RE - 15918 - Sessão: 22/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por RACHEL GIOVANINI contra a sentença que julgou procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pela COLIGAÇÃO UNIÃO POR IBIRUBÁ, cosiderando abusiva a doação realizada pela candidata a instituto beneficente, condenando-a à cassação do registro e à inelegibilidade por 08 anos.

Em suas razões recursais (fls. 105-114), preliminarmente, suscita a nulidade da sentença, por incongruente com os fatos narrados e a extinção do feito sem mérito, pois baseada em fato ocorrido antes do período eleitoral. No mérito, sustenta que a doação foi realizada por terceira pessoa antes mesmo da escolha em convenção, tendo a candidata apenas comparecido ao evento. Argumenta que a divulgação do evento ocorreu a pedido da instituição beneficiada. Requer a improcedência da representação.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 131-134).

É o relatório.

 

Voto

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. A sentença foi publicada no dia 19.9.2016 (fl. 98), e o recurso interposto no dia 22 do mesmo mês, portanto merece ser conhecido.

Não prospera a preliminar de incongruência entre a denúncia e a sentença. A inicial imputou à recorrente a doação de valor a uma entidade assistencial que a teria beneficiado na campanha. Após a instrução do feito, o juiz de primeiro grau concluiu que a doação foi efetivamente realizada pela candidata, mas em nome de entidade assistencial por ela integrada. O fato constitutivo do alegado abuso, entrega gratuita de bem com benefício eleitoral, foi o que motivou a condenação em primeiro grau, não havendo que se falar em nulidade da sentença.

Quanto à alegada preclusão da ação porque a fato ilícito teria ocorrido antes do início do período eleitoral, é pacífica a jurisprudência no sentido de admitir o abuso de poder político ou econômico praticado antes mesmo da escolha dos candidatos em convenção:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.

1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, inexiste óbice a que o abuso de poder seja reconhecido com base em condutas praticadas ainda antes do pedido de registro de candidatura ou do início do período eleitoral.

2. No caso dos autos, embora a conduta praticada pelo agravante - custeio de revista com recursos públicos em maio de 2011 enaltecendo sua pessoa - tenha atentado contra inúmeros princípios contidos no art. 37 da CF/88, ela não teve repercussão na seara eleitoral, haja vista o extenso lapso temporal de dezessete meses faltante para as Eleições 2012. Nesse sentido: AgR-REspe 35.999/PE, de minha relatoria, DJe de 2.9.2014.

3. Agravo regimental provido para, sucessivamente, prover-se o agravo e o recurso especial eleitoral e afastarem-se as sanções de inelegibilidade e de cassação do registro impostas ao agravante.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 51475, Acórdão de 28.4.2015, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Relator designado Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 103, Data 02.6.2015, Página 50.)

Rejeito, portanto, as preliminares suscitadas.

No mérito, está comprovado que Raquel Giovanini, na condição de integrante da Associação Terceira Idade Conviver, participou da entrega de R$ 240,00 ao Hospital Anne Dias no dia 30.6.2016. A notícia da doação, acompanhada de fotografia da entrega do valor, foi publicada no Jornal O Alto Jacuí de 19.8.2016 (fl. 10).

Por tal fato, a recorrente foi condenada à cassação do registro e inelegibilidade de 08 anos por abuso de poder econômico e político, previsto no art. 22 da Lei Complementar 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

O abuso de poder é instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir atitudes e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 2ªed., 2010, p. 377.)

Considerando que o abuso ofende de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra dessa normalidade está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a simples normalidade das campanhas. É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

art. 22.

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663.)

Na hipótese, a doação realizada pela candidata, na condição de representante da Associação Grupo de Terceira Idade Conviver, ocorreu no dia 30 de junho de 2016 (fl. 22), mesmo dia no qual se desincompatibilizou do cargo de coordenadora do Departamento de Assistência Social e Trabalho (fl. 87). Assim, não há qualquer evidência de aproveitamento do cargo público para promover a entrega da doação.

Ademais, o benefício foi repassado pela Associação integrada pela candidata, ainda em junho de 2016, antes mesmo de ser escolhida em convenção para candidatar-se à vereança.

No tocante à divulgação da solenidade de entrega do valor de R$ 240,00 no Jornal O Alto Jacuí de 19.8.2016, as provas dos autos demonstram não ter havido participação da candidata nessa publicação.

A notícia de tal doação deu-se em razão de contrato publicitário entre a empresa jornalística e o Hospital Anne Dias, conforme destacado pelo douto Procurador Regional Eleitoral em seu parecer, o qual transcrevo no ponto:

Nesse aspecto, cumpre mencionar a Declaração firmada pela Sócia- Proprietária do Jornal da Comunidade O Alto Jacuí (fl. 23), informando que:

No dia 18 de agosto recebemos um e-mail do senhor Odair, solicitando reserva de espaço para a divulgação de material cujo título é: A união das pessoas em prol do Hospital da Comunidade Annes Dias, o qual tinha interesse que a matéria fosse divulgada na edição do dia 19 de agosto.

A corroborar o conteúdo da Declaração acima mencionada, juntou-se aos autos cópia do e-mail encaminhado em 18/08/2016 por Odair Funk ao Jornal Visão Regional (fl. 24). Também foi tomado o depoimento da testemunha Odair Funk, que recebeu a doação destinada ao Hospital pelos Representantes do Grupo de Terceira Idade e que confirmou o depoimento prestado pela recorrente de que esta teria tão somente acompanhado o Grupo da Terceira Idade, do qual foi coordenadora, no dia 30/06/2016, para o evento da doação.

Por fim, analisando a matéria publicitária publicada, verifica-se que ela é integralmente voltada à divulgação de inúmeras doações recebidas pela instituição, promovendo a necessidade da participação social para o seu funcionamento e agradecendo os auxilios recebidos. A fotografia na qual aparece a candidata está ao lado de outras cinco, sem receber destaque algum.

Dessa forma, não há que se falar em abuso de poder político ou econômico, nos termos exigidos pelo art. 22 da Lei Complementar 64/90, pois a doação foi realizada pela candidata na condição de integrante de associação privada, em data anterior ao período eleitoral e cuja repercussão na mídia não foi provocada por ela, nem lhe rendeu destaque capaz de desequilibrar a normalidade do pleito.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação.