RE - 35939 - Sessão: 14/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

A COLIGAÇÃO SIMPLICIDADE E TRABALHO (PDT-PSC) interpõe recurso em face da sentença (fl. 32 e verso) que julgou procedente a representação por propaganda irregular por esta ajuizada contra JOÃO PAULO ZIULKOSKI e a COLIGAÇÃO QUERO SER FELIZ DE NOVO (PP-PSDB).

Em suas razões, a recorrente sustenta não haver prova nos autos de que os representados tenham cumprido a ordem judicial de retirada da propaganda irregular, consistente em uma bandeira afixada em grade de arame de uma residência. Assevera que, ainda que satisfeita a ordem, deveria ter sido aplicada, pelo juízo eleitoral, a multa prevista no § 1º do art. 14 da Resolução TSE n. 23.457/15, pois “o fato da propaganda ter sido regularizada não elide a fixação de multa” (fls. 37-42).

Com contrarrazões (fls. 45-47), a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 50-53).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

eminentes colegas:

O apelo é tempestivo e atende aos demais pressupostos recursais, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, cuida-se de representação por propaganda irregular afixada em bem particular.

A recorrente pretende a aplicação de multa aos recorridos em razão de propaganda eleitoral consistente em bandeira afixada em grade de arame de uma residência (fl. 07).

Não houve recurso da representada.

Pois bem.

Inicialmente, cabe aqui tratar de questão relativa ao efeito devolutivo dos recursos.

A matéria encontra-se disposta no art. 1.013 do novo CPC:

Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado.

§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.(…)

No plano doutrinário, Daniel Ustárroz e Sérgio Gilberto Porto (USTÁRROZ, Daniel; PORTO, Sérgio Gilberto. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. rev. E ampl. Porto Alegre: Livraira do Advogado Editora, 2011, p. 78-80) assim sintetizam a regra geral do efeito devolutivo:

Pode-se sintetizar a regra geral na seguinte frase: o recurso devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada (tantum devolutum quantum appellatum).

A doutrina, de igual modo, pacificou a compreensão de que o efeito devolutivo possui duas dimensões, a horizontal (denominada de extensão) e a vertical (chamada de profundidade).

O plano horizontal, relativo à extensão do efeito devolutivo, é tratado no caput do art. 1.013 do CPC: “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

E quanto a esse ponto, Barbosa Moreira ensina que delimitar a extensão do efeito devolutivo é “precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16 ed. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 429). Ou seja, a extensão do efeito devolutivo é determinada pelo próprio recorrente, é a delimitação do que o tribunal deverá decidir, é o objeto do recurso.

Daniel Ustárroz e Sérgio Porto aprofundam a questão da delimitação do âmbito da matéria recursal ao referir os ensinamentos de Liebman (Manuale di diritto processuale civil, v. II. 4. ed. Milano: Giuffrè, 1984):

Efetivamente, é sobre a matéria criticada nas razões recursais que se devolverá ordinariamente o debate perante a instância revisora. Os capítulos da decisão porventura não enfrentados no recurso permanecem fora da discussão recursal, uma vez que cumpre a parte limitar o âmbito de devolutividade de seu recurso. Desta forma, o efeito devolutivo delimita a atividade do órgão revisor, impedindo-o de que se manifeste sobre pontos não suscitados pelo recorrente, evitando a reformatio in pejus (grifei).

Os doutrinadores ressaltam, ainda, a contribuição da delimitação da matéria recursal para a racionalização e efetividade do processo:

O efeito devolutivo não deixa de colaborar com a efetividade do processo, na medida em que racionaliza o trabalho do juízo revisor, o qual centra suas atenções à matéria que foi adequadamente impugnada pelo recorrente. Em linha de princípio, qualquer manifestação do órgão ad quem quanto a pontos não suscitados deve ser considerada apenas a título de obiter dicta, não vinculando as partes, sob pena da indevida chancela da ultrapetição.

Ainda na esteira da limitação do objeto recursal, a advogada Cristiana Zugno Pinto Ribeiro, em suas anotações ao art. 1.013 do atual CPC (Novo código de processo civil anotado/OAB. Porto Alegre: OAB RS, 2015) observa que “Da mesma forma que o autor fixa na petição inicial os limites do pedido e da causa de pedir, ficando o juiz adstrito a tais limites, na esfera recursal, o recorrente, por meio do pedido de nova decisão, fixa os limites e o âmbito de devolutividade do recurso” (NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 401-402).

Segundo a advogada, o “objeto da devolutividade constitui o mérito do recurso, o qual não se confunde com o mérito da ação, haja vista que é o recorrente que delimita a matéria que será devolvida ao tribunal para novo julgamento, cuja extensão poderá ser menor que a matéria decidida na sentença, diante da possibilidade de interposição de recurso parcial, nos termos do art. 1.002”.

Ao citar o magistério de Araken de Assis, Cristiana Pinto Ribeiro conclui exemplificando que “se requerida pelo recorrente a reforma parcial da sentença, o tribunal não poderá conceder-lhe a reforma total, ainda que lhe pareça ser a melhor solução. Por outro lado, no caso de apelação total, opera-se a devolução integral das etapas anteriores, havendo equivalência (qualitativa) do objeto da apelação com o objeto da cognição do juízo de primeiro grau” (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 438).

Portanto, em respeito à extensão do efeito devolutivo, a análise do recurso pelo órgão ad quem limitar-se-á à matéria objeto da impugnação trazida pelo recorrente, não sendo possível o julgamento pelo tribunal de conteúdo alheio ao objeto do apelo.

Desse modo, cabe ao apelante delimitar a extensão do recurso, devendo a devolução se operar dentro dessa extensão, não podendo o tribunal avançar naquilo que não lhe foi devolvido, sob pena de extrapolar o âmbito do apelo.

Por outro lado, a dimensão da profundidade, plano vertical, relaciona-se aos argumentos que foram enfrentados pelo juízo a quo e que, na instância recursal, poderão ou não ser revistos pelo juízo revisor.

E, a esse respeito, Ustárroz e Porto referem a didática lição de Barbosa Moreira:

a exata configuração do efeito devolutivo é problema que se desdobra em dois: o primeiro concerne à extensão do efeito, o segundo à sua profundidade. Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar. A decisão apelada tem o seu objeto: pode haver julgado o mérito da causa (sentença definitiva), ou matéria preliminar ao exame do mérito (sentença terminativa). É necessário verificar se a decisão do tribunal cobrirá ou não a área igual a coberta pelo juiz a quo. Encara-se aqui o problema, por assim dizer, em perspectiva horizontal. Por outro lado, a decisão apelada tem os seus fundamentos: o órgão de primeiro grau, para decidir, precisou naturalmente enfrentar e resolver questões, isto é, pontos duvidosos de fato e de direito, suscitados pelas partes ou apreciados ex officio. Cumpre averiguar se todas essas questões, ou nem todas, devem ser reexaminadas pelo Tribunal, para proceder, por sua vez, ao julgamento; ou ainda se, porventura, hão de ser examinadas questões que o órgão a quo, embora pudesse ou devesse apreciar, de fato e não apreciou. Focaliza-se aqui o problema em perspectiva vertical (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. V12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 431).

Repito, por esclarecedoras, as palavras de Barbosa Moreira: “Delimitar a extensão do efeito devolutivo é precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem; medir-lhe a profundidade é determinar com que material há de trabalhar o órgão ad quem para julgar” (Grifei).

Faço essas breves considerações, pois a hipótese sob análise exige que se leve em conta a delimitação do objeto do recurso, em especial por se tratar de apelo exclusivo da representante, a qual postula a aplicação de multa como consectário do juízo de procedência da representação efetivado na origem.

Tenho notado que, em outras oportunidades, nas quais este Tribunal julgou recursos idênticos a este – e também interpostos pelos representantes –, entendeu-se por adentrar na análise da regularidade ou não da propaganda, e, concluindo pela sua licitude, acabou-se por afastar, por óbvio, a aplicação da penalidade pecuniária.

Todavia, com a vênia dos colegas que firmaram tal compreensão, penso que, ao assim decidirem, a análise deste Tribunal acaba por extrapolar o objeto delimitado pelo recorrente, transpassando a extensão do efeito devolutivo.

Por essas razões, entendo que este órgão ad quem deve se ater ao pedido formulado pelo recorrente, qual seja, a aplicação de multa decorrente do juízo de procedência em representação por propaganda irregular.

Portanto, tratando-se de recurso exclusivo da defesa, por meio do qual esta requer apenas a aplicação da sanção pecuniária disposta no art. 15, caput, e art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.457/15 c/c art. 37, § 1º, da Lei n. 9504/97, entendo preclusa a matéria atinente à regularidade ou não da propaganda.

Desse modo, mostra-se incontroversa a procedência da ação, sendo a aplicação da pena pecuniária seu consectário legal.

E por esse viés, tendo em vista que a sentença de primeiro grau, no caso concreto, deixou de motivar a não-aplicação da multa, entendo pela anulação do decisum, devendo ser dada baixa dos autos para que aquele juízo aplique a sanção pecuniária, sob pena de supressão de instância.

Ante o exposto, VOTO pela anulação da sentença recorrida, devendo os autos retornarem à origem para que seja aplicada a sanção de multa que o juízo entender aplicável, dentro das balizas legais.

É como voto, Senhora Presidente.