RE - 21054 - Sessão: 30/01/2017 às 13:30

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LUIZ PAULO FONTANA e ROBERTO FACHINETTO, candidatos, respectivamente, ao cargo de prefeito e vice, contra decisão do Juízo da 145ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a representação ajuizada contra os recorrentes pela COLIGAÇÃO QUERO MAIS PARA O MEU POVO, aplicando-lhes multa de 10 mil UFIRs, com fundamento no art. 73, I, da Lei n. 9.504/97, e determinando a cassação do registro de candidatura por abuso de poder político.

Nas razões recursais (fls. 227-249), preliminarmente, requerem a modificação da ordem de desentranhamento de documentos juntados aos autos nos embargos de declaração. No mérito, sustentam que o ônibus escolar de placas JCJ-0012 é branco, e não amarelo, como afirmam a inicial e as testemunhas. Argumentam que o tacógrafo do referido veículo parou de funcionar na terça-feira, 06.9.2016, vindo a funcionar somente no dia 08.9.2016. Alegam não merecer prosperar o fundamento da sentença, pois apenas quatro tacógrafos do ônibus escolar encontram-se riscados, correspondendo a cada dia útil daquela semana, e, se o veículo tivesse sido utilizado para transportar eleitores ao evento dos recorrentes, não poderia ter trabalhado na sexta-feira. Sustenta não estar caracterizado abuso de poder político, pois a contratação de nove ônibus para transporte de eleitores ao evento de lançamento da sua campanha não é irregular, nem pode desequilibrar o pleito. Requer a improcedência da representação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 300-307v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura (relator):

O recurso é tempestivo. A decisão dos embargos opostos contra a sentença foi publicada no dia 30.9.2016 (fl. 225) e o recurso foi interposto no dia 02.10.2016 (fl. 227), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

Ainda em matéria preliminar, o recorrente protesta pela juntada de novos documentos, apresentados com o recurso, consistentes em fotografia do veículo escolar e cópias da prestação de contas do candidato a vice-prefeito.

De fato, o art. 266 do Código Eleitoral admite a juntada de documentos com o recurso, e, na hipótese, entendo justificada a apresentação de tais documentos somente após a sentença, pois o magistrado referiu ter consultado o sítio do TRE e constatado que não foram lançadas despesas com transportes na prestação de contas dos candidatos.

Os documentos, assim, foram juntados para esclarecer diligência realizada pelo magistrado quando da prolatação da sentença, mostrando-se oportuna tal juntada.

Dessa forma, admito os documentos acostados ao recurso.

No mérito, a presente ação foi proposta em razão de evento organizado para o lançamento da candidatura de Luiz Paulo Fontana e Roberto Fachinetto para os cargos, respectivamente, de prefeito e vice de Arvorezinha.

Segundo concluiu a sentença, foram utilizados ônibus escolares para o transporte de eleitores ao evento, sendo nove veículos contratados e um público. Fundamentou, ainda, que tal conduta teria viabilizado o comparecimento de centenas de pessoas à reunião, na qual houve a distribuição de erva-mate e água quente.

Concluiu que tais condutas caracterizaram (a) a conduta vedada prevista no art. 73, I, da Lei n. 9.504/97 e (b) abuso de poder político, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90, aplicando aos representados multa de R$ 10 mil UFIRs e pena de cassação do registro dos representados.

Não há controvérsia de que a reunião para lançamento da candidatura de Luiz Fontana e Roberto Fachinetto foi efetivamente realizada no dia 07 de setembro, quarta-feira, com disponibilização de transporte gratuito para levar os eleitores ao local, onde seria distribuída erva-mate e água quente aos participantes.

Passo, assim, à análise individualizada das irregularidades a partir das controvérsias instauradas nos autos.

 

Conduta vedada do art. 73, I, da Lei n. 9.504/97

O art. 73, I, da Lei n. 9.504/97 veda o emprego de bens públicos em prol da campanha de candidatos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária.

Resta demonstrado nos autos que foram utilizados nove ônibus, pertencentes a empresas terceirizadas, contratadas pela prefeitura para o transporte escolar. A defesa comprova ter contratado o serviço dessas empresas especificamente para o evento, juntando aos autos as respectivas notas fiscais (fls. 67-76), não pairando sobre tais contratações indícios de irregularidade.

A controvérsia instaurou-se sobre a utilização ou não do veículo de placas JCJ-0012, ônibus escolar de propriedade do município.

A sentença entendeu comprovada a utilização do veículo no evento, pois o seu tacógrafo registra a utilização do ônibus no terceiro dia da semana, quarta-feira, 07 de setembro, feriado no qual as escolas não funcionaram.

Os recorrentes sustentam que o funcionário, no final da terça-feira, dia 06 de setembro, desligou a chave geral do veículo porque ele estava com a bateria fraca, voltando a ligá-la na quinta-feira, dia 08. Todavia, não procedeu à troca dos discos, por isso a anotação existente no terceiro disco – que normalmente deveria retratar a quarta-feira – dizia respeito à quinta-feira, quando o ônibus voltou a ser utilizado.

Analisando os registros dos tacógrafos, em confronto com as demais provas dos autos, verifica-se que a prova dos autos não demonstra, de forma segura a efetiva, a utilização do ônibus no evento de campanha dos recorrentes.

O magistrado sentenciante entendeu frágil o argumento da defesa porque, segundo o testemunho de Moacir Fossa de Lima, motorista de transporte escolar da prefeitura, “a bateria fraca e a chave desligada não alteram o tacógrafo” (fl. 125).

Entretanto, mesmo o seu testemunho, em outra passagem, não é conclusivo quanto à precisão do dia de registro. Após analisar os discos, afirmou a testemunha: “O tacógrafo de fls. 45 teve início no dia 05. Não sabe identificar se o terceiro disco refere-se ao dia 07, porque afirma que os discos podem ter sido colocados fora de ordem”.

Dessa forma, os registros do tacógrafo, embora representem um indicativo bastante contundente quanto ao deslocamento do veículo, não podem ser valorados de forma absoluta, pois circunstâncias diversas podem reduzir a precisão de suas marcações, como se extrai do testemunho acima referido.

Nessa linha de raciocínio, embora o motorista Otávio Pastorio não tenha testemunhado em juízo, tendo apenas registrado ata notarial, na qual afirma ter desligado a chave geral do ônibus no dia 06 de setembro (fl. 157), verifica-se plausível o argumento dentro do contexto probatório produzido nos autos.

Os discos referentes à segunda e terça-feira, dias 05 e 06, registram a saída do veículo por volta das 06h15min e término dos trabalhos aproximadamente às 18hs.

Todavia, os dois discos seguintes marcam horários de funcionamento atípicos: o do dia 08 registra movimento à 0h, às 5h e às 18hs; o do dia 09 anota deslocamento à 0h, entre 4h e 6h, 7h30min e 8h30min, e, por fim, entre 9h40 e 10h30min.

Analisando os demais tacógrafos, referentes a outros ônibus escolares, percebe-se uma constância nos horários de funcionamento, iniciando-se o registro por volta das 6hs e encerrando-se, aproximadamente, às 18hs.

Dessa forma, a prevalecer a tese de acusação (de que o terceiro tacógrafo alude efetivamente ao dia 07 de setembro, data da convenção partidária e feriado escolar) o ônibus teria se deslocado ao local do evento na madrugada, e somente voltaria a trafegar às 18hs. Assim, não poderia ter realizado o transporte de eleitores para o começo do encontro, iniciado às 13h30. Da mesma forma, estaria no local durante toda a realização da reunião, e poderia ter sido facilmente fotografado ou notado pelas pessoas presentes, situação não confirmada, pois todas as testemunhas ouvidas não perceberam a presença do veículo no local.

Por outro lado, o terceiro e quarto discos também não se prestam a confirmar a tese da defesa (de que tais anotações se referem à quinta e sexta-feira, dias 08 e 09 de setembro, quando o ônibus voltou a fazer o transporte escolar), pois os horários neles registrados não coincidem com as marcações repetidas nos dias anteriores, às 6h e 18hs.

Diante desses dados, afigura-se plausível que tenha havido uma falha no registro a contar do segundo disco do tacógrafo, possivelmente ocasionado pelo desligamento da chave geral do ônibus.

Assim, o tacógrafo realmente não é prova segura do deslocamento do veículo, pois suas anotações não se coadunam nem com a tese da acusação nem com a da defesa.

Por outro lado, a instrução probatória não produziu qualquer evidência sobre a utilização do aludido ônibus.

Os vídeos juntados à folha 16 dos autos mostram claramente, nas duas primeiras gravações, que os ônibus filmados possuíam placas vermelhas, de propriedade das empresas contratadas. O último vídeo, gravado de longe, não permite identificar com clareza a placa do veículo filmado, em nada contribuindo para a controvérsia.

Os testemunhos, da mesma forma, não comprovam o ilícito pretendido.

Carine Pompermaier, participante do evento, disse que foi anunciado o transporte gratuito aos presentes para retornarem a suas residências, mas “não viu nenhum ônibus no local” (fl. 128), de forma que seu testemunho não esclarece o uso do veículo público no evento.

Da mesma forma o testemunho de Ronaldo Gandolfi, o qual afirmou não ter reparado “na existência de ônibus no local”. Após assistir aos vídeos gravados no local, asseverou que “nos vídeos '1' e '2', os veículos apresentam placa vermelha, que é categoria “aluguel”. No vídeo '3', não foi possível ver o veículo, mas só identificou o local, possivelmente perto do parque de exposições” (fl. 129).

Caroline Andrine dos Santos também não contribui para o esclarecimento dos fatos, afirmando que “não lembra das cores dos ônibus que efetuaram o transporte” (fl. 130), assim como Erci de Oliveira, a qual “não viu ônibus no local do evento” (fl. 131).

Moacir de Lima, funcionário que realiza o transporte escolar e, por isso, conhecedor dos veículos utilizados pelo município, compareceu ao evento e afirmou que “não viu nem ônibus terceirizado e nem da prefeitura chegando” (fls. 125-126).

Como se verifica, nenhuma testemunha pode confirmar, ou ao menos levantar suspeitas, de que o veículo do município tenha sido empregado para o transporte de eleitores ao evento.

Somando-se essa insuficiência da prova testemunhal à inconsistência dos registros do tacógrafo de folha 45, não se pode concluir, com a segurança necessária, que os acusados tenham utilizado o ônibus de placas JCJ-0012 em sua campanha eleitoral, devendo, por isso, ser julgado improcedente o pedido de condenação pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, I, da Lei n. 9.504/97.

 

Abuso de poder econômico

O juízo de primeiro grau entendeu ainda caracterizado o abuso de poder econômico, pelo uso de 10 ônibus escolares para o transporte de eleitores a reunião de campanha, em que foi distribuída gratuitamente erva-mate e água quente, alcançando, aproximadamente, um número de 600 eleitores.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da LC n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir condutas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade (Elementos de Direito Eleitoral, 2. ed., 2010, p. 377).

Considerando que a vedação ao abuso preserva de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que, sem a conduta abusiva, o resultado das urnas seria diferente. É o que dispõe o art. 22, XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22.

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos (Direito Eleitoral, 12. ed. 2016, p. 663).

Na hipótese, apesar da magnitude do evento realizado, não se verifica qualquer postura abusiva por parte dos representados.

Inicialmente, não restou demonstrado o uso do veículo de propriedade da prefeitura para o deslocamento dos eleitores. Da mesma forma, não pairam indícios de irregularidade sobre a contratação dos demais veículos junto às empresas terceirizadas de transporte escolar.

Ainda que se pudesse, em tese, considerar abusivo o transporte gratuito de eleitores para o evento partidário, verifica-se pelos testemunhos que muitas pessoas deslocaram-se ao local em veículos próprios, de carona ou a pé, não sendo possível considerar o transporte disponibilizado pelos representados como o único responsável pelo comparecimento dos eleitores.

Ademais, a distribuição de erva-mate e água quente aos presentes também não pode ser considerada um fator de desequilíbrio do pleito.

O produto não foi distribuído como benesse aos eleitores, para que o levassem de lembrança. Ao contrário, como esclarecem as testemunhas, havia erva em potes para as pessoas montarem suas próprias cuias e tomarem chimarrão no local. A erva-mate, portanto, foi disponibilizada apenas para criar um ambiente de descontração.

Diga-se, ainda, que a cultura do chimarrão, amplamente disseminada no Estado, além de ser um produto de fácil acesso aos eleitores, não pode ser considerada um fator de desequilíbrio do pleito eleitoral, especialmente porque a erva-mate foi disponibilizada para consumo imediato no local do evento.

Nesse sentido, destaque-se que a jurisprudência posicionou-se no sentido de que a distribuição de bebidas e alimentos em reuniões com a simples finalidade de tornar o evento mais aprazível não é ilícito eleitoral, como se extrai das seguintes ementas:

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Improcedência. Eleições 2016.

Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que revistam uma situação concreta. Oferecimento de chá com distribuição de lanches e bebidas. Não evidenciada a finalidade específica de obteção do voto. Captação ilícita de sufrágio não caracterizada.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE 475-26, Rel. Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura, julg. 06.12.2016.)

 

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Improcedência. Eleições 2016.

Para a configuração da captação ilícita de sufrágio, necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que revistam uma situação concreta.

Oferecimento de jantar com distribuição de comidas e bebidas de forma gratuita. Não caracterizada a finalidade específica de obter o voto dos eleitores presentes no evento. Jantar realizado para promover a campanha eleitoral dos recorridos, com distribuição de propaganda política. Não comprovada a intenção de compra dos votos.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE 346-13, Rel. Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julg. 05.12.2016.)

Dessa forma, não se verifica que a realização do evento tenha configurado abuso de poder político ou econômico, pois o ato de lançamento da campanha, pelo que se extrai dos autos, mostrou-se legítimo.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação.

 

(Após votar o relator, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos o Dr. Losekann. Demais membros aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)