a determinação de que o comício de encerramento de campanha da representada fosse realizado na área externa do Parque de Exposições Egon Julio Goelzer (FEICAP), de propriedade daquela municipalidade.

Em suas razões recursais, a recorrente sustenta que a coligação recorrida utilizou um dos pavilhões do referido parque no dia 29.9.2016 para realizar comício, contrariando a decisão liminar do juízo eleitoral que havia autorizado apenas o uso da área externa, juntando fotos que comprovariam a sua alegação. Requer a reforma da sentença para que seja reconhecida a prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97 e aplicadas as sanções previstas nos seus §§ 4º, 5º e 7º a todos os candidatos que concorreram pela coligação recorrida, especialmente aos integrantes da chapa majoritária.

Nas contrarrazões (fls. 84-86v.), a recorrida defende ter dado integral cumprimento à ordem judicial, utilizando somente espaços que, embora cobertos, são de livre acesso à população, segundo as fotos acostadas nas fls. 87-94, motivo pelo qual não houve ofensa ao princípio da isonomia entre os candidatos.

Nesta instância, com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 97-99).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, tendo sido interposto dentro do prazo de três dias, estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97 (fls. 69-70).

A representação foi proposta contra a Coligação Para Três Passos Seguir em Frente (PTB–PT–PCdoB–PSD) e o Município de Três Passos, sob a alegação de que os candidatos à eleição majoritária e proporcional teriam utilizado, no dia 29.9.2016, um dos pavilhões do Parque de Exposições Egon Julio Goelzer (FEICAP), pertencente ao referido município, para realizar o comício de encerramento da campanha eleitoral.

Assim, os representados teriam incidido na prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, sendo-lhes aplicáveis as penalidades previstas nos §§ 4º, 5º e 8º do mesmo dispositivo legal, os quais possuem a seguinte redação:

Art. 73 São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
[…]
§ 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 5° Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
[...]
§ 8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

A ação, portanto, foi ajuizada contra a coligação e o Município de Três Passos.

Contudo, a partir da estrutura normativa do art. 73 da Lei das Eleições, é possível concluir que a legitimidade para figurar no polo passivo de ações em que se apura o cometimento de conduta vedada é do agente público responsável pela infração e dos candidatos por ela beneficiados.

O ente municipal, ao qual o agente público se encontra vinculado, não detém legitimidade para responder à demanda, pois a responsabilidade é da pessoa física que o representa e age em seu nome (TSE, RP n. 1920-54/DF, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, publicado na sessão de 14.9.2010).

Nesse sentido, cito o seguinte precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73 DA LEI Nº 9.504/97. USO DE RÁDIO ESTATAL PARA PROMOÇÃO DE CANDIDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA RÁDIO DIFUSORA DE MACAPÁ. ACOLHIMENTO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, LITISPENDÊNCIA, INÉPCIA DA INICIAL, INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA, ILEGITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL E DECADÊNCIA. REJEIÇÃO. USO EM BENEFÍCIO DE CANDIDATO, PARTIDO POLÍTICO E COLIGAÇÃO DE BEM IMÓVEL PERTENCENTE À ADMINISTRAÇÃO INDIRETA (RÁDIO DIFUSORA - AUTARQUIA ESTADUAL). USO DE MATERIAIS OU SERVIÇOS CUSTEADOS PELO GOVERNO QUE EXCEDE AS PRERROGATIVAS DAS NORMAS DO ÓRGÃO. CONFIGURAÇÃO. INCISOS I E II DO ART. 73 DA LEI DAS ELEIÇÕES. PROCEDÊNCIA.

1. Agentes públicos e beneficiários são os legitimados legais a atuarem no polo passivo de representação em que se apura conduta vedada. O ente público, nessa hipótese, constitui apenas instrumento da prática da vedação. Não é sujeito infrator, mas, sim, o objeto utilizado para a transgressão da lei (art. 73, caput e § 5º, da Lei nº 9.504/97).

2. Todo candidato e coligação possuem legitimidade para ajuizar representação eleitoral por conduta vedada, nos termos do art. 22, caput, da LC 64/90. Precedente do TSE.

3. Causa de pedir distinta entre representações eleitorais afasta litispendência.

4. Conquanto nosso sistema processual adote a teoria da substanciação, o errôneo enquadramento jurídico dos fatos não induz inépcia, porquanto o julgador não fica adstrito ao enquadramento jurídico feito pela parte autora, mas à descrição fática. Ao decidir, o órgão judicante procederá à subsunção legal a que o fato se enquadra, de modo que eventual erro na tipificação pela parte não impede a correta aplicação do direito. Precedente do TSE.

5. Basta a afirmação de que o candidato foi beneficiado pela conduta vedada para atrair sua legitimidade passiva na demanda, porquanto nosso sistema processual adota a teoria da asserção (in status assertionis).

6. Nada impede que fatos objeto de representações com espeque no art. 45 da Lei das Eleições sejam apurados sob o ângulo das condutas vedadas do art. 73 da Lei nº 9.504/97, desde que ajuizadas até o dia da diplomação, nos termos do art. 73, § 12, da Lei nº 9.504/97.

7. Comprovado nos autos o uso da Rádio Difusora de Macapá, autarquia estadual, para fazer propaganda política em benefício do candidato e governador à época, Carlos Camilo Góes Capiberibe e seu vice, e desfavorável em relação ao candidato opositor, o que se amolda aos incisos I e II do art. 73 da Lei nº 9.504/97.

8. A sanção de multa mostra-se suficiente à reprovabilidade das condutas praticadas, sem contar que os beneficiários não foram eleitos.

9. Ficam excluídos da distribuição dos recursos do fundo partidário oriundos da aplicação da multa imposta, os partidos políticos integrantes da Coligação "Frente Popular a Favor do Amapá", nos termos do § 9º do art. 73 da Lei das Eleições.

(TRE-AP, RP n. 224506, Relator Juiz JUCÉLIO FLEURY NETO, DJE – Diário da Justiça Eletrônico Tomo 118, Data: 01.7.2016, Página 5.) (Grifei.)

Sob esse viés, o Município de Três Passos não possui legitimidade passiva ad causam para a presente representação, devendo o processo ser extinto sem resolução de mérito quanto a essa parte processual, nos termos do art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Consequentemente, somente a Coligação Para Três Passos Seguir em Frente permaneceria no polo passivo da representação.

Nesse ponto, observo que a coligação representante indicou, como demandados, a mencionada coligação e todos os seus candidatos que disputaram as eleições de 2016. A indicação foi feita de forma genérica e não houve o oportuno saneamento para que os candidatos fossem individualmente identificados e chamados ao processo. Do mesmo modo, não houve a citação do agente público responsável pela conduta vedada, tendo sido citado apenas o Município de Três Passos, parte ilegítima, como anteriormente dito.

Diante desse cenário, reporto-me, novamente, ao art. 73 da Lei das Eleições, do qual se extrai a impossibilidade de as representações por conduta vedada serem ajuizadas somente contra a coligação ou o partido político pelo qual os candidatos beneficiados lançaram as suas candidaturas ao pleito.

O próprio sancionamento previsto nesse dispositivo legal remete à figura do agente público e do candidato. As condutas elencadas nos incisos do dispositivo em questão são vedadas aos agentes públicos, independentemente da sua qualidade de servidor. No caso de desatendimento da norma, eles se tornam destinatários da ordem de suspensão da conduta vedada e de eventual penalidade de multa que venha a ser aplicada pelo juízo eleitoral competente, bem como os candidatos, partidos políticos e coligações envolvidos ou beneficiados pela conduta. O candidato beneficiado, por sua vez, agente público ou não, fica sujeito à pena de cassação do registro ou do diploma.

A presença do agente público e dos candidatos beneficiados pelo ilícito na ação como partes processuais é imprescindível e de fundamental importância, na medida em que são os responsáveis pela conduta. Na hipótese de não serem chamados a participar da demanda, a coligação ou o partido político representados remanesceriam na peculiar e incomum posição de defenderem a inocorrência da infração ou a legalidade de ato cometido pelo agente público e candidato (terceiros que não participam do processo).

Além disso, como a responsabilidade pelo cometimento do ilícito possui natureza solidária, o Tribunal Superior Eleitoral consolidou entendimento de que, à exceção das hipóteses em que o agente público atua como mandatário do candidato (RMS n. 1349-86/RN, de relatoria da Ministra Luciana Lóssio, em acórdão publicado no DJE de 29.10.2015, páginas 41-42), o agente público e os candidatos beneficiados devem compor o polo passivo de representações por conduta vedada na condição de litisconsortes passivos necessários.

Cito, a título exemplificativo, o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ART. 47 DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DECADÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A reiteração de teses recursais atrai a incidência da Súmula nº 182/STJ.

2. Na representação para apuração de condutas vedadas, há litisconsórcio passivo necessário entre o candidato beneficiado e o agente público tido como responsável pelas práticas ilícitas (precedente: RO nº 169677/RR, DJe de 6.2.2012, rel. Min. Arnaldo Versiani).

3. In casu, o próprio agravante afirma que não há como identificar o agente público autor da conduta vedada, mantendo-se incólumes os fundamentos da decisão agravada.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, AgR-RO n. 505126/AM, DJE Tomo 62, Data: 1°.4.2014, Página 59, Julgamento: 27.02.2014, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI.) (Grifei.)

Por outro lado, veja-se que, dentre os pedidos deduzidos na inicial, encontra-se o de cassação do diploma de todos os candidatos eleitos pela coligação representada nas eleições majoritária e proporcional, sendo inadmissível, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, o processamento da ação sem que esses candidatos participem do processo.

Aliás, a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os integrantes da chapa majoritária em ações congêneres é reconhecidamente condição de validade processual, nos termos do enunciado da Súmula n. 38 do Tribunal Superior Eleitoral:

Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária.

 

Logo, a ausência de formação de litisconsórcio passivo necessário importaria a nulidade da sentença, do que decorreria a restituição do processo ao juízo para integração das partes necessárias como agente público, candidatos a prefeito, vice e vereadores, sob pena de extinção do processo sem julgamento de mérito, de acordo com as regras dispostas no art. 115, inc. I e parágrafo único, do Código de Processo Civil.

Mas, a meu juízo, há outra situação jurídica que se sobrepõe, além de ligar-se à exposição feita.

Os candidatos eleitos no Município de Três Passos foram diplomados em cerimônia realizada no dia 15.12.2016. O art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 determina que as ações fundadas, dentre outros, no art. 73 da Lei n. 9.504/97 devem ser propostas até a data da diplomação. O prazo é decadencial e flui sem que possa ser interrompido. Dessa forma, decorre a consequência de que a petição inicial, incompleta em si mesma quanto ao agente público e aos candidatos como partes obrigatórias, não mais pode ser emendada para suprir a inaptidão e a nulidade.

Em relação ao agente público e aos candidatos, decaiu o direito de incluí-los quando da diplomação, e a pretensão não tem mais como prosperar. Assim, pronuncia-se a decadência do direito de ação, não mais sendo possível a providência processual da emenda à petição inicial, com o que se justifica a extinção do processo com amparo no art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.

Nesse contexto, colho ementa de recente julgado deste Tribunal:

Recurso. Representação. Propaganda institucional. Condutas vedadas a agentes públicos. Abuso do poder político. Art. 73, inc. VI, letra “b”, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação contra sentença do juízo eleitoral que julgou parcialmente procedente a representação por condutas vedadas a agentes públicos e abuso de poder político, por afronta ao art. 73, inc. VI, letra “b”, da Lei n. 9.504/97, que proíbe a publicidade institucional nos três meses que antecedem o pleito. Veiculação de vídeos em perfil da rede social Facebook, com a informação de que foram inauguradas obras públicas durante mandato de candidato enquanto gestor público.

Preliminar de ofício. Não observância do litisconsórcio necessário entre os candidatos beneficiados com o ato impugnado e os agentes públicos implicados na conduta objeto da representação. Falta de citação dos referidos candidatos.

Afronta aos arts. 114 e 115, inc. I, do Código de Processo Civil.

Retorno dos autos à origem para a notificação de todos os envolvidos, observado o prazo decadencial previsto no art. 73, § 12, da Lei n. 9.504/97.

Decretação de nulidade do feito.

(RE n. 139-09, Relator Dr. SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, julgado em 07.12.2016.) (Grifei.)

 

Em conclusão, a representação para reconhecimento da conduta vedada deve ser ajuizada contra o agente público e os candidatos.

Ajuizada contra o partido ou a coligação, sem a inclusão obrigatória do agente público e dos candidatos, a petição inicial é inepta ou nula e só pode ser emendada ou suprida até a diplomação dos candidatos eleitos, data que tipifica o encerramento do prazo decadencial que, dada a sua natureza, deixa de ser suscetível de interrupção.

Apresentada a exordial sem a inclusão do agente público e dos candidatos, decaiu o direito de representação contra os mesmos e é insuscetível de suprimento a petição inicial, exceto se o suprimento ou a emenda advierem dentro do prazo decadencial.

 

Diante do exposto, VOTO pela extinção do feito sem julgamento de mérito em relação ao MUNICÍPIO DE TRÊS PASSOS, com fundamento no art. 485, inc. VI, do Código de Processo Civil, e pelo reconhecimento da decadência do direito de ação relativamente à COLIGAÇÃO PARA TRÊS PASSOS SEGUIR EM FRENTE (PTB–PT–PCdoB–PSD), de Três Passos, extinguindo o processo com resolução de mérito, com base no art. 22, § 1º, da Resolução TSE n. 23.462/15 c/c o art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.