RE - 43320 - Sessão: 23/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO A ESPERANÇA ESTÁ PRESENTE contra sentença (fls. 119-121v.) que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada contra MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, considerando não estar caracterizado o abuso de poder político pela contratação de cargo em comissão na prefeitura e por discurso realizado por sua esposa na Câmara Municipal.

Em suas razões recursais (fls. 128-136), sustenta que as contratações dos presidentes do PROS e do REDE somente ocorreram para a compra de apoio político das duas agremiações. Argumenta que o discurso realizado pela sua esposa na Câmara de Vereadores teve nítido propósito eleitoral quando referiu expressamente o número de candidatura do seu marido. Requer a procedência da representação com a condenação por abuso de poder político e prática de conduta vedada.

Com as contrarrazões (fls. 138-143), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 148-154).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal estabelecido no art. 258 do Código Eleitoral. A sentença foi publicada no dia 15.9.2016 (fl. 123), e o apelo interposto no dia 16 do mesmo mês. Merece ser conhecido, portanto.

No mérito, sustenta a recorrente a configuração de abuso de poder político em benefício do candidato recorrido, mediante a contratação de cargos em confiança com finalidade eleitoral, e a caracterização de conduta vedada do art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9.504/97, por conta de discurso realizado pela esposa do prefeito na Câmara de Vereadores com teor de campanha.

O abuso de poder econômico e político está previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, cujo teor segue:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.

Trata-se de instituto de textura aberta, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir atitudes e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A respeito do tema, cite-se a doutrina de Carlos Velloso e Walber Agra:

O abuso de poder econômico e do político é de difícil conceituação e mais difícil ainda sua transplantação para a realidade fática. O primeiro é a exacerbação de recursos financeiros para cooptar votos para determinado(s) candidato(s), relegando a importância da mensagem política. O segundo configura-se na utilização das prerrogativas auferidas pelo exercício de uma função pública para a obtenção de votos, esquecendo-se do tratamento isonômico a que todos os cidadãos têm direito, geralmente com o emprego de desvio de finalidade. (Elementos de Direito Eleitoral, 2ªed., 2010, p. 377.)

Considerando que o abuso ofende de forma direta a legitimidade do pleito, será ilícita apenas aquela conduta potencialmente tendente a afetá-la. A quebra dessa normalidade está vinculada à gravidade da conduta, capaz de alterar a simples normalidade das campanhas. É o que dispõe o art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

art. 22.

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Nesse sentido, é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos. (Direito Eleitoral, 12ª ed. 2016, p. 663.)

Na hipótese, sustenta o recorrente que Marco Alba nomeou os presidentes do PROS e do REDE para ocuparem cargos em comissão apenas para assegurar o apoio político dessas agremiações na sua campanha.

Argumenta que o PROS havia acertado apoio ao PSD. No entanto, após ser nomeado para o cargo na prefeitura, foi noticiado que aquela agremiação passou a apoiar a candidatura de Marco Alba. Situação idêntica teria ocorrido com o REDE, o qual estaria em processo de coligação pela candidatura de Anabel Lorenzi, mas passou a apoiar o representado após a nomeação de seu presidente para um cargo na prefeitura.

Embora, de fato, as nomeações tenham sido contemporâneas à definição de apoio político pelo PROS e pelo REDE à candidatura de Marco Alba, não há prova da relação direta e condicional dessas nomeações com o apoio desses partidos na campanha eleitoral.

No período da pré-campanha, é notória a intensificação de acordos e propostas entre candidatos e partidos políticos, em busca do fortalecimento de determinados candidatos e de maiores chances de angariar votos também na eleição proporcional.

Ainda que tal prática, realizada em detrimento de alianças baseadas unicamente nos ideais partidários, não seja propriamente saudável para o desenvolvimento democrático do país, é fato que as eleições brasileiras passam por esta busca de apoio político junto às mais diferentes agremiações.

Tendo presente esse fato notório, a nomeação de presidentes partidários para cargos públicos, seguidos de apoio político à candidatura do prefeito, por si só, não é suficiente para a caracterização de abuso de poder, especialmente porque a formalização de coligações depende da deliberação em convenção partidária, e não apenas da vontade do seu presidente.

Uma série de fatores pode ter motivado a mudança do apoio, como a formação de uma coligação maior, maiores chances de conquista de votos ou mais recursos para a campanha. Até mesmo a possibilidade de participar da futura Administração, a ser eventualmente conquistada por um candidato de maior destaque.

Por essa razão, a simples nomeação dos presidentes do PROS e do REDE, sem maiores detalhes sobre a verdadeira motivação do ato, é insuscetível de configurar abuso de poder político.

Quanto ao discurso realizado pela esposa do candidato na Câmara de Vereadores na data de 09.8.2016, em solenidade de entrega do título de Cidadão Honorário a Luis Francisco Mendes, a consorte do representado afirmou que estava lá “em nome do prefeito Marco 15...eu vim aqui em nome do Prefeito Marco 15 te trazer um abraço bem forte...”.

A coligação recorrente sustenta que, ao assim agir, usou bens e serviços públicos em prol da candidatura de Marco Alba, condutas vedadas pelo art. 73, incs. I e II, da Lei n. 9504/97:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

Inicialmente, não se verifica qualquer irregularidade na realização do evento, pois foi aprovado por unanimidade pelos vereadores (fl. 78) e não simplesmente determinada pelo prefeito, e o homenageado, portador de necessidades especiais, possui livre trânsito na prefeitura e é conhecido e benquisto por muitos políticos, como pontuou a sentença recorrida:

Com efeito, a testemunha Lucas Matheus Mendes, sobrinho de Chiquinho, disse em juízo que seu tio é conhecido por políticos de diversos partidos, tendo trânsito livre na Prefeitura Municipal em todos os mandatos “desde sempre”, tendo a percepção de que efetivamente trabalha no local, sendo também muito querido pelos servidores.

Da mesma forma, a testemunha Nara Evaristo, Presidente da APAE, disse acreditar que Chiquinho imagina que trabalha na Prefeitura, pois passa por lá quase que diariamente e inclusive pede “férias” nos finais de semana e em outras datas em que não comparece no local.

Os depoimentos demonstram que o homenageado de fato é pessoa carismática e conhecida por todos no âmbito da Administração Municipal, justificando-se a homenagem como uma forma de dar maior visibilidade aos portadores de deficiência, tendo sido esta a impressão da família, conforme o depoimento do sobrinho, que não vislumbrou interesse eleitoral na solenidade, ao menos não diretamente. (fls. 120v-121)

Ademais, quanto à menção ao número de campanha do representado quando se referiu ao prefeito como “Marco 15”, não pode ser caracterizada como conduta vedada, pois as provas dos autos indicam que o homenageado conhecia as pessoas por apelidos, conhecendo a Presidente da APAE de “Nara 42” e um outro político do Partido dos Trabalhadores de “PT”. Ao que tudo indica, o representado efetivamente era conhecido pelo Homenageado como “Marco 15”.

Reproduzo a sentença no ponto em que analisa de forma percuciente a prova dos autos:

Sequer o fato de a Primeira-dama ter mencionado que “o Marco 15 te mandou um abraço” (conforme vídeo juntado aos autos) caracteriza o ilícito, porquanto a demandada não é agente público, e os elementos constantes nos autos indicam que esta referência foi apenas uma forma de identificar o Prefeito para o homenageado, que costuma relacionar pessoas a números ou apelidos.

Nesse particular, o sobrinho Lucas confirmou que Chiquinho tem esse hábito e que inclusive era amigo de um político do Partido dos Trabalhadores a quem conhecia por “PT”, como se fosse o seu nome, sem qualquer conotação política.

Da mesma forma, a Presidente da APAE disse que Chiquinho inclusive a chama de “Nara 42”, em referência à idade da testemunha.

Não há como concluir, portanto, que a Primeira-dama pretendeu fazer campanha política ao usar a referência “Marco 15” durante seu discurso, sendo esta uma referência pela qual Chiquinho conhecia o Prefeito. (fl. 121)

As provas dos autos não indicam, portanto, ter havido um aproveitamento da solenidade em benefício do candidato representado. A homenagem foi aprovada à unanimidade pela Câmara de Vereadores, e a referência ao número 15 ocorreu porque o homenageado conhecia o candidato por essa identificação, não se evidenciando finalidade eleitoral no discurso realizado.

Dessa forma, deve ser mantida a sentença de improcedência da representação, pois não caracterizado o abuso de poder político nem a conduta vedada pretendida.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.