RE - 25434 - Sessão: 24/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO FARROUPILHA SONHA, FAZ E ACONTECE (PDT/PSB/PT/PSD/PCdoB/PRB/REDE) em face da sentença que julgou parcialmente procedente a representação ajuizada pela COLIGAÇÃO TODOS JUNTOS (PMDB/PP/PSDB/DEM/PR/PSC/PPS/PTB), concedendo a esta o direito de resposta. Como a sentença foi prolatada na véspera do dia da eleição, foi aplicada à coligação recorrente, multa no valor de cinco mil UFIRs, por simetria ao que dispõe o art. 58, § 8º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões, a COLIGAÇÃO FARROUPILHA SONHA, FAZ E ACONTECE postula a reforma da decisão no que refere ao reconhecimento do direito de resposta e, sobretudo, quanto à condenação na multa aplicada por simetria a dispositivo legal.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo parcial provimento do apelo, no ponto em que sancionou a recorrente ao pagamento de multa.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de 24h.

Inicialmente, registro que, embora o feito diga respeito a direito de resposta por ofensas ou afirmações inverídicas veiculadas durante o horário eleitoral gratuito, remanesce o interesse recursal, pois a decisão do magistrado de piso aplicou à recorrente multa de R$ 5.000,00.

Portanto, passo a examinar o apelo.

A matéria em debate diz com a incidência do que dispõe o art. 58 da Lei n. 9.504/97:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

Antes de apreciar o caso concreto, trago doutrina e jurisprudência acerca do tema.

A respeito do reconhecimento do direito de resposta, trago à colação a doutrina do Dr. José Jairo Gomes, extraída de sua obra Direito Eleitoral, 8. edição, editora Atlas, p. 412 e 413:

A concessão de direito de resposta pressupõe sempre uma ofensa, ainda que indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica. Nos três primeiros casos, ataca-se a honra pessoal. Conforme assinalam Karpstein e Knoerr (2009, p.36), é evidente que a “crítica dirigida à Administração governamental e à atuação de candidato como homem público não somente é legal mas também salutar para a vida democrática”; o que não se deve é “confundi-la com ofensas à honra pessoal de candidatos, caracterizando injúria, difamação ou calúnia”. Consiste a calúnia na falsa imputação, a alguém, de fato definido como crime. Já na difamação, atribui-se fato ofensivo à reputação, independentemente de ser falso ou verdadeiro. Por sua vez, na injúria não se imputa fato a outrem, havendo apenas ofensa à dignidade ou ao decoro. Quanto ao último pressuposto, exige-se que a afirmação feita seja “sabidamente inverídica”. (Grifei.)

No entanto, adverte o autor que, no âmbito do direito eleitoral, para o político, a aplicabilidade desses conceitos de direito penal não pode ser realizada de forma rígida, como se dá para o homem comum:

Mas esses conceitos – extraídos do Código Penal – não têm aplicação rígida na esfera eleitoral. Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva das pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político-eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso se insere na dialética democrática.

[…]

Na verdade, política e moral constituem esfera distintas, cada qual contando com diferentes critérios de julgamento no concernente à justiça, correção, bondade e maldade de ações.

[…]

O que no mundo privado se compreende por boa-fé, honra e verdade poderia levar um governante à ruína, eis que muito facilmente seria ludibriado pelos adversários, que o demoliriam na arena. Daí que o discurso abraçado na peleja pela conquista do poder não é o mesmo daquele esposado por quem já o conquistou. Isso faz com que se renuncie não só ao ideário antes apregoado, mas também a muitos dos compromissos assumidos.

[...]

A ação política deve ser orientada no sentido de vencer o inimigo, conquistar o poder e manter o Estado. Para se julgar uma ação política é preciso olhar o seu fim ou resultado: o que importa é que seja alcançado. Vê-se, pois, que a moral do político não é a mesma do indivíduo!

É evidente não serem esses os parâmetros pelos quais o particular pauta sua vida e conduz seus negócios. É óbvio, igualmente, que, em ambiente democrático, os contrastes aflorarão no debate político-ideológico, sobretudo por ocasião da campanha política. Ademais, a crítica - ainda que contundente - faz parte do discurso político, traduzindo a dialética própria do regime democrático, assentado que é no enfrentamento de ideias. (negritei)

Quanto ao que venha a ser veiculação de afirmação sabidamente inverídica, destaco a doutrina do distinto Promotor Eleitoral Rodrigo López Zilio, Direito Eleitoral, 5. ed., Verbo Jurídico, 2016, p. 423:

Assim, para o deferimento do direito de resposta, não basta apenas veicular afirmação de caráter inverídico, porquanto a lei exige um plus – vedando a afirmação “sabidamente” inverídica. A distinção guarda relevância na medida em que o debate de ideias entre os candidatos é fundamental para a formação de opinião do eleitorado, sendo reconhecida determinada flexibilização nos conceitos de honra e privacidade dos homens públicos. Portanto, somente é passível de direito de resposta a afirmação que, de modo evidente, configura-se como inverídica, dado que a divergência de posicionamento acerca de fatos de interesse político- comunitário é essencial ao desenvolvimento do debate eleitoral. Daí que é cabível o direito de resposta quando assacada uma inverdade escancarada, evidente, rotunda, manifesta, e não quando o fato narrado admite contestação, ensejando espaço para uma discussão política. (Grifei.)

No tocante à configuração de ato que atinja a honra do candidato ou afirmação sabidamente inverídica, a jurisprudência do TSE se manifesta:

ELEIÇÕES 2010. PROPAGANDA ELEITORAL. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO.

1. A mensagem, para ser qualificada como sabidamente inverídica, deve conter inverdade flagrante que não apresente controvérsias.

2. Não é possível transformar o pedido de resposta em processo investigatório com intuito de comprovar a veracidade das versões controversas sustentadas pelas partes.

3. Pedido de resposta julgado improcedente.

(Representação n. 367516, Acórdão de 26.10.2010, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26.10.2010)

 

1. O excesso de suscetibilidade não se compadece com a disputa, o recrudescimento das campanhas eleitorais e com a regra democrática de criticar e ser criticado, enquanto homem público exposto à avaliação popular.

2. O art. 58 da Lei n. 9504197 só assegura o direito de resposta quando o candidato for atingido por manifestação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica. Mas a inverdade deve ser sabida de todos sem rebuços, pois há de ter valor absoluto e não relativo; exige-se a certeza absoluta da inverdade. Há, portanto, de ser verdade universal e verdadeiro truísmo. De sorte que, questões relativas a investimentos, gastos, obras, investimentos, concessões, permissões, licitação, contratos administrativos, orçamentos e quejandas outras não são questões de fácil entendimento que permitam encontrar, nos estreitos limites da representação eleitoral, a verdade absoluta.

(TRE-SP REPAG n° 129031SP, Acórdão n° 143599 de 22.8.2002).

 

Recurso eleitoral. Representação. Horário eleitoral gratuito. Alegação de inserção com conteúdo ofensivo e degradante. Descabimento. Mensagem político-publicitária, relacionada à matéria jornalística examinadora do sistema "Detecta", que não apresenta inobservância material ou formal apta a torná-la incompatível com o espaço não-privado da propaganda eleitoral gratuita, forçando o arremate que não destoou da forma republicana de competir nas eleições. Direito ao livre exercício da manifestação de pensamento, sem abuso da liberdade de crítica inerente ao embate político na disputa das eleições. Reconhecimento, ademais, de que, no campo da política, aquele que submete ou pretende submeter seu nome ao escrutínio aberto, com o objetivo de receber ou manter mandato público, não pode angustiar-se com termos ou elementos de oração próprios do acerbo debate eleitoral, ainda que ácidos, contundentes ou até irritantes. Interveniência excepcional da Justiça Eleitoral afastada. Precedentes. Decisão monocrática de improcedência mantida. Recurso eleitoral desprovido.

(TRE-SP, RECURSO nº 423845, Acórdão de 26.9.2014, Relatora CLAUDIA LUCIA FONSECA FANUCCHI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 26.9.2014). (Grifei.)

No caso concreto, foi concedido direito de resposta à coligação recorrida, pois houve divulgação de que o candidato BOLIVAR ANTONIO PASQUAL estaria envolvido com os “escândalos das horas extras” e “funcionários fantasmas”.

O direito de resposta foi rejeitado em relação ao envolvimento “no caso de 16 milhões” porque o candidato é réu na Justiça Federal por crime contra o sistema financeiro nacional, na Justiça Estadual por crimes de lavagem de dinheiro e peculato, além de responder ação civil pública por atos de improbidade administrativa, todos os feitos envolvendo má gestão do Fundo de Previdência Social do Município de Farroupilha.

Assim, a análise do recurso se limita aos funcionários fantasmas e horas extras e à multa aplicada à recorrente.

Diversamente do entendimento do magistrado de 1º grau, tenho que as afirmações contidas no programa da recorrente não exorbitaram do debate eleitoral.

A própria inicial refere que sobre esses dois casos (horas extras e funcionários fantasmas) não houve até o momento decisão judicial transitada em julgado. Portanto, são meras investigações ou processo judicial.

Ademais, com a defesa foram acostadas matérias jornalísticas que envolvem investigações do Ministério Público acerca de funcionários fantasmas e horas extras indevidas no Município de Farroupilha (fls. 08-10).

Dessa forma, não podem ser considerados fatos sabidamente inverídicos, como exige a norma legal para dar ensejo a direito de resposta, devendo a sentença ser reformada, ao efeito de ser julgada improcedente a representação.

 

Da multa imposta por simetria

Como o juízo é no sentido de inexistir direito de resposta a ser concedido, como consectário é de ser absolvida a recorrente da multa imposta na sentença.

Ressalto que, mesmo se assim não fosse, a multa aplicada, por simetria, pelo magistrado infringiu os princípios da legalidade e da reserva legal.

Veja-se que, ao proferir decisão na véspera da eleição, quando não seria mais possível a veiculação do direito de resposta, a recorrente foi sancionada ao pagamento de 5.000 UFIR de multa, por analogia ao que dispõe o art. 58, § 8º, da Lei n. 9.504/97, para as hipóteses de não cumprimento da decisão que concede direito de resposta.

No ponto, transcrevo o que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

 

Merece ser reformada a decisão quanto a este ponto, eis que esta, embora pareça fazer justiça ao caso concreto, acaba por infringir os princípios da legalidade e da reserva legal.

Estamos diante de caso de aplicação de pena (pecuniária) e para tal, conforme previsão do art. 5º, inciso XXXIX, CF, há necessidade de prévia cominação legal.

Nesse sentido, a seguinte ementa, proveniente do TRE/SE, citada no acórdão RE 341-45.2012.6.21.0088 do TRE-RS, é elucidativa:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PREFEITO E VICEPREFEITO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. PAINEL. AUSÊNCIA DO NOME DA COLIGAÇÃO E DOS PARTIDOS INTEGRANTES. ARTIGOS 6º, § 2º DA LEI Nº 9.504/97 E 6º DA RESOLUÇÃO TSE Nº 22.718. IMPOSIÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APLICAÇÃO DA ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E RESERVA LEGAL. PROVIMENTO DO RECURSO. 6º § 2º 9.504 2. À míngua de previsão legal, não cabe ao juiz aplicar, por analogia, o artigo 39, § 8º da Lei 9.504/97, bem como os artigos 14 e 17 da Resolução TSE nº 22.718, para impor aos Representados, ora Recorrentes, multa eleitoral, sob pena de malferimento dos princípios constitucionais da legalidade e da reserva legal. Precedentes. 39§ 8º 9.504 3. Possibilidade do juiz fixar multa (astreintes) por dia de descumprimento da decisão, bem como determinar a abertura de inquérito policial pelo crime de desobediência, situação que não ocorreu no presente caso. 4. Recurso conhecido e provido. (3189 SE, Relator: ÁLVARO JOAQUIM FRAGA, Data do julgamento: 18/06/2009, Data de publicação: DJ – Diário de Justiça, Data

15/07/2009, Página 36.)

Merece ser registrada a parte final da fundamentação do acórdão do TRE-RS, anteriormente referido, onde o Exmo. Relator, Dr. Sílvio Ronaldo Santos de Moraes, faz observação que se amolda ao caso ora discutido: “Em que pese a sensibilidade do juízo monocrático que, de forma a não incentivar a impunidade, por analogia aplicou a pena de multa prevista para a propaganda irregular, como substitutiva à sanção de perda do tempo, lamentavelmente, não há regra legal que tutele a diretriz adotada, que, efetivamente, se revelaria profilática”

No mesmo sentido manifestou-se o Tribunal Superior Eleitoral:

REPRESENTAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE PESQUISA IRREGULAR. ART. 33, § 30, DA LEI N° 9.504/97. 1. O art. 33, § 30 , da Lei n° 9.504197, prevê que a divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações sujeita os responsáveis à pena de multa, não prevendo essa norma legal a exigência que a divulgação contenha as informações previstas no caput do mesmo artigo. 2. Conforme decidido pelo Tribunal em caso similar (REspe n° 27.576, rel. Min. Ari Pargendler, DJE de 23.10.2007), "para a aplicação de qualquer penalidade, faz-se necessária a expressa previsão legal, não se admitindo a ampliação do rol elencado na legislação eleitoral por analogia". Recurso especial provido.

(REspe n° 479-11, Rel. Mm. Henrique Neves, DJE de 19.8.2013). (Grifei).

 

Ante o exposto, voto pelo provimento do recurso, ao efeito de julgar improcedente a representação e absolver a recorrente da multa imposta.