RC - 4837 - Sessão: 22/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral denunciou José Homero da Rosa Rodrigues, DELMAR SCHANNE e VLADEMIR BRIXNER pela prática do crime previsto no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, na forma dos arts. 29, caput e 71, caput, ambos do Código Penal, porque, entre os dias 28 de setembro e 7 de outubro de 2012, em horários e locais diversos, principalmente em via pública, no Município de Arroio do Tigre (RS), por diversas vezes promoveram a arregimentação de eleitores ou a propaganda de boca de urna.

A denúncia assim descreveu os fatos delituosos:

Nas oportunidades, os denunciados, em comunhão de esforços e acordo de vontades, promoveram a arregimentação de eleitor e, no dia da eleição (07.10.2012) promoveram boca de urna, agindo da seguinte forma: o denunciado DELMAR SCHANNE, previamente mancomunado com os demais denunciados, locou o veículo Novo Uno, Vivace, 1.0, Flex, placas HHU7348, pertencente à empresa Localiza Locadora de veículos, na cidade de Santa Cruz do Sul (sede da empresa em questão). Após, repassou o citado veículo ao denunciado VLADEMIR BRIXNER (coordenador da campanha da Coligação Unidos Podemos Mais) para que fosse utilizado para a prática de boca de urna e transporte de eleitor.

Por seu turno, José Homero da Rosa Rodrigues, previamente acordado com os demais denunciados, no dia da eleição, na condição de motorista do veículo citado, realizou o transporte de eleitores, por inúmeras oportunidades, conduzindo-os até as seções eleitorais de votação e, novamente, trafegava para buscar outros eleitores. Ainda, durante o transporte, entregava aos eleitores material publicitário do denunciado DELMAR SCHANNE, bem como da Coligação Unidos Podemos Mais, pedindo aos eleitores que votassem em ambos. Ato contínuo, o denunciado José Homero da Rosa Rodrigues foi flagrado praticando a conduta criminosa acima descrita, sendo detido pela autoridade policial. O veículo foi apreendido, bem como, no seu interior, panfletos de propaganda eleitoral do denunciado DELMAR SCHANNE e da Coligação Unidos Podemos Mais.

Recebida a denúncia em 25.9.2014 (fl. 164), o réu José Homero da Rosa Rodrigues aceitou proposta de suspensão condicional do processo.

Os demais, tendo recusado a oferta, foram citados e apresentaram resposta à acusação por meio de defensor constituído.

Ouvidas testemunhas e interrogados os réus.

Sobreveio sentença de improcedência da ação penal, por meio da qual os réus foram absolvidos, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal (fls. 294-295v.).

Inconformado, o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso criminal, aduzindo haver provas suficientes para a condenação dos recorridos.

Com contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo provimento do recurso (fls. 313-324).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

A denúncia imputou aos recorridos a prática do delito previsto no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

[...]

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[...]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006).  (Grifei.)

O tipo penal em questão proíbe duas condutas: arregimentação de eleitor ou boca de urna.

Para ser configurada a arregimentação é necessária prova de aliciamento ou coação, tendentes a influir na vontade do eleitor. Deve haver uma abordagem direcionada ao eleitor, sugerindo-lhe uma determinada opção eleitoral ou partidária.

Quanto à boca de urna descrita no inc. II, § 5º, do art. 39 da Lei n. 9.504/97, de acordo com o TSE, caracteriza-se pela distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos (Ac. nº 45, de 13.5.2003, Rel. Min. Carlos Velloso).

Como se verifica dos termos estritos do tipo, há a necessidade de que haja a divulgação, ou seja, uma conduta que faça chegar ao conhecimento de terceiro a propaganda de partidos políticos ou candidatos.

Na doutrina de Rodrigo López Zilio (Crimes Eleitorais, ed. JusPodivmVUz, p. 233), "o crime de divulgação de propaganda eleitoral no dia do pleito exige a comprovação de efetiva distribuição do material de publicidade ou abordagem ao eleitor (TRE-RS – Recurso Criminal n. 45 – Rel. Jorge Zugno – j. 15.12.2009; TRE-SC – Recurso Criminal n. 524 – Acórdão n. 20.554 – Rel. Volnei Tomazini)".

Confiram-se os precedentes que consignam a definição do tipo:

Consulta. Boca de urna e captação de sufrágio. Distinção. 1. A boca de urna é caracterizada pela coação, que inibe a livre escolha do eleitor (Lei nº 9.504/97, art. 39, § 5º). 2. A captação de sufrágio constitui oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto (Lei nº 9.504/97, art. 41-A, acrescido pela Lei nº 9.840/99). Consulta respondida negativamente.

(Res. nº 20.531, de 14.12.99, rel. Min. Maurício Corrêa.)

 

Habeas corpus. Trancamento da ação penal. Crime. Art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97. Distribuição de propaganda política no dia da eleição. Boca de urna. Inexistência. Atipicidade. 1. A entrega de material de campanha a cabos eleitorais, no interior de residência, não se enquadra no crime capitulado no art. 39, § 5º, II, da Lei nº 9.504/97, delito que pune a distribuição de propaganda a eleitor, no dia da votação, com o intuito de influir na formação de sua vontade. 2. Na Res.-TSE nº 21.235, este Tribunal Superior esclareceu que a proibição constante do art. 6º da Res.-TSE nº 21.224 não se aplica à entrega ou à distribuição, a quem o solicite, de material de propaganda eleitoral no interior das sedes dos partidos políticos e dos comitês eleitorais. Concessão da ordem.

(Ac. nº 474, de 20.11.2003, rel. Min. Fernando Neves).

De outra banda, o mero porte de material de propaganda no dia da eleição, sem que se verifique divulgação, não caracteriza o delito em questão, não é conduta típica.

Nesses termos a jurisprudência:

RECURSO CRIMINAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. SUPOSTO COMETIMENTO DE CRIME DE BOCA DE URNA. ART. 39, § 5º, III DA LEI 9.504/97. ACUSADO FLAGRADO PORTANDO MATERIAL DE CAMPANHA NO DIA DA ELEIÇÃO, PRÓXIMO A LOCAL DE VOTAÇÃO. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO INDICA A EFETIVA DISTRIBUIÇÃO DOS "SANTINHOS". TIPO PENAL QUE EXIGE A DIVULGAÇÃO DA PROPAGANDA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

(TRE-RJ, RECURSO CRIMINAL nº 686, Acórdão de 24.01.2013, Relator LEONARDO PIETRO ANTONELLI, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 020, Data 29.01.2013, Página 04-14).

 

Recurso criminal. Propaganda de boca de urna (art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97). Apreensão de bandeiras e panfletos em poder do réu.

Para caracterização do delito exige-se prova segura da efetiva abordagem de eleitor ou distribuição da publicidade política. A mera posse do material impugnado não caracteriza a conduta típica proposta pela denúncia. Necessidade de prova quanto à distribuição efetiva da propaganda eleitoral.

Provimento negado.

(TRE-RS – Proc. RC n. 25 – Rel. Dr. Jorge Alberto Zugno – J. Sessão de 30.3.2010).

Essa a síntese da temática. Ou seja, para que se possa cogitar da incidência do tipo penal previsto no art. 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97, deverá ser demonstrada a abordagem do eleitor (arregimentação) ou a efetiva divulgação de propaganda ao eleitor no dia do pleito.

Conforme muito bem analisado pela douta magistrada a quo, nenhuma dessas ações foi provada.

No ponto, com o propósito de evitar desnecessária tautologia, transcrevo trechos da sentença absolutória:

Analisando o fato descrito na denúncia e as provas carreadas aos autos, especialmente o próprio Boletim de Ocorrência, que deu início à investigação, percebe-se que, embora houvesse fortes indícios de autoria e da materialidade, esta consubstanciada pelas apreensões realizadas relativamente ao material de campanha, tais elementos não são suficientes para sustentar um decreto condenatório dos réus, tão somente se prestando a embasar o oferecimento e recebimento da denúncia.

Do que se depreende dos autos, no entanto, é que o Ministério Público, embora os elevados esforços em comprovar a ligação subjetiva e objetiva entre os três réus relativamente à campanha eleitoral, sendo que um deles era o coordenador de uma coligação, e os outros dois, um candidato a vereador, e o que dirigia o veículo, apoiador da campanha da referida coligação, fato este que chama a atenção deste juízo, no que concerne à acusação de transporte de eleitores, gravitando dúvida a respeito de quem teria o proveito pelo suposto transporte ilegal, já que não se encontrou pessoas sendo transportadas para este fim que pudessem depor a respeito para esclarecer, até porque o material apreendido se referia a diversos candidatos da coligação coordenada por Vladimir.

Neste contexto, o que se apurou foi que o réu JOSÉ HOMERO DA ROSA RODRIGUES, o qual aceitou proposta de suspensão condicional do processo, foi ouvido na fase inquisitorial e teria confessado ter efetuado o transporte de eleitores em favor do corréu DELMAR SHANE, a pedido do corréu VLADIMIR BRIXNER, mas em nenhum momento se colocou como autor da ação, mas afastando-se de qualquer responsabilidade, acusou os demais.

Estão em julgamento, porém, apenas DELMAR SHANE E VLADIMIR BRIXNER, os quais não estavam no local do fato e que negaram suas participações e não aceitaram a suspensão condicional do processo. Portanto, em que pese o depoimento de JOSE HOMERO, verdade é que somente este foi surpreendido dirigindo o veículo, com material de campanha em seu interior, que, salvo melhor juízo, não constitui crime por si só.

Também não houve situação de flagrância, o que se espera nestes casos, para que se configure efetivamente a conduta ilegal, porquanto a polarização política dificulta muito a análise probatória posterior. Entretanto, não ocorreu, sendo que o motorista do veículo se encontrava sozinho no seu interior quando foi abordado, decorrente de uma denúncia anterior.

Neste diapasão, embora várias vetoriais nos levem a crer que os réus, juntos, praticavam a conduta tipificada no art.39, §5º, inciso II, da Lei n. 9.504/97, não se pode condenar por dedução, porquanto as provas carreadas não levam a certeza que se requer no processo penal brasileiro.

O fato de o veículo ter sido locado pelos réus Delmar Schanne e Vlademir Brixner, como bem comprovou o Ministério Público, não pode fazer com que sejam condenados por arregimentação de eleitores. Tampouco o fato de haver material de campanha no interior do veículo, pode-se deduzir que estivessem realizando "boca de urna", o que, até pode muito bem ter ocorrido, e não que se queira descartar por completo essa tese ministerial, que, diga-se de passagem, ampara-se em fartos indícios. Porém, estes fortes indícios não são suficientes para ensejar a condenação, que requer a certeza quanto à autoria do delito e ocorrência do fato criminoso.

Diante da análise detida dos autos, e pelas razões aventadas, tenho que a absolvição dos réus se impõe, por insuficiência probatória relativamente aos fatos descritos na denúncia. (Grifei.)

Ressalto que o crime de transporte de eleitores não está em análise nos autos, daí ser irrelevante a afirmação de JOSÉ HOMERO DA ROSA RODRIGUES, o qual aceitou proposta de suspensão condicional do processo, no sentido de que teria efetuado o transporte de eleitores em favor do corréu DELMAR SCHANNE, a pedido do corréu VLADEMIR BRIXNER.

De outra banda, do que restou apurado, no momento em que ocorreu a abordagem policial, o motorista José Homero estava sozinho no veículo, apenas sendo encontrado material de campanha em seu poder, conduta permitida e lícita.

Vale dizer, não há sequer menção de qual ou quais eleitores teriam sido arregimentados e transportados ou para quais teria sido entregue propaganda eleitoral no dia da eleição.

Dessarte, o juízo absolutório é de ser mantido.

Ante o exposto, voto pelo DESPROVIMENTO do recurso ministerial interposto.