RE - 43672 - Sessão: 24/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO GRAVATAÍ MELHOR PARA SE VIVER contra decisão do Juízo da 173ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a representação ajuizada pelo recorrente contra MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, considerando não caracterizada a conduta vedada descrita no art. 73, VIII, da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais (fls. 47-55) sustenta que o candidato, na condição de prefeito, realizou reajuste ou revisão da remuneração dos servidores municipais após a data limite para tanto, fixada no art. 73, VIII, da Lei n. 9.504/97. Requer a procedência da representação, com cassação do diploma do recorrido.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 65-69v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O órgão ministerial foi intimado da decisão na data de 15.9.2016 (fl. 43) e interpôs o recurso no mesmo dia (fl. 47), dentro, portanto, do tríduo legal estabelecido no art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, aduz a recorrente que o recorrido, prefeito de Gravataí, concedeu reajuste salarial aos servidores municipais mediante a edição de lei em período vedado pela legislação, incidindo assim na conduta vedada prevista no art. 73, VIII, da Lei n. 9.504/97:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

O dispositivo acima transcrito veda a recomposição inflacionária da remuneração dos servidores “que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo” entre 05 de abril (180 dias antes das eleições) e a posse dos eleitos. A contrario sensu, “reajustes meramente inflacionários, para reposição de perda do poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, estes são admitidos” (DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições – Comentários à Lei n. 9.504/97, 2. ed, p. 358).

Na hipótese dos autos, a Lei n. 3.812/16 concedeu reajuste de 4,17% a contar de 1º de agosto de 2016, referente a 50% da inflação acumulada de 1º de maio de 2014 até 30 de abril de 2015, e 4,01% a contar de 1º de dezembro de 2016, referente à outra metade da inflação acumulada nos anos de 2014 e 2015 (fl. 11).

Aludida lei data de 16 de agosto de 2016, logo, é posterior ao marco legal para o reajuste da remuneração, restando apreciar se o percentual concedido ultrapassa a simples recomposição inflacionária.

Neste ponto, entendo que assiste razão ao bem lançado parecer ministerial, que analisou minuciosamente a situação dos autos, nada restando a acrescentar à apreciação realizada pelo douto Procurador Regional Eleitoral.

O município concedeu reajuste total de 8,34% aos servidores, equivalente à inflação acumulada no período de 1º.5.2014 e 30.4.2015, de acordo com o apontado pelo INPC.

A alegação recursal de que deve ser considerado o período de 1º.01.2016 a 16.8.2016 não prospera na presente hipótese, pois a Lei Municipal n. 786/92 estabeleceu o dia 1º de maio como data referencial para as recomposições salariais, e o reajuste concedido é incapaz de causar desequilíbrio no pleito em benefício do candidato à reeleição, fim pretendido pela norma, pois o município permanece em débito com os servidores em relação à reposição inflacionária de 2015-2016 e o reajuste implementado em 1º de agosto deste ano (4,17%) é inferior ao acumulado de janeiro a julho de 2016: 5,76%.

Reproduzo as considerações tecidas pelo órgão ministerial:

Nos presentes autos, a Lei Municipal n. 3.812/2016 foi publicada em 16/08/2016 (fl. 11), já no prazo de vedação à concessão de aumento real da remuneração dos servidores. Destinou-se aos servidores públicos municipais do Poder Executivo, bem como de suas fundações e autarquias (art. 1º – fl. 11), tendo, portanto, abrangência geral das categorias.

Resta, assim, verificar se os índices da revisão remuneratória transpuseram, ou não, a seara da licitude.

Neste aspecto, a sentença recorrida considerou que o reajuste foi de 8,18%, retroativo a 1º/05/2014 a 30/04/2015, não tendo excedido o percentual permitido pela legislação eleitoral, pois, no total, a inflação acumulada de maio/2014 a abril/2015 (12 meses) foi de 8,34%, conforme consulta ao INPC, portanto superior ao percentual de 8,18% concedido pela lei municipal. A sua vez, a defesa e o parecer do Ministério Público Eleitoral em primeiro grau sustentam que o reajuste foi de 8,34%, sendo ilegal, porquanto excedente ao INPC do ano da eleição (de 1º/01/2016 até 16/08/2016, data em que foi publicada a lei questionada), acumulado na ordem de 5,92%.

Necessário, antes de tudo, fixar entendimento sobre qual foi o índice concedido pela lei municipal, se 8,18% ou se 8,34%.

Deveras, a título de revisão remuneratória dos servidores municipais, compreende-se que o índice total foi de 8,34%, e não de 8,18%, como mencionado no decisum sob reexame.

Conforme o artigo 1º, incisos I e II, da lei municipal em tela, a revisão foi concedida em duas parcelas: 1ª parcela, no percentual de 4,17%, a partir de 1º/08/2016; 2ª parcela, no percentual de 4,01%, a contar de 1º/12/2016 (fl. 11). No entanto, cumpre observar que 8,18% é o resultado da soma simples de 4,17% e 4,01%. Tal soma não se mostra adequada pois desconsidera a acumulação da segunda parcela sobre o índice da primeira parcela. Conforme esclarecimentos prestados pelo Perito de Economia deste Órgão, o índice da segunda parcela (4,01%) incide sobre a primeira (4,17%), chegando-se ao resultado de 8,34%. Eis os termos de sua informação, que também vai anexa a este parecer:

A variação acumulada (composta) dos índices concedidos como reajuste de 4,17% e 4,01% é de 8,3472%, como reportado por Ministério Público e defesa/recorrido (fls. 15-21, 33-34, 58-62). O índice de 4,01% incide (compõe) sobre o índice de 4,17%. O índice de 8,18% mencionado na sentença (fls. 38-39) está incorreto, pois é a soma de 4,17% e 4,01%, e não sua composição.

No que tange ao período a ser levado em conta para aferir se a revisão de 8,34% se trata de aumento real ou mera recomposição do poder de compra, impõe-se, agora, chegar a uma interpretação a respeito do que consiste a expressão “que exceda a recomposição do seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição”, abrangida pelo inciso VIII do artigo 73 da LE.

Neste aspecto, verifica-se que o recurso pretende seja considerado um período bem menor do que aquele utilizado na sentença. Enquanto, para fins de verificação da inflação aplicável, a sentença considerou a data-base para reajustamento dos salários dos servidores municipais (1º/05/2014) e os doze meses subsequentes a essa data-base (até 30/04/2015), o recorrente argumenta que deve ser considerado o período inflacionário correspondente ao primeiro dia do ano eleitoral, até a data da lei concessiva do reajuste (dito de outro modo, de 1º/01/2016 a 16/08/2016), em que a inflação teria totalizado 5,92%.

Da análise do caso, razão assiste à sentença.

A interpretação da lei eleitoral não pode olvidar da Constituição Federal, que, pelo seu artigo 37, inciso X, assegura à remuneração do servidor público “revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

No caso dos servidores de Gravataí, a Lei Municipal nº 786/19921, em seu artigo 5º, fixou o dia 1º de maio como data-base para fixação das reposições de inflação e/ou reajustes, conforme foi mencionado pelo representado (fl. 16).

A Lei Municipal nº 3.812/2016, concedendo a reposição salarial pelo período de 12 (doze) meses, a contar de 1º/05/2014, procurou adequar-se à database municipal, inequivocamente.

Desta feita, para compatibilizar o direito constitucional à recomposição geral anual, não se vê óbice em que a revisão remuneratória, mesmo que concedida no período crítico do ano eleitoral, abranja data-base de ano-calendário anterior, desde, é claro, não supere o índice inflacionário vigente no interregno para o qual esteja aplicando a recomposição.

[...]

Perceba-se, apenas a título de argumentação, que, caso estivéssemos discutindo reposição da data-base maio/2015 a abril/2016, a adoção do período pretendido no recurso (de 1º de janeiro do ano eleitoral até a data do reajuste), acarretaria a desconsideração da inflação medida nos meses de maio/2015 a dezembro/2015, o que, aos olhos da Constituição Federal (artigo 37, inciso X) e da Lei Municipal nº 786/1992, não se afigura a melhor interpretação.

In casu, tal com visto do seu texto (fl. 11), a Lei Municipal nº 3.812/2016 reportou-se às perdas compreendidas entre 1º/05/2014 e 30/04/2015, restabelecendo-as pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor – INPC. Sendo assim, apurou-se que a inflação acumulada do período de 1º/05/2014 a 30/04/2015 (12 meses) foi de 8,34%, tal qual a revisão remuneratória concedida. A respeito dos índices de inflação vigentes, bem como do cotejo do valor do reajuste com os índices de inflação, insta transcrever os termos da informação prestada pela perícia de economia da PRR4ª (vale esclarecer que, a pedido desta Procuradoria Regional Eleitoral, foram avaliados somente os valores do INPC, já que foi este o índice aplicado pela lei municipal).

[…]

Assim, a revisão salarial em apreço, sendo equivalente ao nível acumulado de inflação do período, não se tratou de aumento real, mas sim de atualização das perdas do valor da moeda, o que não constitui violação ao dispositivo da lei eleitoral.

É certo que, em situação de normalidade, os índices inflacionários vigentes de 1º/05/2014 a 30/04/2015 deveriam ter sido recompostos por lei de 2015; sucessivamente, a revisão da data-base de 1º/05/2015 a 30/04/2016 deveria ocorrer em 2016. No entanto, apesar de os índices de maio/2014 a abril/2015 terem sido objeto de recomposição somente em 2016, não se vislumbra que o fato tenha sido promovido com abuso de poder político, como tentativa de aproveitar possíveis efeitos benéficos nas eleições municipais deste ano. Isso porque, como foi visto, não houve aumento real; em segundo lugar, porque a Municipalidade permanece em débito com os servidores em relação à reposição da inflação da data-base a contar de 1º/05/2015 (de 9,8%); em terceiro, porque o proveito da primeira parcela (4,17%), aplicada a partir de 1º/08/2016, é ainda menor do que a corrosão deste ano, parcialmente calculada, que somou 5,7%, de 1º/01/2016 a 30/07/2016; em quarto, porque a atual Administração, ao longo do mandato, procurou promover a revisão geral anual constitucional dos valores remuneratórios dos servidores públicos de Gravataí, concedendo, pela Lei nº 3.347, de 28/06/2013, a reposição das perdas do período de 1º/05/2012 a 30/04/2013, e, no ano seguinte, por meio da Lei 3.518, de 13/08/2014, a reposição das perdas do período de 1º/05/2013 a 30/04/2014.

Dessa forma, como o reajuste limitou-se à recomposição inflacionária de maio de 2014 a abril de 2015, conforme legislação municipal, sem causar qualquer desequilíbrio à igualdade entre os candidatos, deve ser mantido o juízo de improcedência da representação.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por negar provimento ao recurso.