RE - 32367 - Sessão: 25/11/2016 às 13:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA SOCIALISTA E POPULAR contra decisão do Juízo da 93ª Zona Eleitoral (fls. 463-9) que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral - AIJE - ajuizada pela recorrente contra LUIZ AUGUSTO SCHMIDT e ADEMIR DALBOSCO, entendendo não caracterizada as condutas vedadas descritas no art. 73, incs. I, IV e V, al. 'a', da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 471-512), sustenta que os recorridos cederam bens públicos à Liga de Combate ao Câncer e à CDL, maquinários agrícolas à particulares e realizaram contratações indiscriminadas de Cargos Comissionados. Argumenta que houve ofensa ao art. 73, incs. I, IV e V, al. 'a', da Lei n. 9.504/97. Requer a procedência da AIJE, com a aplicação de multa e cassação dos registros de candidatura dos candidatos recorridos.

Com as contrarrazões (fls. 516-532), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 535-541).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no dia 22.9.2016 (fl. 470) e o recurso foi interposto no dia 24 do mesmo mês (fl. 471), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

Ainda em matéria preliminar, os recorridos suscitam a nulidade da juntada de novos documentos na audiência de instrução. Não prospera a insurgência, pois, após a instrução, há prazo de alegações finais para as partes, que podem se manifestar sobre os novos documentos. Ademais, os recorridos tiveram oportunidade de analisá-los e de se manifestarem quanto ao seu conteúdo, não havendo prejuízo à defesa.

A jurisprudência admite a juntada de documentos no decorrer da instrução quando não se verifica prejuízo à defesa:

Recursos. Condutas vedadas. Art. 73, incs. II, IV e § 10, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Parcial procedência. Multa. Eleições 2012.

Preliminares afastadas: 1. Reconhecida a ilicitude da gravação ambiental, diante da ausência de prova de que tenha sido realizada por um dos participantes da conversa; 2. Preenchidos todos os requisitos previstos no Código de Processo Civil, deve ser rejeitada a alegação de inépcia da inicial; 3. Regularidade da juntada de documentos durante a instrução probatória, ocasião em que devidamente oportunizada a análise das peças pelas partes; 4. A coleta de provas, de ofício, pelo magistrado, encontra amparo no art. 22, inc. VII, da Lei Complementar n. 64/90.

[...]

Provimento negado ao apelo da coligação representante.

(TRE/RS, Recurso Eleitoral nº 77729, Acórdão de 18/03/2014, Relator(a) DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 53, Data 26/03/2014, Página 2)

 

No mérito, aduz a recorrente que os recorridos (a) cederam bens à Liga de Combate ao Câncer e a CDL e maquinários agrícolas a particulares, e (b) realizaram contratações indiscriminadas de Cargos Comissionados, incidindo, assim, nas condutas vedadas pelo artigo 73, I e IV e V, 'a', da Lei n. 9.504/97.

Passo à análise individualizada das irregularidades:

 

(a) cedência de bens e maquinários em benefício dos candidatos:

O art. 73, I e IV, da Lei das Eleições veda o uso de bens públicos e a distribuição gratuita de bens e serviços em benefício de candidatos. Transcrevo os dispositivos legais:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

 

As condutas vedadas previstas nos incisos acima transcritos exigem que a distribuição gratuita de bens públicos ou serviços sociais seja realizada com finalidade eleitoral, com a intenção de promover o candidato por meio do serviço público ou em seu benefício. Nesse sentido, citem-se as seguintes decisões:

ELEIÇÕES 2012. AÇÕES DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO, VEREADOR E ENTÃO PREFEITO. ABUSO DE PODER, CONDUTAS VEDADAS E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.

[...]

4. Para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/97, é necessário que, no momento da distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeada ou subvencionada pelo Poder Público, ocorra o uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação.

[...]

Recursos especiais interpostos no REspe nº 530-67 providos em parte.

Recursos especiais interpostos no REspe nº 531-52 providos.

Ações cautelares julgadas procedentes.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 53067, Acórdão de 07/04/2016, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 02/05/2016, Página 52-54.)

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, I, DA LEI Nº 9.504/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A conduta vedada no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97 pressupõe a cessão ou utilização de bem público, em benefício de candidato, partido político ou coligação, o que não restou demonstrado na espécie.

2. A constatação de suposto plágio no layout para confecção de material de campanha não comprova sua efetiva cessão pelo Executivo local, sobretudo quando há informação de que as fotos utilizadas foram disponibilizadas no sítio eletrônico da prefeitura.

3. Agravo regimental desprovido

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 8922, Acórdão de 24/11/2015, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 26, Data 05/02/2001, Página 210 )

 

No tocante à cessão de maquinário agrícola a particulares custeado pelo município, as Leis municipais n. 1.255/2010 e 1.409/2013 estabelecem que serviços agrícolas podem ser prestados a agricultores municipais. O art. 3º, parágrafo único, da referida Lei n. 1.255/2010 estabelece que o serviço realizado por escavadeira hidráulica, quando terceirizada, terá um subsídio de 33% por parte do produtor, e a Lei 1.409/2013 estabelece que os serviços de escavadeira em propriedade rural terão isenção de até 3hs.

O Município contratou 200 horas de escaveira hidráulica, pelo valor de R$ 47.126,08,00 para a realização de serviços na propriedade de interessados (fl. 259).

Alega a recorrente que, apesar do valor pago, não houve arrecadação, por parte do Município, da contrapartida dos particulares, aduzindo que a Administração permitiu o uso do maquinário de forma gratuita, em benefício do candidato à reeleição.

Em que pese o raciocínio desenvolvido, não há provas nos autos de que a cedência do maquinário agrícola a eleitores tenha se dado para promover os candidatos recorridos. As testemunhas ouvidas não apontaram qualquer tentativa de cooptação de votos, ou apoio político em troca do serviço prestado.

O douto Procurador Regional Eleitoral bem analisou a questão, merecendo transcrição o parecer no ponto (fls. 539-540):

Quanto ao uso indevido de maquinário público em benefício de particulares (fato 3), o que, segundo a coligação recorrente, também configuraria o inciso I do artigo 73 da Lei 9504/97, igualmente não merece provimento o recurso.

 

A parte recorrente elenca quatro situações (fl. 09 da inicial) em que sustenta estar configurada a utilização de maquinário pertencente à Prefeitura de Boqueirão de Leão sem o devido pagamento do custo denominado “horas-máquina”. Ocorre que a prova trazida aos autos não comprova as alegações feitas, as quais não passam de ilações de que os serviços tinham caráter eleitoreiro e foram prestados ao arrepio da lei, por terem sido realizados em finais de semana ou em propriedades localizadas na zona central da cidade ou, ainda, sem a cobrança de horas-máquina.

 

As fotos juntadas para embasar as alegações (fls. 40-46) demonstram tratores realizando atividades em terrenos localizados nas zonas urbana e rural, não sendo razoável depreender destas que o maquinário pertencia à Prefeitura ou que estava sendo usado em desvio de finalidade, local proibido ou por tempo superior ao isento de cobrança.

 

[…]

 

Não se desconhece o fato de duas das três testemunhas da coligação recorrente terem declarado que não era efetuado o controle do trabalho realizado com as máquinas pertencentes à administração municipal. Porém, há de se levar em consideração que ambos os declarantes são filiados a partidos políticos integrantes da coligação recorrente e que seus depoimentos não foram peremptórios acerca da ausência de cobrança dos serviços. A sentença analisou com percuciência a prova produzida, como se depreende do seguinte trecho (fls. 463-469):

 

“Após o exame detido da prova carreada aos autos, no máximo ficou a impressão de um descontrole administrativo relativamente as horas máquinas, pois a legislação prevê a necessidade da cobrança quando o trabalho executado em favor de particulares ultrapasse três horas de uso contínuo da máquina. Contudo, não há comprovação efetiva de que tal situação tenha ocorrido de forma proposital e como forma de captação ilícita de sufrágio, pois nenhuma das testemunhas ouvidas declarou que os representados exigiram apoio político em troca dos serviços prestados em propriedades particulares com máquinas da prefeitura.

 

É de salientar que há lei municipal que instituiu e disciplina este programa em favor dos agricultores (LM nº 1255/2010 e LM 1409/2013), não havendo prova do abuso noticiado na inicial. Saliento que este trabalho pode ser executado mesmo aos finais de semana e feriados, se houver necessidade. É que, por vezes, o trabalho, dependendo do caso concreto, deve acompanhar a periodicidade das chuvas e aí não importa se é em final de semana, o trabalho tem de ser executado.

 

Diversas testemunhas foram ouvidas e não ficou demonstrado abuso do poder político ou captação ilícita de sufrágio através desta prática.

 

Dessa forma, ausente provas de que a cedência gratuita do maquinário tenha se dado para promoção da candidatura dos recorridos, não resta caracterizada a pretendida conduta vedada.

No tocante à cedência de imóveis do Município à Liga de Combate ao Câncer e à Câmara de Dirigentes Logistas – CDL, resta demonstrado nos autos que a Prefeitura cedeu uma sala de 28m² à instituição de combate ao câncer mediante termo de concessão de uso (fls. 26-27) devidamente autorizada pela Câmara de Vereadores, mediante a edição de lei específica para o ato (fl. 25).

Ademais, o evidente interesse público na atividade promovida pela entidade justifica o espaço concedido pelo Município para auxiliar no desenvolvimento do combate à doença e assistência às famílias.

Relativamente à cessão de imóvel à CDL, verifica-se nos autos que houve a edição de lei municipal autorizando a concessão de uma área de 1.000m² à Câmara de Dirigentes Lojistas (fl. 28), mas o termo de concessão sequer foi perfectibilizado, não havendo que se falar em benefício à campanha dos recorridos.

Como se verifica, não há evidências de que a concessão de imóveis às entidades tenha ocorrido para o benefício dos candidatos. Ao contrário, os atos aparentam estrita legalidade, sendo realizados inclusive com autorização legal específica.

 

(b) contratação de Cargos Comissionados:

O artigo 73, V, da Lei n. 9.504/97 veda, de regra, a nomeação e contratação de pessoal desde os três meses anteriores ao pleito até a posse dos eleitos, ressalvando a nomeação de servidores para ocuparem cargos em comissão na sua alínea 'a':

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:

a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança.

 

Dessa forma, a lei expressamente autoriza a nomeação de cargos em comissão nos três meses que antecedem o pleito, não havendo ilegalidade nesta conduta.

Ademais, não se extraem dos autos a alegada nomeação indiscriminada de servidores comissionados, nem foi demonstrada a finalidade eleitoral das nomeações.

A Prefeitura possuía, em agosto de 2016, 35 Cargos em Comissão (fl. 88), número inferior ao da administração anterior, que possuía 38 funcionários em 2012 (fl. 87).

A exoneração de funcionários com a subsequente nomeação para outras funções comissionadas, de mais elevada remuneração, como argumentou a defesa se deu por uma necessidade de reajustamento das contas, a fim de observar os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Como bem pontuou a sentença recorrida, a exoneração e nomeação de cargos em comissão está sujeita à livre discricionariedade da Administração e, sendo necessária a dispensa de CC's para o reequilíbrio das contas, tal conduta não pode ser considerada ilegal, especialmente quando ausente qualquer indício da motivação eleitoral da medida.

Como se verifica, não restaram demonstradas as ilegalidades das condutas, motivo pelo qual deve ser mantido o juízo de improcedência da representação.

DIANTE DO EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso.