RE - 16540 - Sessão: 06/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO FRENTE AMPLA interpõe recurso contra sentença de fls. 50-53 que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral e afastou os pedidos de condenação e cassação por infração ao art. 73, inc. I, da Lei 9.504/97, e pela prática de propaganda eleitoral antecipada, ao fundamento de que não há demonstração de que os investigados eram agentes públicos, que o espaço foi disponibilizado a outros partidos e entidades sem custo, não havendo quebra de igualdade entre candidatos, e, por fim, que não houve pedido de votos.

Em suas razões, a recorrente afirma que o candidato à reeleição como vice-prefeito GILBERTO FELIX abusou do seu poder político enquanto ocupante de tal cargo, utilizando-se do plenário da câmara dos vereadores para realizar debate com nítido viés eleitoral. Assevera que a sentença equivocou-se ao não reconhecer a prática da conduta vedada do inc. I do art. 73 da Lei n. 9.504/97, pois evidente não se tratar de mero debate de ideias sobre o tema segurança pública, e sim de propagação da pré-candidatura dos investigados e, por corolário, de propaganda eleitoral antecipada em favor dos candidatos à eleição majoritária. Reafirma que a utilização do plenário decorreu do abuso de autoridade do vice-prefeito à época do fato, praticado em benefício próprio, da coligação partidária que viria a compor e dos demais pré-candidatos ao cargo de vereador presentes ao debate. Requer a reforma da sentença, com a procedência da ação (fls. 55-60).

Com contrarrazões (fls. 64-68), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, razão pela qual dele conheço.

O presente recurso decorre de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) interposta pela Coligação Frente Ampla  contra a Coligação Juntos Podemos Mais, FERNANDO RUSKOWSKI LOPES e GILBERTO FÉLIX DA SILVA – candidatos eleitos a prefeito e vice-prefeito do Município de Butiá – pela prática de abuso de poder e da conduta vedada prevista no inc. I do art. 73 da Lei 9.504/97, que também teria configurado propaganda eleitoral antecipada.

A inicial narra os seguintes fatos:

1. DOS FATOS

No dia 29 de maio de 2016 foi postado no perfil da rede social Facebook de Fernandinho Lopes o convite para debater Butiá, tendo como tema a Segurança Pública, na Câmara de Vereadores de Butiá, imagem 1 no anexo.

Fernandinho Lopes é notório político atuante na cidade, que preside e defende a sigla partidária do Partido Progressista, filho do candidato a prefeito Fernando Lopes neste pleito de 2016.

Contudo, o que era pra ser um debate sobre o tema segurança pública tornou-se um debate político de candidatura antecipada, tendo em vista que estavam fazendo parte da bancada os candidatos a prefeito Fernando Lopes (PP), o candidato a vice-prefeito Gilberto Felix (PTB) e o candidato a vereador Biro-Biro (nº 18123), e na plateia encontravam-se os candidatos a vereador Paraná (nº 11555), Rita (nº 11611), Irma Fernandes ( nº 11112), Cristiano Almeida (nº 14444), Fabiano Montador (nº 11260), Brandino (nº 11550), conforme pode ser visualizado nas fotos postadas no perfil supra do facebook, datada de 6 de julho de 2016, no anexo, todos pela coligação Junto Podemos Mais, imagem 3 do anexo.

(…)

Dessa forma, impende reconhecer que, do conjunto probatório constante dos autos, é possível concluir que, nas postagens em tela, foram propagadas mensagens eleitorais que lograram levar ao conhecimento geral a candidatura, a ação política ou as razões das quais se possa inferir que o candidato a prefeito era o mais apto para a função pública.

Fácil perceber que o representado estava se utilizando da campanha antecipada na internet e fazendo uso de espaço público para lançar a Fernando Lopes com vantagem no certame eleitoral deste ano.

 

2. DO DIREITO

Pelos fatos supra mencionados, comprovados pelos documentos acostados, que cumulados com a produção de provas que embasarão o processo não restará dúvida que a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais foi afetada frontalmente, sendo expressamente vedado pelo art. 73, I, da Lei 9.504/97.

A consumação da conduta vedada está clara e comprovada, maculado foi o art. 73, I, da Lei 9.504/97, tendo como sanção a cassação do registro da candidatura e a aplicação de multa, conforme disposto no art. 73, parágrafo 4º e 8º da Lei 9.504/97.

Não sobra dúvidas que a conduta de se utilizar de imóvel público para a prática de campanha antecipada afetou diretamente a igualdade de oportunidades entre os candidatos, feriando a lisura das eleições. (…)

São dois, então, os fatos a serem examinados: (a) utilização do plenário da Câmara de Vereadores do Município de Butiá para a realização de debate sobre segurança pública, organizado pelo Partido Progressista e (b) propaganda eleitoral antecipada consistente na divulgação, em perfil do Facebook, de convite para o referido debate.

Passo à análise individualizada de cada um deles.

Em relação à utilização do plenário da Câmara de Vereadores do Município de Butiá para a realização de debate sobre segurança pública, organizado pelo Partido Progressista (PP), alegam os recorrentes que se enquadraria na hipótese de conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

As condutas vedadas buscam impedir que agentes públicos valham-se de sua condição e do acesso privilegiado aos bens e serviços da Administração Pública para angariar benefícios eleitorais, desvirtuando a finalidade pública de suas atribuições para promoverem seu nome e, assim, ficar em posição de vantagem frente aos outros candidatos que não dispõem do mesmo acesso à Administração. O artigo tutela, portanto, a igualdade entre os candidatos.

Nessa linha de raciocínio, o inc. I proíbe o uso de bens públicos “com o fim deliberado de causar benefício ou prejuízo indevido aos participantes do processo eletivo” (ZILIO, Rodrigo Lopez. Direito Eleitoral, 3ª ed. 2012, p. 510). Já a vedação do inc. II “diz respeito a extrapolação da finalidade lícita relacionada à atividade do agente, no exercício de sua função pública” (RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral, 10ª ed., 2010, p. 443). Para a caracterização do inc. IV, importa que a distribuição gratuita de bens e serviços seja feita de forma desvirtuada, “a sua colocação a serviço da candidatura, enfim, o seu uso político-promocional” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral, 6ª ed., 2011, p. 513).

Contudo, da simples leitura dos dispositivos legais, e seu confronto com a doutrina, infere-se que o fato não se enquadra na conduta vedada prevista no inc. I do art. 73 da Lei 9.504/97.

A realização do aludido debate no plenário da Câmara de Vereadores de Butiá, em 02.06.2016, restou incontroversa, pois reconhecida pela própria defesa (fl. 18).

Das provas coligidas aos autos infere-se que o evento contou com a participação de pré-candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador dos partidos políticos integrantes da coligação investigada e também por pré-candidatos filiados a outras agramiações e, inclusive, partidos integrantes da coligação recorrente, além de integrantes da comunidade em geral. Note-se, também do conteúdo probatório, que estas reuniões costumam ocorrer com certa frequência no plenário da Câmara de Vereadores de Butiá.

Todavia, o inc. I do art. 73 da Lei n. 9.504/97 traz a ressalva de que a cessão ou uso de bens públicos é permitida em caso de realização de convenção partidária, sendo razoável, tal como compreendeu o ilustre Procurador Regional Eleitoral, “entender possível a utilização desses bens para eventos semelhantes, como o que ocorreu no caso narrado na exordial” (fl. 74).

Além disso, nota-se que o debate contou com a participação de políticos de diversos partidos, não havendo notícia da ocorrência de pedido de votos ou anúncio de pré-candidaturas.

Assim, o que se vislumbra do conjunto probatório coligido aos autos é que o aludido evento tratou-se de um debate sobre segurança pública, promovido pelo Partido Progressista e decorrente de atividade típica do Poder Legislativo, não sendo viável concluir-se que a utilização do Plenário da Câmara – espaço destinado também a estas discussões – tenha configurado conduta tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.

Ademais, tal como consignou o douto Procurador Regional Eleitoral, cabe registrar que os representados não foram “os agentes públicos responsáveis pela cedência ou autorização de uso do referido espaço, a qual caberia ao Presidente do Poder Legislativo, que sequer compôs o polo passivo desta ação de investigação” (fl. 74v.).

Portanto, entendo não configurada a hipótese de conduta vedada prevista no inc. I do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

E, nesse sentido, tem decidido este Regional:

Recurso. Conduta vedada. Artigo 73, incisos I e II, da Lei n. 9.504/97. Prefeito, vice e vereador. Eleições 2012.

Improcedência da representação pelo julgador monocrático.

Acolhida a prefacial de legitimidade passiva de representado que foi afastado pelo julgador originário do polo passivo da demanda. Na condição de Presidente da Câmara de Vereadores, está vinculado ao evento inquinado de conduta vedada. Desnecessária, todavia, a reforma da sentença nesse ponto, visto que a decisão de mérito é pela improcedência da demanda.

O uso, pelos representados, da sala de reuniões da Câmara Municipal de Vereadores, ocasião em que também utilizados materiais e equipamentos públicos, não ofende a legislação de regência, haja vista a expressa ressalva prevista no inciso I do citado dispositivo legal, que permite a cessão ou uso de bens pertencentes à administração pública para a realização de convenção partidária, sendo factível o uso destes bens para eventos semelhantes, como reuniões partidárias. Não verificado qualquer desequilíbrio entre os candidatos na realização da reunião impugnada.

(TRE-RS. Recurso Eleitoral n. 76477, Acórdão de 05.11.2013, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 208, Data 11.11.2013, Página 3.) (Grifei.)

Por fim, em relação ao segundo fato – propaganda eleitoral antecipada consistente na divulgação, em perfil do Facebook, de convite para o referido debate –, de igual modo não merece reparo a sentença que entendeu por não configurada a irregularidade.

A última minirreforma eleitoral trouxe nova redação ao art. 36-A da Lei n. 9.504/97, enumerando condutas que não caracterizam propaganda extemporânea:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; 

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Grifei.)

Como se verifica, o caput do art. 36-A, com redação conferida pela Lei n. 13.165/15, privilegia a liberdade de expressão, garantia constitucional fundamental, e estabelece, inclusive, ser possível a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades do candidato, vedando apenas o pedido expresso de votos nessas manifestações.

E, nesse sentido, tem decidido o egrégio TSE, reconhecendo ser necessário o pedido expresso de votos para a configuração da propaganda eleitoral antecipada:

ELEIÇÃO 2014. RECURSO ESPECIAL. ENTREVISTA. DEPUTADO FEDERAL. CARÁTER POLÍTICO. RÁDIO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DESCARACTERIZAÇÃO. MULTA AFASTADA. RECURSO PROVIDO.

1. Para a configuração da propaganda extemporânea, é necessário que haja referência a pleito eleitoral e expresso pedido de voto. Ausentes tais requisitos no caso concreto, em que a entrevista versou sobre conquistas políticas do pré-candidato ao cargo de governador, afasta-se a multa imposta com base no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97.

2. Segundo o disposto no art. 36-A, I, da Lei das Eleições, cuja redação foi reproduzida no art. 3º, I, da Res.-TSE nº 23.404/2014, aplicada às eleições de 2014, não é considerada propaganda eleitoral antecipada a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não haja pedido de votos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico. Precedentes.

3. Agravo regimental provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 771219, Acórdão de 07.6.2016, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Relatora designadoa Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 09.9.2016)  (Grifei.)

Assim, tendo por norte o teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97 e o entendimento firmado pelo egrégio TSE sobre a questão, a divulgação de um convite ao debate e de fotos do evento em um perfil do Facebook, sem fazer qualquer pedido de votos aos eleitores, não pode ser considerada propaganda eleitoral extemporânea, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida também quanto a este ponto.

Dessa forma, correto o juízo de improcedência da representação, pois não caracterizada a conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, tampouco a propaganda extemporânea.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo íntegra a sentença de primeiro grau que julgou improcedente a representação.

É como voto, Senhora Presidente.