RE - 36772 - Sessão: 19/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

O Juízo da 46ª Zona - Santo Antônio da Patrulha - prolatou sentença (fls. 544-550v.) nos autos de Representação Eleitoral (MPE) por violação ao art. 30-A da Lei n. 9.504/97, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em 26.12.2012, em face de PAULO FERNANDO COLLAR TELLES (eleito e diplomado no cargo de vereador sob o nome/apelido “GONHA”, pela COLIGAÇÃO PTB/PT), por arrecadação e gastos de campanha não declarados, relativamente ao pleito de 2012 daquele município, sob o seguinte dispositivo (fl. 550v.):

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a representação eleitoral do Ministério Público para absolver Paulo Fernando Collar Telles das sanções previstas no artigo 30-A, da lei das eleições e para condenar com base no artigo 18, parágrafo segundo da lei das eleições, aplicando-lhe a multa de R$ 19.500,00 (dezenove mil e quinhentos reais) pelas irregularidades na prestação de contas.

[…]

Irresignado, o MPE interpôs recurso. Aduziu que foram praticados fatos graves, à margem do sistema de controle eleitoral, sendo irrelevante a potencialidade de alteração no resultado da eleição.

Requereu a reforma da decisão, para ser julgado procedente o pedido e cassado o diploma do representado, fulcro no § 2º do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, aplicando-lhe a multa prevista no art. 18, § 2º, daquela mesma lei (fls. 554-557v.).

Igualmente inconformado, Paulo Fernando Collar Telles interpôs recurso. Aduziu a ausência de subsunção dos fatos à norma, inexistindo captação ou gastos ilícitos de recursos, abuso de poder e interferência no resultado da eleição.

Postulou, preliminarmente, o acolhimento da arguição de prejudicialidade do julgamento do processo PC n. 309-69.2012.6.21.0046, concernente à sua prestação de contas do pleito de 2012, ao efeito de ser ordenada a suspensão do presente feito até julgamento em definitivo daquele. Pugnou, no mérito, pela reforma da decisão, para ser julgado totalmente improcedente o pedido; sucessivamente, caso prevaleça juízo sancionatório, pediu a aplicação da norma superveniente mais branda, com esteio no art. 18-B da Lei n. 9.504/97, ao efeito de ser reduzida a multa imposta para o valor de R$ 3.900,00 (fls. 560-7).

Com contrarrazões (fls. 569-71 e 574-9), nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opinou pelo não acolhimento das preliminares e pelo provimento do recurso ministerial (fls. 588-593v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Os recursos são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que deles conheço.

 

Preliminar do recorrente Paulo Fernando Collar Telles

O recorrente Paulo Fernando Collar Telles aduziu, em preliminar, o acolhimento da arguição de prejudicialidade do julgamento do processo PC n. 309-69.2012.6.21.0046, concernente à sua prestação de contas do pleito de 2012, ao efeito de ser ordenada a suspensão dos presente autos até julgamento em definitivo daquele.

No entanto, não prospera.

Ocorre que os feitos são autônomos, com natureza, finalidade e consequências distintas, não se atrelando, necessariamente, o desfecho de um ao destino do outro. Nesse sentido, não há justificativa para a paralisação do presente processo, a qual resultaria apenas em mora na tramitação, sem angariar qualquer proveito jurídico que seja necessário à solução do caso concreto.

No mesmo sentido é o parecer do Procurador Regional Eleitoral (fls. 589v.), o qual bem pontuou que “a alegação de que há necessidade de esperar o trânsito em julgado na prestação de contas apresentada pelo candidato na última eleição não prospera, porque o processo supracitado e o presente possuem características diversas e são autônomos, o primeiro visa a aprovação ou desaprovação de contas o que não impede a expedição de certidão de quitação eleitoral, não impedindo, assim, eventual pedido de candidatura posterior”; este visa a declaração de eventual abuso do poder econômico, o que leva a inelegibilidade do candidato para eleições posteriores e cassação do mandato, portanto, possui eficácia e efeitos diversos, razão pela qual um é independente do outro. O pedido de prestação de contas também possui conotação administrativa, e este processo possui conotação processual civil com sanções na esfera eleitoral, portanto, totalmente autônomos.

Ademais, o processo classe PC em questão, autuado sob o n. 309-69, já foi julgado por este Tribunal, no dia 18 de agosto de 2016, resultando desaprovadas as contas em acórdão assim ementado:

Recurso. Prestação de contas de candidato. Lei n. 9.504/97. Resolução TSE n. 23.376/12. Eleições 2012.

Matéria preliminar afastada. Observância do devido processo legal e da ampla defesa, uma vez que o candidato teve acesso a todos os documentos e atos processuais que lhe foram desfavoráveis e que teriam sido utilizados na fundamentação da sentença. Não configura cerceamento de defesa a ausência de intimação para se manifestar sobre o parecer conclusivo quando nele não se apontam outras falhas senão aquelas em relação as quais o candidato já havia se manifestado.

No mérito, foram detectadas diversas irregularidades com relação à prestação de contas apresentada. As hipóteses dos autos não se enquadram no art. 23 da Resolução TSE n. 23.376/12. Os bens ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas e jurídicas devem constituir produto de seu próprio serviço ou de sua atividade econômica. Os termos de doação voluntária de serviços prestados não se enquadram no art. 31 da Resolução TSE n. 23.376/12, uma vez que não foi emitido nenhum recibo fiscal conforme exigido pela legislação eleitoral.

A movimentação de recursos financeiros sem o trânsito pela conta específica compromete a transparência e a regularidade das contas de campanha. Infringência dos arts. 17, 23, parágrafo único, e 30, inc. II e § 1º, da Resolução TSE n. 23.376/12.

Manutenção da desaprovação das contas.

Provimento negado.

Logo, afasto a preliminar.

Mérito

Cuida-se de apurar se restou configurada a prática de arrecadação e gastos de campanha não declarados, em ferimento ao art. 30-A da Lei das Eleições, por parte do representado PAULO FENANDO COLLAR TELLES, conhecido como Gonha, atraindo as sanções pertinentes e, ainda, se cabe a aplicação de multa com espeque no 18, § 2º da Lei n. 9.504/97.

Para esse fim, inicialmente lanço algumas premissas.

O objetivo da representação por captação e gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, é, justamente, apurar o cometimento de condutas que atentem contra o regramento da Lei das Eleições sobre a arrecadação e gastos de recursos – em resguardo da higidez das suas normas, à luz dos princípios da moralidade e da igualdade entre os concorrentes.

Configurado o ilícito, aplica-se a exclusiva sanção de negativa ou cassação do diploma do candidato beneficiado:

Lei n. 9.504/97

Art. 30-A

Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

[…]

Sucede que, para decreto de cassação, o TSE entende “necessária a prova da proporcionalidade (relevância jurídica) do ilícito praticado e não da potencialidade do dano em relação ao pleito eleitoral”, e que, “nestes termos, a sanção de negativa de outorga do diploma ou de sua cassação (§ 2º do art. 30-A) deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido” (Recurso Ordinário n. 1.540 – Relator Min. Félix Fischer – j. 28.4.2009).

Já no que diz com a multa aplicada por desobediência ao limite traçado no art. 18, § 2º, da Lei n. 9.504/97, importa referir que no momento da alegada prática, o texto de lei em vigência era o que segue:

Art. 18. No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão aos respectivos Tribunais Eleitorais os valores máximos de gastos que farão por cargo eletivo em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos, nos termos do art. 17-A desta Lei.

(...)

§ 2º Gastar recursos além dos valores declarados nos termos deste artigo sujeita o responsável ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

No entanto, a Lei n. 13.165, de 2015, em seu art. 2º, alterou o teor do caput do art. 18 e revogou os dois parágrafos até então existentes, bem como acrescentou os artigos 18-A e 18-B, da seguinte forma:

Art. 2º. A Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(…)

Art. 18. Os limites de gastos de campanha, em cada eleição, são os definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral com base nos parâmetros definidos em lei.

§ 1o (Revogado).

§ 2o (Revogado).

Art. 18-A. Serão contabilizadas nos limites de gastos de cada campanha as despesas efetuadas pelos candidatos e as efetuadas pelos partidos que puderem ser individualizadas.

Art. 18-B. O descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico.

Assim, a partir da alteração produzida pela Lei de 2015, no que tange à aplicação de multa anteriormente prevista no art. 18, § 2º, da Lei das Eleições, a fixação deixa de ser de cinco a dez vezes o montante que ultrapassar aos limites de gastos e passa a ser de cem por cento, igualmente sobre a quantia excedente, com base no art. 18-B.

Prossigo.

No caso concreto, entendeu o magistrado de piso por absolver PAULO FERNANDO COLLAR TELLES da acusação promovida pelo Parquet eleitoral. No entanto, considerando presentes irregularidades na prestação de contas, condenou o representado ao pagamento de multa fixada em R$ 19.500,00 (dezenove mil e quinhentos reais), forte no art. 18, § 2º da Lei n. 9.504/97.

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso.

O Ministério Público Eleitoral traz em suas razões recursais o argumento de que a magistrada de origem teria reconhecido a ocorrência dos fatos descritos na representação. Contudo, teria optado por não aplicar as sanções estipuladas, haja vista entender pela existência de desproporcionalidade entre a conduta praticada e as consequências prescritas, que tornariam o candidato inelegível por 8 (oito) anos. Teria, ainda, embasado a decisão na falta de comprovação de que os valores não declarados foram determinantes para alterar o resultado das eleições proporcionais de 2012 (fl. 555v). Nesse sentido, a decisão teria afrontado disposição legal, na medida em que reconheceu a ocorrência da prática imputada ao representado, sem a imputação da sanção pertinente, fazendo ponderação à potencialidade lesiva da conduta para interferir no equilíbrio ou resultado do pleito, quando o que a lei permite é que se apure a gravidade dos fatos para fins de aplicação da pena (fls. 554-57v).

De outra banda, o representado recorre aduzindo, em síntese, que não está configurada a infração que originou a multa que lhe foi imputada na sentença.

No que diz com o recurso aviado pelo Ministério Público Eleitoral, o cerne da questão cinge-se à configuração da prática descrita no art. 30-A da Lei das Eleições e a aplicação da sanção correlata. Em resumo, funda seu apelo na alegação de que os fatos são graves e que, para a conduta em apreço, é irrelevante a potencialidade de alteração no resultado da eleição.

Efetivamente, razão assiste ao Parquet eleitoral no que atine à irrelevância da valoração da conduta sob o escopo da potencialidade de interferir no resultado do pleito.

Não obstante isso, tenho que o seu recurso não merece provimento.

Ainda que não se deva cogitar de prova da potencialidade do dano em face do resultado das eleições, importa perquirir sobre a relevância jurídica dos ilícitos praticados pelo candidato em face do pleito eleitoral.

Da análise da gravidade dos fatos, situação, portanto, distinta do exame da potencialidade acima citada, tenho que não resulta evidenciada a necessária relevância jurídica do ilícito, para o fim de ensejar a sanção reclamada pelo Parquet eleitoral.

Ouvi o CD relativo à audiência de instrução, assim como apreciei as demais provas carreadas aos autos. Do conjunto probatório, concluo, na mesma linha da sentença, que o representado deixou de declarar, em sua prestação de contas, valores que perfazem o total de R$ 3.900.00 (três mil e novecentos reais).

Nesse sentido, transcrevo trecho da decisão de piso que descreve a origem de tal montante (fls. 547-548v):

As testemunhas Zely, Rogério e Edson, ouvidas em juízo (CD – fls. 465 em diante), em razão de serem beneficiários dos cheques juntados nos autos, relatam que não trabalharam para o representando e que não recordam do recebimento dos valores e da origem dos valores.

Em instrução (CD de fls. 271 em diante), a testemunha Flávio declara que confeccionou placas no valor de cerca de R$600,00, para o representado, e negou tenha feito doações de campanha ao representado.

A testemunha José Luis (fls 271, em diante), também menciona que transitava com seu carro, sem ser “cabo eleitoral” do representando, e que apenas tinha adesivo em seu carro.

A testemunha Moacir (fls. 271 em diante), declara que também ajudou de graça na campanha do representado, e que não recebeu valores para combustíveis, sendo que pedia votos para familiares. Relata, que o candidato tinha cavaletes de campanha na cidade.

A testemunha Marcelo, menciona em juízo, que com contrato verbal colocou carro de som para campanha do representado na cidade, pelo valor de R$2.000,00, contratados por terceiro.

A testemunha Marcio, também declara que fez campanha eleitoral para o representando de forma graciosa, pedindo votos para familiares, quando era possível, sem configurar cabo eleitoral.

A testemunha Luis (fl. 272), declara em juízo que colocou placas no interior do Município e que recebeu em contrato verbal, pela colocação de placas, sendo que o combustível era por sua conta, o valor de R$1.000,00.

Da mesma forma, a testemunha Rosangela, quando diz em juízo que fez campanha para o candidato de forma graciosa, e sem usar transporte que necessitasse de combustíveis.

No mesmo sentido, a testemunha Jair, declara em juízo que ajudou o representado na campanha eleitoral, no entanto, de forma espontânea, sem contratação verbal ou escrita.

No mesmo sentido, a testemunha João, disse que fez campanha eleitoral para o representado, de forma espontânea, em razão de favores devidos em razão de serviços jurídicos anteriormente prestados pelo representando, que atua como advogado nesta Comarca de Santo Antônio da Patrulha.

A testemunha Cesar, menciona que ajudou na campanha do candidato de forma espontânea, e que o carro de som, pago para Marcelo foi arcado pelo depoente, no valor de cerca de R$1.000,00.

A testemunha Reginaldo, presidente do PTB local, disse que o representado tinha vários familiares e amigos ajudando na campanha, mas que não sabe da existência de contratos escritos ou verbais para recebimento de valores em razão da prestação de contas da campanha.

A testemunha Marco, disse que fez doação para a colocação de placas em nome do representado, que foram colocados pelo Senhor Luis Alvarez, conforme acima declarado pela testemunha Luis Alvares, sem o conhecimento prévio do candidato, embora a responsabilidade seja a mesma do candidato, na medida em que cabe a fiscalização pelos atos de campanha ao candidato quando, o mesmo é beneficiado pela colocação das placas e demais objetos que representem a campanha eleitoral, até porque a eventual consequência é a votação no candidato.

Em juízo, a testemunha Alcione, declara que fez doações ao representando, em sua campanha eleitoral, em valores de cerca de R$300,00.

No mesmo sentido, o depoimento da testemunha Pedro, quando diz que trabalhou na campanha do representado de forma espontânea sem que tenha havido pagamento de valores por pedidos de votos, como eventual cabo eleitoral.

Da mesma forma, a testemunha Adilson, menciona em juízo que trabalhou para o representado sem recebimento de valores, dando a entender que era de forma voluntária.

Assim, pelas testemunhas o representado não declarou em contrato escrito o valor de R$1.600,00, e recebeu em doações os valores de cerca de R$2.300,00, na medida em que a testemunha Marcelo declarou que colocou o carro de som pelo valor de R$2.000,00 sendo que a testemunha Cesar pagou R$1.000,00 para Marcelo pela colocação do carro de som, sem conhecimento do candidato, e a testemunha Alcione, ajudou o candidato no valor de cerca de R$300,00, para mantimentos em seu comitê de campanha.

Ainda, na prestação de contas o candidato estimou doações em cerca de R$4.000,00 (quatro mil reais), quando intimado para esclarecer irregularidades no processo administrativo de prestação de contas (fl. 61). Ainda, juntou declaração de que a sala usada para comitê de campanha era doação, estimando em R$ 1.200,00 mensais. Assim, o candidato deixou de declarar e estimar doações de aproximadamente de R$2.300,00, excluindo a estimativa do comitê porque após intimado para sanar as irregularidades apresentou declaração de que o comitê era doação para uso por prazo indeterminado, estimando em cerca de 1.200,00 assim, no contexto probatório o representando deixou de declarar doações em prestação de contas os valores de R$2.300,00, e valores contratados, segundo os depoimentos das testemunhas em cerca de R$1.600,00, porque as testemunhas ouvidas em sua maioria declararam que prestavam os serviços, inclusive pedindo votos ao representado de forma voluntária.

 

Portanto, somando-se as doações de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) aos valores contratados no valor de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), temos que o total de valores não declarados na prestação de contas atinge R$ 3.900,00 (três mil e novecentos reais).

Entendo que, em termos de campanha eleitoral, de modo que justifique cassação de um candidato por arrecadação de valores ilícitos, tal montante é ínfimo. Ademais as circunstâncias do caso não conduzem ao juízo seguro de que essa soma tenha ferido o bem juridicamente tutelado, qual seja, a moralidade do pleito, mediante a quebra de isonomia entre os candidatos, em benefício de PAULO FERNANDO COLLAR TELLES, de forma suficiente a qualificar de proporcional a aplicação da sanção de cassação do mandato do representado.

Mesmo que assim não fosse, destaco, ainda, que se trata de disputa eleitoral havida no ano de 2012, a qual, portanto, pertine à legislatura que está a menos de quinze dias de findar. Assim, na prática, qualquer decisão aqui posta, porquanto passível de recurso, não chegará a alcançar o mandato do representado, nos termos perseguidos pelo Ministério Público Eleitoral.

De toda a sorte, repiso que não vislumbro a proporcionalidade da gravidade da conduta em relação à eventual lesão perpetrada ao bem jurídico tutelado que possa conduzir à aplicação da sanção prevista para o descumprimento do art. 30-A, razão pela qual, neste ponto, tenho que não merece reforma a decisão de piso.

Nessa linha, é a jurisprudência:

Eleições 2010. Deputado federal. Recurso ordinário. Cassação. Art. 30-A da Lei nº 9.504/97. Empresa criada no ano da eleição. Doação. Ilícito eleitoral. Inexistência de previsão legal. Gravidade. Conduta. Aferição. Agravo regimental desprovido.

[...]

2. As falhas que levam à desaprovação das contas não necessariamente conduzem à cassação do mandato eletivo, com fundamento no art. 30-A da Lei nº 9.504/97, quando a aplicação desta sanção revela-se desproporcional à gravidade da conduta.

(...)

(Ac de 22.4.2014 no AgR-RO nº 144, rel. Min. Luciana Lóssio e no mesmo sentido o Ac de 21.3.2012 no RO nº 444696, Rel. Min. Marcelo Ribeiro.)

 

[...]. Deputado distrital. Cassação. Irregularidade. Gastos de campanha. Desaprovação das contas. Necessidade. Aferição. Gravidade. Conduta. [...].

1. Consoante a jurisprudência deste Tribunal, para a incidência do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, é necessária a aferição da relevância jurídica do ilícito, uma vez que a cassação do mandato ou do diploma deve ser proporcional à gravidade da conduta e à lesão ao bem jurídico protegido pela norma.

2. Na espécie, o candidato realizou gastos com combustíveis sem, no entanto, informar os valores relativos à utilização de veículos e sem emitir os recibos eleitorais relativos a tais doações estimáveis em dinheiro.

3. A referida irregularidade, a despeito de configurar vício insanável para fins da análise da prestação de contas, não consubstancia falha suficientemente grave para ensejar a cassação do diploma, considerado o valor total dos recursos gastos na campanha. [...]

(Ac. de 1º.12.2011 no RO nº 444344, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)

 

RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PROPAGANDA IRREGULAR, POR MEIO DE SHOWMÍCIO. GASTO DE CAMPANHA NÃO CONTABILIZADO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. IRREGULARIDADE NÃO POSSUI GRAVIDADE SUFICIENTE A ENSEJAR APLICAÇÃO DO §2º DO ART.30-A DA LEI 9.504/97 E DO ART. 22, XIV DA LC 64/90.DESPROVIMENTO DO RECURSO.

I - Apesar da constatação da prática do showmício, a conduta do artista Sérgio Malandro, não tem, por si só, relevância jurídica apta a ensejar a sanção de cassação de diploma, nos moldes do §2º do art. 30-A da Lei 9.504/97, uma vez que não repercutiu no contexto contábil da campanha eleitoral, ocasionando efetiva lesão à higidez ou regularidade do pleito.

(...)

III - Desprovimento do recurso.

(TRE-RJ, RE 67825, Relat. Fábio Uchoa Pinto de Miranda Montenegro, pub. DJE em 07/07/2014.)

Assim, é de ser rejeitado o recurso aviado pelo Ministério Público Eleitoral.

Passo à análise do recurso de PAULO FERNANDO COLLAR TELLES.

Primeiramente, tendo em vista o exame acima, resta para apreço apenas a questão que tange à aplicação de multa forte no art. 18, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

Quanto ao ponto, assim sentenciou o Juízo da 46ª ZE (fl.550v):

Assim, pela irregularidade administrativa de gastar recursos além dos valores declarados na prestação de contas da campanha, em conformidade com o artigo 18, parágrafo segundo, da Lei das eleições, número 9.504 de 1997, com sua redação antiga, aplico-lhe a pena de multa de cinco vezes R$3.900 (três mil e novecentos reais), porque reputo que o representado deixou de declarar os valores de R$3.900,00, totalizando multa administrativa de R$19.500 (dezenove mil e quinhentos reais), a ser depositado em conta judicial da Justiça Eleitoral.

Adianto que entendo descabida a aplicação da multa em tela, seja na sua anterior redação, contida no art. 18, § 2º, da Lei das Eleições, seja na atual redação, traçada no art. 18-B, introduzido pela Lei n. 13.165/2015.

Ocorre que a via para a aplicação da multa em questão é a do Processo de Prestação de Contas, o qual, por sua natureza autônoma e finalidade distinta, ocorre apartado do presente feito.

Para fins de Investigação Judicial Eleitoral por captação ou gasto ilícito de recursos financeiros, ação objeto do presente recurso, a sanção prevista esgota-se no art. 30-A, § 2º, igualmente da Lei das Eleições, qual seja, com a negativa de diplomação do candidato ou sua cassação, quando já outorgado.

Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) COM BASE NO ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/90 E ART. 30-A DA LEI N° 9.504/97. IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO E GASTOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA. JUIZ AUXILIAR. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONEXÃO. CORREGEDOR. PROPOSITURA. CANDIDATO NÃO ELEITO. POSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. SANÇÃO APLICÁVEL. NEGATIVA DE OUTORGA DO DIPLOMA OU SUA CASSAÇÃO. ART. 30-A, § 2o . PROPORCIONALIDADE. PROVIMENTO.

(...)

6. Na hipótese de irregularidades relativas à arrecadação e gastos de recursos de campanha, aplica-se a sanção de negativa de outorga do diploma ou sua cassação, quando já houver sido outorgado, nos termos do § 2o do art. 30-A. (grifei).

(TSE RO-PA 1540, Relat. Min, Felix Fischer, pub. DJE de 01.06.2009)

Portanto, a aplicação de multa própria do processo de prestação de contas, em ação de investigação judicial para apuração de infringência ao art. 30-A, além de refugir à melhor técnica judicante, pode incorrer, em tese, no vedado bis in idem, ao abrir margem para a duplicação da cominação de multa prevista para o valor excedente do limite de gastos - seja no antigo § 2º do art.18, seja no atual art. 18-B, da Lei das Eleições - em virtude da mesma prática.

Assim sendo, tenho que a multa aplicada ao recorrente deve ser afastada.

Portanto, a reforma da sentença no que tange, tão só, à aplicação da multa com suporte no art. 18, § 2º, da Lei das Eleições é medida que se impõe.

 

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL e pelo provimento do recurso interposto por PAULO FERNANDO COLLAR TELLES, para o fim de afastar a multa aplicada.