RE - 36461 - Sessão: 10/02/2017 às 11:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por SILVIO LUIS DA SILVA RAFAELI e JOSÉ BATISTA SILVEIRA PEREIRA. Partes adversas, recorrem ambos contra a sentença do juízo eleitoral da 84ª Zona – Tapes – a qual entendeu procedente (fls. 73-74) a representação formulada por Silvio em desfavor de José e, em sede de embargos de declaração, aplicou multa ao representado José no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (fls. 82-83), com fundamento no art. 57-D, da Lei n. 9.504/97.

O representante Silvio Luis recorre, fundamentalmente, por entender que as postagens realizadas por José na rede social Facebook eram carregadas de cunho negativo e pejorativo, ofendendo-lhe a honra. Elenca a legislação e narra os fatos para postular a majoração da multa (fls. 87-90).

O representado José Batista, nas respectivas razões, sustenta não ter concorrido a cargo eletivo e que sua página na rede social é visualizada apenas por pessoas de suas relações, na qual postou declaração despida de conteúdo ofensivo. Aponta que teceu críticas ao chefe do poder público municipal, o qual não está imune a avaliações negativas (fls. 117-120).

Com contrarrazões (fls. 124-130 e 133-137), os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo não conhecimento do recurso do representado, por intempestividade e, no mérito, pela inexistência de ofensa à honra do candidato (fls. 140-142v.).

É o relatório.

 

VOTO

Peço vênia ao d. Procurador Regional Eleitoral para entender como tempestivos ambos os recursos.

Isso porque, conforme a certidão constante na fl. 84, houve a intimação das partes via Mural Eletrônico do TRE-RS na data de 11.10.2016. E, consoante a Portaria TRE-RS n. 259/2016, o prazo passará a transcorrer a partir da zero hora do dia seguinte da divulgação da decisão judicial ou da intimação no Mural Eletrônico, verbis:

Art. 10. Os prazos para a prática de atos processuais fixados em horas serão contados minuto a minuto, iniciando-se a contagem a partir da 0h (zero hora) do dia seguinte ao da divulgação da decisão judicial ou da intimação no Mural Eletrônico.

Parágrafo único. O prazo fixado em horas que, porventura, vencer fora do horário de funcionamento dos Cartórios Eleitorais e da Secretaria Judiciária do Tribunal fica prorrogado, automaticamente, para o término da primeira hora de início de seu funcionamento no dia imediatamente posterior, findando-se no último minuto da primeira hora de abertura do expediente.

Contudo, houve a edição de normativo posterior, a Portaria P n. 301/2016, a qual dispensou as zonas eleitorais da realização de plantão judiciário na data de 12.10.2016:

Art. 1º. Dispensar da realização de plantões no período de 07 a 29 de outubro de 2016 as zonas eleitorais que jurisdicionam municípios cujas eleições majoritárias foram definidas no primeiro turno.

Parágrafo único. As zonas eleitorais que jurisdicionam municípios cujas eleições majoritárias serão definidas no segundo turno estão dispensadas da realização de plantões nos dias 08 e 09 de outubro de 2016. 

No Município de Tapes não houve, sabidamente, segundo turno de eleições municipais no ano de 2016, de forma que o primeiro dia de contagem do prazo para interposição de recursos há de ser a data de 13.10.2016, e não 12.10.2016, feriado nacional, sob pena de grave prejuízo indevido ao jurisdicionado José Batista.

Friso, ainda, que ambos os recursos foram protocolados no dia 13.10.2016: o do representante Sílvio às 10h12 (fl. 87) e do representado José às 13h52 (fl. 117).

Conheço dos recursos, dado o exposto.

No mérito, o recorrente Sílvio Luis da Silva Rafaeli postula a majoração da multa, por entender que as manifestações de José Batista Silveira Pereira, na rede social Facebook, teriam cunho negativo e pejorativo, ofendendo a sua honra, de maneira que a reiteração e a gravidade da conduta fazem com que seja adequada a majoração da pena pecuniária já aplicada.

Por seu turno, o recorrente José Batista Silveira Pereira aduz que a sua opinião foi apenas compartilhada com amigos, a qual não ultrapassou o limite da mera crítica política. Salienta ter obedecido à ordem de retirada das postagens. Indica que o chefe do Poder Executivo municipal não está imune às críticas por seus atos de gestão.

E José Batista restou condenado, na origem, por suposta desobediência ao art. 57-D, caput, combinado com o respectivo § 2º, nos seguintes termos:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – Internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.

[...]

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$30.000,00 (trinta mil reais).

§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatos em sítios da Internet, inclusive redes sociais.

Ainda, convém ressalvar ser possível analisar a prática sob o prisma do previsto no art. 243, inc. IX, do Código Eleitoral:

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

[...]

IX - que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública.

Ao conteúdo das manifestações.

José Batista teceu considerações na rede social Facebook, conforme vídeo constante nos autos (fl. 53), e, no que importa ao presente processo, falou sobre o contrato de prestação de serviços de limpeza no Município de Tapes, privatizado pela gestão municipal então em exercício. Teceu críticas, é bem verdade, algumas ácidas e contundentes. Indicou valores envolvidos no contrato e opinou sobre o serviço prestado.

Sem, contudo, atingir a honra de qualquer envolvido.

Típico exercício de livre manifestação do pensamento, adianto desde já.

De início, indico como salutar aos valores democráticos que se questionem, durante o período de competição eleitoral, políticas públicas, como o referido serviço de limpeza urbana e sua privatização, mormente se o questionamento for realizado dentro dos parâmetros razoáveis, como nitidamente acima ocorreu – ainda que de forma enfática.

Ora, não se afirmou peremptoriamente qualquer desonestidade, e o nome citado (“Silvio Rafaeli”) é convocado a dar explicações, somente isso. Foram trazidas dúvidas pertinentes, realizados pedidos de esclarecimentos acerca do contrato, sempre dentro da seara do debate político, ainda que, repito, de forma contundente. Afirma-se “chega de PDT”, e questiona-se o lapso temporal do partido no governo: 12 (doze) anos.

Friso que, antes mesmo da legislação eleitoral, a própria Carta da República assegura tal jaez de manifestação – art. 5º, inc. IV, da CF – de modo que seria surpreendente que uma prefeitura municipal resolvesse firmar contratos e os integrantes da comunidade não desejassem saber, afinal de contas, os detalhes da contratação.

Nessa linha, a jurisprudência do e. Tribunal Superior Eleitoral, a qual vai grifada:

ELEIÇÕES 2014. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. PROPAGANDA ELEITORAL. DIREITO DE RESPOSTA. INSERÇÃO. FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. ART. 58 DA LEI Nº 9.504/97. EMPREGO DE MEIOS PUBLICITÁRIOS DESTINADOS A CRIAR, ARTIFICIALMENTE, NA OPINIÃO PÚBLICA, ESTADOS MENTAIS, EMOCIONAIS OU PASSIONAIS. ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

I - O fato sabidamente inverídico, a que se refere o art. 58 da Lei nº 9.504/97, para fins de concessão de direito de resposta, é aquele que não demanda investigação, ou seja, deve ser perceptível de plano, a "olhos desarmados". Além disso, deve denotar ofensa de caráter pessoal a candidato, partido ou coligação. Precedentes.

II - A parte final do caput do (vetusto) art. 242 do Código Eleitoral, no sentido de que não se deva empregar, na propaganda eleitoral, "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais", não pode embaraçar a crítica de natureza política - ainda que forte e ácida -, ínsita e necessária ao debate eleitoral e substrato do processo democrático representativo. Precedente específico: Rp nº 587/DF, Rel. Min. Gerardo Grossi, Publ. Sessão de 21.10.2002. 

III - Em prol da liberdade de expressão, afasta-se a concessão de direito de resposta e indefere-se pedido de suspensão definitiva de inserção na qual se disse, com apoio de imagens eloquentes (enfocando tristeza por escassez de comida), que a plataforma política da representada, sobre a autonomia do Banco Central, representaria entregar aos banqueiros vultoso poder de decisão sobre a vida do eleitor e de sua família. 

IV - Improcedência dos pedidos.

(Representação n. 120133, Acórdão de 23.9.2014, Relator Min. TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23.9.2014.)

Convém, ainda, transcrever trecho do parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 141v.-142), o qual expressamente adoto como razões de decidir:

No caso dos autos, o vídeo impugnado, veiculado por meio da rede social facebook, em perfil pessoal do representado, intitulado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEM NECESSIDADE. MAIS GASTOS DESNECESSÁRIOS AO PDT”, não possui conteúdo ofensivo, configurando mera crítica à gestão da administração municipal pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT, conforme se extrai da oitiva da mídia (CD) acostada à fl. 55. É possível observar que a manifestação do representado contém crítica que, embora contundente, não ultrapassa o limite da liberdade de expressão, sem que tenha havido ofensa à honra do candidato representante. De outro lado, diferentemente do que afirmado na inicial, a mensagem ora impugnada, não trata o candidato ora representante como um “perdulário”, “malversador do dinheiro público”, não fazendo qualquer menção a esses termos. Nessa linha, entende-se que não houve, no caso, um excedimento do direito ao livre exercício da manifestação de pensamento, tampouco abuso da liberdade de crítica inerente ao embate das eleições. Ademais, é cediço que aquele que submete ou pretende submeter seu nome ao escrutínio aberto, com o objetivo de conquistar ou manter mandato público, não pode angustiar-se com elementos ou termos próprios do acerbo debate eleitoral.

Note-se, ademais, que o recorrente foi incapaz de indicar objetivamente qual a acusação que recaiu sobre a sua honra, apenas alegando ser carregada de cunho negativo e pejorativo. Ao ocupante de cargo público, eletivo ou não, impõe absorver eventuais críticas e responder à comunidade pelas iniciativas tomadas.

Nessa linha, precedente do TRE-SP, o qual vai grifado:

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANÔNIMA E IRREGULAR. ANONIMATO INEXISTENTE NO SITE FACEBOOK, NA MEDIDA EM QUE OS PERFIS EXISTENTES EM TAL PROVEDOR SÃO PASSÍVEIS DE ESPECIFICAÇÃO, SEJA A PARTIR DOS DADOS CADASTRAIS OBRIGATORIAMENTE FORNECIDOS, SEJA POR INTERMÉDIO DOS NÚMEROS DE PROTOCOLO NA INTERNET. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELAS POSTAGENS IMPUGNADAS. INSERÇÕES EXTERNADAS EM CONSONÂNCIA COM O LIVRE EXERCÍCIO DA MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO, SEM ABUSO DA LIBERDADE DE CRÍTICA INERENTE AO EMBATE DAS ELEIÇÕES. RECONHECIMENTO, ADEMAIS, DE QUE, NO CAMPO DA POLÍTICA, AQUELE QUE SUBMETE OU PRETENDE SUBMETER SEU NOME AO ESCRUTÍNIO ABERTO, COM O OBJETIVO DE RECEBER OU MANTER MANDATO PÚBLICO, NÃO PODE ANGUSTIAR-SE COM TERMOS OU ELEMENTOS DE ORAÇÃO PRÓPRIOS DO ACERBO DEBATE ELEITORAL, AINDA QUE ÁCIDOS, CONTUNDENTES OU ATÉ IRRITANTES. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO ELEITORAL DESPROVIDO.

(Recurso Eleitoral n. 475465. Relatora Dra. CLÁUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI. Ac. de 11.12.2014.)

Diante do exposto, entendo pela não ocorrência de desobediência à legislação eleitoral, e VOTO pelo provimento do recurso de JOSÉ BATISTA SILVEIRA PEREIRA.