RE - 6096 - Sessão: 09/12/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Os recursos sob análise têm gênese no pedido de averiguação e cancelamento de inscrições eleitorais proposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL da 8ª Zona Eleitoral (fls. 02-04v.).

O objeto de tal requerimento foi o de verificar suposta irregularidade de transferências de domicílio eleitoral.

Segundo o órgão ministerial, 53 (cinquenta e três) eleitores, anteriormente residentes em Bento Gonçalves, teriam transferido seu domicílio eleitoral para o Município de Monte Belo do Sul, sem, no entanto, residirem nesta localidade.

O pedido foi autuado sob a classe CIE – Cancelamento de Inscrição Eleitoral.

Após regular instrução, sobreveio sentença, julgando parcialmente procedente o pleito ministerial, determinando o cancelamento das inscrições de MARISTELA VILLA WERKHAUSEN, LUCAS BURCKHARDT, ANA PAULA FERRI, EDSON ROBERTO ROSA, CLAUDIO AGUIRRE PAIM, RAFAEL SARAIVA GARCIA, LUCIMAR CARLOS OSTROSKI e SANTINA DE FATIMA DA SILVA e a manutenção das inscrições dos demais eleitores impugnados (fls. 687-691).

Da sentença, o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso sustentando a ausência de comprovação dos domicílios de EDEGAR ÂNGELO ZANELATO e VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT, razão pela qual requer que seja parcialmente reformado o julgado, determinando-se o cancelamento das respectivas inscrições eleitorais (fls. 693-695).

Por sua vez, os seguintes eleitores, que tiveram suas inscrições canceladas, postularam a manutenção de seus domicílios eleitorais em Monte Belo do Sul: Lucas Burckhardt (fls. 697-702), Ana Paula Ferri (fls. 703-709), Claudio Aguirre Paim (fls. 731-741), Edson Roberto Rosa (fls. 743-745), Lucimar Carlos Ostroski (fls. 747-748), Santina de Fatima da Silva (fls. 750-751).

Com as contrarrazões (fls. 1713-722, 723-729 e 759-760v.), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou (i) pelo parcial provimento do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a fim de que seja cancelada a inscrição de EDEGAR ÂNGELO ZANELATO e mantida a inscrição de VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT; (ii) pelo desprovimento dos recursos de LUCAS BURCKHARDT, ANA PAULA FERRI, CLAUDIO AGUIRRE PAIM, LUCIMAR CARLOS OSTROSKI e SANTINA DE FÁTIMA DA SILVA, a fim de ser mantido o cancelamento das suas inscrições; e (iii) pelo provimento do recurso de EDSON ROBERTO ROSA, a fim de ser mantida a sua inscrição no Município de Monte Belo do Sul/RS (fls. 765-770).

É o relatório.

 

VOTO

Senhora Presidente,

Eminentes colegas:

Os apelos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

No mérito, o domicílio eleitoral encontra-se disciplinado nos arts. 42, parágrafo único, e 55, inc. III, do Código Eleitoral:

Art. 42. O alistamento se faz mediante a qualificação e inscrição do eleitor.

Parágrafo único. Para o efeito da inscrição, é domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.

 

Art. 55. Em caso de mudança de domicílio, cabe ao eleitor requerer ao Juiz do novo domicílio sua transferência, juntando o título anterior.

§ 1° A transferência só será admitida satisfeitas as seguintes exigências:

(...)

III – residência mínima de 3 (três) meses no novo domicílio, atestada pela autoridade policial ou provada por outros meios convincentes.

É pacífico o entendimento de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil.

O domicílio eleitoral possui maior amplitude, abrangendo situações em que haja vínculo patrimonial, profissional ou comunitário do cidadão com o município, conforme leciona José Jairo Gomes:

No Direito Eleitoral, o conceito de domicílio é mais flexível que no Direito Privado. Com efeito, o artigo 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.996/82, dispõe que, `para efeito de inscrição, domicílio eleitoral é o lugar de residência ou moradia do requerente, e, verificado ter o alistando mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas. É essa igualmente a definição constante do artigo 42, parágrafo único, do Código Eleitoral. Logo, o Direito Eleitoral considera domicílio da pessoa o lugar de residência, habitação ou moradia, ou seja, não é necessário haver animus de permanência definitiva, conforme visto.

Tem sido admitido como domicílio eleitoral qualquer lugar em que o cidadão possua vínculo específico, o qual poderá ser familiar, econômico, social ou político (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4ª. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 110-111).

A jurisprudência do TSE consolidou-se no mesmo sentido, de modo a flexibilizar a norma inserta nos artigos supramencionados, admitindo como domicílio eleitoral o local onde o eleitor possua vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos, como se extrai das seguintes ementas, por mim grifadas:

RECURSO ESPECIAL. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. VÍNCULO POLÍTICO. SUFICIÊNCIA. PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte se fixou no sentido de que a demonstração do vínculo político é suficiente, por si só, para atrair o domicílio eleitoral, cujo conceito é mais elástico que o domicílio no Direito Civil (AgR-AI n. 7286/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 14.3.2013).

2. Recurso especial provido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 8551 - Maracanaú/CE. Acórdão de 08.4.2014. Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO)

 

ELEIÇÃO 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO. DOMICÍLIO ELEITORAL.ABRANGÊNCIA. COMPROVAÇÃO. CONCEITO ELÁSTICO. DESNECESSIDADE DE RESIDÊNCIA PARA SE CONFIGURAR O VÍNCULO COM O MUNICÍPIO. PROVIMENTO.

1) Na linha da jurisprudência do TSE, o conceito de domicílio eleitoral é mais elástico do que no Direito Civil e se satisfaz com a demonstração de vínculos políticos, econômicos, sociais ou familiares. Precedentes.

2) Recurso especial provido para deferir o registro de candidatura.

(Relator Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO. Relator designado Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI. Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 142, Data 4.8.2014, Página 28/29.)

E este Regional tem seguido o mesmo norte:

Recurso. Transferência de domicílio eleitoral. Deferimento.

Afastada a preliminar de inépcia da inicial. Recebimento de petição nominada erroneamente mas protocolada dentro do prazo recursal.

É pacífico o entendimento de que o conceito de domicílio eleitoral não se confunde com o de domicílio civil. Mais flexível, admite-se como domicílio eleitoral o lugar em que o cidadão possua vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos.

Comprovado o vínculo social e político do recorrido com o município. Inscrição eleitoral mantida.

Provimento negado. (TRE/RS, rel. Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, dje: 18.2.2016)

Tal entendimento autoriza que o eleitor que possua tais laços realize a transferência para município no qual pretenda exercer seus direitos políticos.

Situação muito comum a exemplificar tal assertiva é a dos habitantes de capitais que optam  por transferir seus domicílios eleitorais para balneários e/ou cidades do interior, onde possuam residência de lazer e ou imóveis rurais. Esta possibilidade é pacificamente abarcada pela jurisprudência do TSE, sendo necessário apenas que o eleitor perfectibilize o ato de transferência de sua inscrição eleitoral, condição imprescindível para que o eleitor sinalize à Justiça Eleitoral a localidade na qual ele pretende exercer seus direitos políticos, sejam eles ativos ou passivos.

E foi baseado nessa compreensão da doutrina e jurisprudência eleitorais que o douto Procurador Regional Eleitoral realizou percuciente análise da documentação trazida pelos recorrentes e recorridos (fls. 767v.-769v.), motivo pelo qual peço vênia para acolher seus argumentos in totum, transcrevendo-os a seguir e adotando-os como razões de decidir:

II.II.I. Do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

(...)

II.II.I.I. Recurso em face de EDEGAR ANGELO ZANELATTO

Compulsando-se os autos, conclui-se que razão assiste ao recorrente.

Entendeu a sentença pela manutenção do seu domicílio eleitoral diante das declarações às fls. 165 e 631, nas quais o eleitor informou residir na Linha Agremiro.

No entanto, como muito bem destacou o MPE, declaração pelo próprio eleitor firmada (fl. 631) não tem o condão de comprovar o vínculo com o município de Monte Belo do Sul/RS, pois trata-se de declaração unilateral de suposto vínculo profissional - diarista - em propriedade rural na localidade, desamparada de qualquer documento idôneo. Ademais, sequer restou identificado o dono da propriedade rural onde o eleitor trabalharia.

Ainda, destaca-se que, quando o eleitor foi procurado pelo Oficial de Justiça no endereço por ele declarado na Justiça Eleitoral (fls. 224-225), além de não ter sido no mesmo localizado, foi informado ao Oficial que o eleitor era pessoa desconhecida daquela região.

Como também, em sede de contrarrazões (fls. 723-730), o recorrido anexou declaração de pessoa diversa da titularidade da propriedade, nos termos das fls. 727-730, não sendo, portanto, apta a comprovar o vínculo profissional.

Logo, inexiste prova de que EDEGAR ANGELO ZANELATTO resida em Monte Belo do Sul/RS ou tenham qualquer outro vínculo com o município, constituindo a sua declaração fonte insegura para aferição do domicílio em questão.

Portanto, merece provimento o recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a fim de ser reformada a sentença no ponto, impondo-se o cancelamento da inscrição de EDEGAR ANGELO ZANELATTO.

 

II.II.I.II. Recurso em face de VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT

No tocante a VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT, entendeu a sentença que restou comprovado o vínculo profissional com Monte Belo do Sul/RS, diante da sua declaração à fl. 683.

Ainda, destaca-se que, em sede de contrarrazões (fls. 713-722), trouxe o eleitor declaração de Genei Marcos Stsczak (fl. 717), constando que o mesmo trabalha em sua propriedade como diarista, bem como restou anexada a comprovação da titularidade da referida propriedade às fls. 719-722.

Verifica-se, assim, que restou comprovado o vínculo profissional de VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT com Monte Belo do Sul/RS, razão pela qual não merece provimento o recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, devendo ser mantida a sentença quando à manutenção da inscrição do referido eleitor.

 

II.II.II. Do recurso de LUCAS BURCKHARDT

Entendeu a sentença pelo cancelamento da sua inscrição, ante o fato de o documento à fl. 625 não comprovar o vínculo com o município, bem como pelo fato de o Oficial de Justiça não ter localizado o eleitor (fl. 195v.).

O recorrente, às fls. 697-702, sustentou ser irmão de Diego Casagranda – titular da conta de luz de fl. 625- e com o mesmo residir.

Razão não lhe assiste. Não restou comprovado que o recorrente reside com o irmão e sequer há, nos autos, declaração desse em tal sentido. Ademais, a documentação anexada às fls. 701-702 demonstram apenas o parentesco entre o recorrente e Diego, mas não comprovam a residência do recorrente e nem que o mesmo possua qualquer vínculo com Monte Belo do Sul/RS.

Dessa forma, não merece ser provido o recurso.

 

II.II.III. Do recurso de ANA PAULA FERRI

Entendeu a sentença que a eleitora não comprovou vínculo com o município.

Razão assiste à decisão de primeiro grau. Em que pese, em suas razões recursais (fls. 703-709), sustente a recorrente que sua mãe reside no Município de Monte Belo do Sul/RS, pois casada com Francisco Cezar Perin – titular da conta de luz à fl. 449-, constata-se divergência quanto ao nome de sua mãe, tendo em vista que em sua carteira de identidade consta Elida Fredo (fl. 707) e na certidão de casamento apresentada há o nome de Elida Melotti, que passou a ser Elida Melotti Perin (fl. 708), não restando claro, portanto, tratar-se da mesma pessoa.

Portanto, a eleitora não conseguiu comprovar o vínculo existente com a cidade de Monte Belo do Sul/RS, razão pela qual seu recurso não merece provimento.

 

II.II.IV. Do recurso de CLÁUDIO AGUIRRE PAIM

Entendeu a sentença pelo cancelamento da sua inscrição ante o fato de o eleitor não ter apresentado documentação para comprovar o seu vínculo com Monte Belo do Sul/RS, bem como tendo em vista que, nos termos do certificado à fl. 210, os moradores sustentaram não o conhecer.

O recorrente sustentou viver em união estável com Aline Lucietto, que seria filha dos proprietários da residência na qual mora, anexando documentação à fls. 732-741. Ocorre que os documentos anexados não comprovam o vínculo com o Município de Monte Belo do Sul/RS, pois a declaração de fl. 731 é unilateral – feita pelo próprio recorrente - e os demais documentos juntados (fls. 732-741) estão em nome de terceiros, bem como não servem para comprovar a alegada união estável com Aline Lucietto.

Assim, o cancelamento da inscrição do eleitor deve ser mantido.

 

II.II.V. Do recurso de EDSON ROBERTO ROSA

A sentença entendeu pelo cancelamento da sua inscrição diante do fato de o eleitor não ter apresentado documentação para comprovar o seu vínculo com o Município de Monte Belo do Sul/RS, bem como tendo em vista que, nos termos do certificado à fl. 182v., os moradores sustentaram não o conhecer.

Em suas razões recursais (fl. 743), o eleitor trouxe conta de luz em seu nome, comprovando, assim, residir na Rua Arthur Beltrame, n° 91, Centro, em Monte Belo do Sul/RS (fl. 744). Logo, merece provimento o seu recurso.

 

II.II.VI. Dos recursos de LUCIMAR CARLOS OSTROSKI e SANTINA DE FÁTIMA

Entendeu a sentença pelo cancelamento das suas inscrições pelo fato de os eleitores não terem apresentado documentação para comprovar o seu vínculo com Monte Belo do Sul/RS, bem como tendo em vista que, nos termos do certificado às fls. 251 e 253, os moradores sustentaram não os conhecer.

Em suas razões, LUCIMAR CARLOS OSTROSKI (fls. 474-748) e SANTINA DE FÁTIMA (fls. 750-751) sustentaram residir em Monte Belo do Sul/RS, anexando comprovante de residência em nome de terceiro – Evandro de Barba.

Razão não lhes assiste. Destaca-se que as declarações de fls. 747 e 750 são unilaterais e desamparadas por documentos idôneos. Os comprovantes de fls. 748 e 751 - comprovante de residência - estão em nome de terceiro, bem como não preenche o requisito temporal, pois referente a abril de 2016. ainda, o anexado à fl. 751v. trata-se de parte de contrato de parceria agrícola, cujo inteiro teor sequer consta nos autos.

Portanto, merece ser mantido o cancelamento das inscrições dos recorrentes, pois ausente comprovação de vinculação com o município de Monte Belo do Sul/RS.

Por conseguinte, o conjunto probatório coligido aos autos não demonstra a existência de vínculos familiares, políticos, afetivos, sociais ou econômicos que autorizem a transferência da inscrição eleitoral de Lucas Burckhardt, Ana Paula Ferri, Claudio Aguirre Paim, Lucimar Carlos Ostroski e Santina de Fátima da Silva para o Município de Monte Belo do Sul.

Por outro lado, infere-se que os eleitores Edson Roberto Rosa e Vilmar Antônio Schmidt lograram êxito em comprovar seu vínculo com o referido município.

Ante o exposto, na esteira da manifestação ministerial, VOTO pelo parcial provimento do recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a fim de que seja cancelada a inscrição de EDEGAR ÂNGELO ZANELATO e mantida a inscrição de VILMAR ANTÔNIO SCHMIDT; pelo desprovimento dos recursos de LUCAS BURCKHARDT, ANA PAULA FERRI, CLAUDIO AGUIRRE PAIM, LUCIMAR CARLOS OSTROSKI e SANTINA DE FÁTIMA DA SILVA, para que seja mantido o cancelamento das suas inscrições; e pelo provimento do recurso de EDSON ROBERTO ROSA, a fim de ser mantida sua inscrição no Município de Monte Belo do Sul/RS.

É como voto, Senhora Presidente.