RE - 20992 - Sessão: 14/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por LUANA STAIL, NATANIEL LONGHI LAZZAROTTO e FÁBIO JÚNIOR BOLDO DE LIMA contra decisão do Juízo da 08ª Zona Eleitoral que determinou o cancelamento da inscrição eleitoral dos recorrentes em procedimento de averiguação, fundamentando que os eleitores não residem nem são conhecidos nos endereços informados à Justiça Eleitoral.

Os recorrentes, em suas razões (fls. 263-265, 269 e 272), alegaram ter vínculo patrimonial e afetivo com o município. Requerem o provimento dos recursos, a fim de serem mantidas as respectivas inscrições eleitorais.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se, preliminarmente, pela conversão do feito em diligência e, no mérito, pelo provimento do recurso de Fábio de Lima e desprovimento dos demais (fls. 283-287v.).

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos, pois interpostos no prazo de 3 dias previsto no art. 80 do Código Eleitoral.

Ainda preliminarmente, o douto Procurador Regional Eleitoral manifestou-se pela remessa dos autos à origem, a fim de que os recorrentes que firmaram pessoalmente os seus recursos constituíssem advogado para tal ato.

Não merece prosperar a preliminar suscitada, pois o procedimento de cancelamento de inscrição eleitoral por ausência de domicílio eleitoral possui natureza administrativa, admitindo o art. 80 do Código Eleitoral que o recurso seja “interposto pelo excluendo”.

Nessa linha de raciocínio, a jurisprudência admite o recurso interposto pelo próprio eleitor, desnecessária a constituição de profissional com capacidade postulatória:

DOMICILIO ELEITORAL - TRANSFERENCIA - REQUERIMENTO - NATUREZA DO PROCESSO.

O PEDIDO DE TRANSFERENCIA DO DOMICILIO ELEITORAL OCORRE NO AMBITO DE PROCESSO QUE POSSUI CONTORNOS ADMINISTRATIVOS, DESCABENDO, ASSIM, EXIGIR A REPRESENTACAO PROCESSUAL QUER NO JUIZO, QUER NO TRIBUNAL QUE VENHA A APRECIAR RECURSO CONTRA DECISAO NEGATIVA.

(TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 10891, Acórdão n. 10891 de 31.8.1993, Relator Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 01.10.1993, Página 248 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 5, Tomo 4, Página 28.)

 

Recurso. Cancelamento de inscrição eleitoral.

Dispensável, na espécie - a teor do artigo 80 do Código Eleitoral -, a constituição de advogado para a postulação recursal, que deve ser conhecida.

Existência, nos autos, de documentação comprobatória de domicílio eleitoral.

Provimento.

(TRE/RS, RECURSO - CANCELAMENTO DE INSCRIÇAO ELEITORAL n. 2742003, Acórdão de 04.11.2003, Relator DES. FEDERAL NYLSON PAIM DE ABREU, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Tomo 215, Data 11.11.2003.)

Os recursos, portanto, merecem ser conhecidos.

No mérito, o juízo sentenciante determinou o cancelamento da inscrição eleitoral dos recorrentes, por não verificar seus vínculos com o Município de Monte Belo do Sul.

Acerca do domicílio eleitoral e sua transferência, os arts. 42, parágrafo único, e 55, inc. III, do Código Eleitoral, assim dispõem:

art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

 

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1° A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

(...)

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

É pacífico o entendimento de que o referido conceito não se confunde com o de domicílio civil. Aquele é mais amplo, abrangendo situações em que haja vínculo patrimonial, profissional ou comunitário com a cidade, conforme leciona José Jairo Gomes:

"No Direito Eleitoral, o conceito de domicílio é mais flexível que no Direito Privado. Com efeito, o artigo 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.996/82, dispõe que, `para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas. É essa igualmente a definição constante do artigo 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Logo, o Direito Eleitoral considera domicílio da pessoa o lugar de residência, habitação ou moradia, ou seja, não é necessário haver animus de permanência definitiva, conforme visto.

Tem sido admitido como domicílio eleitoral qualquer lugar em que o cidadão possua vínculo específico, o qual poderá ser familiar, econômico, social ou político." (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 110-111.)

O TSE consolidou seu entendimento no mesmo sentido, como se extrai da ementa que segue:

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL. ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO.

1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes.

2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 37481, Acórdão de 18.02.2014, Relator Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Relator designado Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data 04.8.2014, Página 28/29 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 3, Data 18.02.2014, Página 518.)

Tendo presente a conceituação de domicílio eleitoral exposta acima, passo à análise individualizada dos recursos.

O juízo de primeiro grau determinou o cancelamento da inscrição de Luana Stail, pois os documentos juntados nas folhas 177 a 181 não demonstram o seu vínculo com o município e, segundo a certidão da folha 106, ninguém conhece a eleitora nas proximidades do local onde alega ser sua residência.

A eleitora realizou declaração, sob as penas da lei, de que convive em União Estável com Bruno Faccin (fl. 177), juntando contas de luz, no nome de Antônio Faccin, genitor de Bruno, com quem residem.

Com o recurso, a eleitora complementa os documentos, juntando declaração do pai de Bruno no sentido de que ambos residem com ele e trabalham na propriedade rural da família, cuja existência é certificada pelo documento da folha 268, expedida pelo Registro de Imóveis.

No tocante à alegada inconsistência entre a profissão de “soldadora” de Luana e a declarada atividade rural desenvolvida na propriedade de seu sogro, importa lembrar que muito comumente as pessoas desenvolvem atividades econômicas distintas de sua formação, pelas mais variadas razões. A incompatibilidade, portanto, por si só, não é suficiente para afastar a presunção de boa-fé da eleitora.

Assim, os documentos formam um conjunto seguro e plausível a respeito do vínculo da eleitora com o município. As declarações firmadas sob as penas da lei fazem presumir a veracidade das informações nelas contidas.

Dessa forma, deve ser reconhecido o domicílio eleitoral de Luana Stail em Monte Belo do Sul.

Em relação a Fábio Júnior Boldo de Lima, o eleitor teve sua inscrição cancelada por não comprovar o vínculo com o município, tendo a certidão da folha 112 atestado que o eleitor não é conhecido nas proximidades do local onde indica ser sua residência.

Com o recurso, o eleitor apresentou fotocópia da sua Carteira de Trabalho, na qual consta o vínculo empregatício com a empresa GEE Soluções e Informática Ltda., além de seu contracheque (fls. 273-275).

Os documentos evidenciam de forma segura que o eleitor possui efetivo vínculo profissional com o município, cumprindo requisito suficiente para ter reconhecido o seu domicílio eleitoral em Monte Belo do Sul.

Relativamente ao eleitor Nataniel Longhi Lazzarotto, o recorrente teve sua inscrição cancelada por não comprovar o vínculo com o município, e porque a certidão da folha 104 atesta que o eleitor não conhecido nas proximidades do local que indica ser sua residência.

A sentença deve ser mantida, pois os documentos apresentados não evidenciam seu vínculo com o município, como bem destacou o douto Procurador Regional Eleitoral, cuja manifestação, no ponto, adoto como razões de decidir:

O recorrente, às fls. 269-271, sustentou estudar em Lajeado de segunda a sexta, e que reside com seus avós paternos no endereço informado durante os finais de semana.

Razão não lhe assiste. Não restou comprovado que o recorrente reside com seus avós, sequer havendo, nos autos, declaração desses em tal sentido. Ademais, a conta de luz anexada à fl. 271 demonstra apenas o parentesco entre o recorrente e a pessoa que consta como titular da conta, mas não comprovam a residência do recorrente e nem que o mesmo possua qualquer vínculo com Monte Belo do Sul/RS.

Assim, deve ser mantida a sentença quanto a Nataniel Lazzarotto por ausência de provas de seu vínculo com o município.

 

DIANTE DO EXPOSTO, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento dos recursos de LUANA STAIL e FÁBIO JÚNIOR BOLDO DE  LIMA, a fim de manter a inscrição eleitoral dos recorrentes em Monte Belo do Sul, e pelo desprovimento do recurso de NATANIEL LAZZAROTTO.