RE - 13091 - Sessão: 09/02/2017 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO FRENTE POPULAR e TRABALHISTA contra sentença do Juízo Eleitoral da 80ª Zona – São Lourenço do Sul – que indeferiu a representação formulada em desfavor de JOSÉ VALDOIR RIBEIRO, por entender não configurada a prática de propaganda irregular pelo representado (fls. 38-40).

Em suas razões de recurso (fls. 43-50), sustenta que a sentença exarada colide com a prova dos autos, não sendo possível a confusão entre críticas e “propagação de um clima de insegurança na comunidade”. Aduz que foram colocadas em dúvida a competência, a moral e a honra de integrantes da administração municipal, sendo que o recorrido teria se manifestado sobre fatos que desconhecia. Requer o provimento do apelo e a reforma da sentença.

Com as contrarrazões (fls. 55-58), os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do apelo (fls. 61-64).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 24 horas previsto no art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, a coligação recorrente entende que as manifestações do recorrido teriam gerado “incertezas na comunidade” e maculado “a moral e a honra de integrantes da administração”.

Em tese, portanto, cumpre analisar a prática do previsto no art. 243, inc. IX, do Código Eleitoral:

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

[...]

IX - que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

Resumidamente, Valdoir manifestou-se sobre o sistema de videomonitoramento a ser instalado no Município de São Lourenço do Sul, nos seguintes termos:

Pessoal, prestem atenção neste VIDEOMONITORAMENTO, no meu entender político, pois é dentro do período eleitoral que estão instalando em São Lourenço, são várias câmaras que estarão monitoramento a população. Dizem que a POLÍCIA vai cuidar disso, se for verdade ÓTIMO, mas normalmente Estado não libera policiais para fazer monitoramento. Em Pelotas o Estado não liberou. Então, quem são as pessoas que vão monitorar? Qual a qualificação em segurança pública destas pessoas? Qual o comprometimento? Qual o grau de honestidade? Qual o vínculo com o poder público? Só uma citação – já imaginou colocar uma pessoa duvidosa a cuidar da sua casa – você sai de casa e ele está olhando, é só avisar a turma que a casa ficou vazia. Reflitam… […] Detalhe guarda municipal é um profissional formado, não é um CC nomeado. […]

Típico exercício de livre manifestação do pensamento, adianto desde já.

Aliás, salutar que se questionem, durante o período de competição eleitoral, políticas públicas como o referido programa de monitoramento estatal, mormente se realizados  os questionamentos dentro dos parâmetros razoáveis, como nitidamente acima ocorreu. Ora, não se afirmou peremptoriamente qualquer desonestidade, nem sequer um nome é citado, apenas foram trazidas dúvidas pertinentes e realizados pedidos de esclarecimentos acerca do monitoramento a ser implantado, sempre dentro da seara do debate político, ainda que contundente.

Friso que, antes mesmo da legislação eleitoral, a própria Carta da República assegura tal jaez de manifestação – art. 5º, inc. IV, da CF – de modo que seria surpreendente que uma prefeitura municipal resolvesse instalar câmeras de monitoramento e integrantes da comunidade (candidatos a cargos públicos aqui incluídos) não desejassem saber, afinal de contas, quem as operará, de que forma as informações serão utilizadas e, principalmente, por quem.

Nessa linha, a jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. PROPAGANDA ELEITORAL. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÃO. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. ART. 58 DA LEI Nº 9.504/97. EMPREGO DE MEIOS PUBLICITÁRIOS DESTINADOS A CRIAR, ARTIFICIALMENTE, NA OPINIÃO PÚBLICA, ESTADOS MENTAIS, EMOCIONAIS OU PASSIONAIS. ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

I - O fato sabidamente inverídico, a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a "olhos desarmados". Além disso, deve denotar ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. Precedentes. II - A parte final do caput do (vetusto) art. 242 do Código Eleitoral, no sentido de que não se deva empregar, na propaganda eleitoral, "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais", não pode embaraçar a crítica de natureza política - ainda que forte e ácida -, ínsita e necessária ao debate eleitoral e substrato do processo democrático representativo. Precedente específico: Rp nº 587/DF, Rel. Min. Gerardo Grossi, Publ. Sessão de 21.10.2002. III - Em prol da liberdade de expressão, afasta-se a concessão de direito de resposta e indefere-se pedido de suspensão definitiva de inserção na qual se disse, com apoio de imagens eloquentes (enfocando tristeza por escassez de comida), que a plataforma política da representada, sobre a autonomia do Banco Central, representaria entregar aos banqueiros vultoso poder de decisão sobre a vida do eleitor e de sua família. IV - Improcedência dos pedidos.

(Representação n. 120133, Acórdão de 23.9.2014, Relator Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23.9.2014.)

Convém, ainda, transcrever trecho do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 62), o qual adoto como razões de decidir:

O folheto acostado à fl. 09 levanta dúvida sobre a qual órgão ou pessoas recairá a responsabilidade pelo serviço de videomonitoramento municipal. Consta da propaganda que não se pode confirmar que a Brigada Militar poderia assumi-lo, afirmando o candidato estar ciente das dificuldades enfrentadas pela polícia estadual, que não “liberou policiais” em outras localidades. Ante a ausência de transparência acerca da responsabilidade sobre o videomonitoramento, compara a situação com “colocar uma pessoa duvidosa a cuidar da sua casa”, que avisaria “a turma que a casa ficou vazia”. Não há, no texto, qualquer insulto direcionado à pessoa específica ou à Administração Pública. O que consta no documento é mera crítica e questionamento das políticas municipais, não extrapolando os limites do direito de manifestação do pensamento. O ato de “avisar a turma” é puramente hipotético, mencionado pelo recorrido apenas para evidenciar sua descrença no programa, não merecendo censura.

Note-se que a recorrente foi incapaz de indicar objetivamente qual a acusação que recaiu sobre a administração pública, ou sobre seus “integrantes”, apenas alegando que a linguagem utilizada teria sido dúbia, subliminar. Ao ocupante de cargo público, eletivo ou não, impõe absorver eventuais críticas e responder à comunidade pelas iniciativas tomadas.

No que concerne à suposta ausência de requisitos legais do folheto veiculado, tenho como pertinente a remessa dos autos à origem para verificação de conveniência em apurar eventual ilícito, conforme passagem do d. parecer, a qual transcrevo para evitar tautologia e igualmente adoto como razões de decidir:

Alega a recorrente que a propaganda impugnada não preenche os requisitos legais, uma vez que não estariam presentes os números do CNPJ do candidato e da empresa gráfica responsável, bem como o número da tiragem, todos impostos por força do art. 38, § 1º da Lei nº 9.504/97 e do art. 16, § 1º da Resolução TSE nº 23.457/2015, in verbis:

 

'Art. 38. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação ou candidato. (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

§ 1º Todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ ou o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Art. 16. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, adesivos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido político, da coligação ou do candidato, sendo-lhes facultada, inclusive, a impressão em braille dos mesmos conteúdos, quando assim demandados (Lei nº 9.504/1997, art. 38, e Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Decreto nº 6.949/2009, arts. 9º, 21 e 29).

§ 1º Todo material impresso de campanha eleitoral deverá conter o número de inscrição no CNPJ ou o número de inscrição no CPF do responsável pela confecção, bem como de quem a contratou, e a respectiva tiragem, respondendo o infrator pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso do poder (Lei nº 9.504/1997, art. 38, § 1º; Código Eleitoral, arts. 222 e 237; e Lei Complementar nº 64/1990, art. 22).'

 

Em resposta, o recorrido trouxe aos autos cópia da propaganda à fl. 28, na qual constam, de maneira clara, os números supracitados. Ainda, juntou a nota fiscal relativa à tiragem (fl. 31) e prova de pagamento (fls. 29-30). A cópia anexada pela defesa não mostra quaisquer sinais de adulteração ou edição posterior.

De fato, trata-se de texto incluído e impresso normalmente, constando originalmente no documento. Ainda, a nota fiscal foi emitida em 31/08/2016 (fl. 31), sendo o respectivo cheque (fl. 30) sacado em 01/09/2016 (fl. 29), datas anteriores ao ajuizamento desta representação, em 16/09/2016. Examinando o conjunto probatório, não há como se afirmar a autoria do material acostado à inicial, motivo pelo qual a improcedência é medida que se impõe.

Nesse sentido, assim decidiu esta Corte Regional:

 

'Recurso. Representação. Propaganda eleitoral. Bem de uso comum. Jogo beneficente. Art. 37, § 4º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Alegada distribuição de "santinhos" com propaganda eleitoral em evento beneficente realizado em bem de uso comum. Conjunto probatório frágil para configurar a propaganda irregular. Depoimentos isolados de pessoas comprovadamente comprometidas politicamente com agremiações adversárias, desacompanhados de qualquer outro elemento de prova. Provimento negado.

(Petição n. 203551, Acórdão de 21.10.2014, Relatora LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)'

 

Contudo, tendo em vista que foram acostadas duas propagandas eleitorais idênticas aos autos, uma com e outra sem os dados obrigatórios, necessário é o encaminhamento de cópia dos autos ao MPE de origem, a fim de que apure a eventual ocorrência de falsidade. 

Irretocável, portanto, a sentença.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a decisão de primeiro grau pelos seus próprios fundamentos, e pela remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral da 80ª ZE para as providências que entender pertinentes.