RE - 12066 - Sessão: 17/11/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO POR GRAMADO contra sentença (fl. 25 e verso) exarada pelo Juízo da 106ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a representação ajuizada contra PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PMDB, PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT, JOÃO ALFREDO DE CASTILHOS BERTOLUCCI e EVANDRO JOÃO MOSCHEM, concluindo pela licitude da transmissão ao vivo da convenção partidária pelo Facebook.

Em suas razões recursais (fls. 27-35), a recorrente sustenta que a convenção para escolha dos candidatos do PMDB e PDT foi transmitida ao vivo pelo Facebook, estando disponível para acesso de qualquer eleitor, conduta vedada pelo art. 36-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Argumenta ser indevida a condenação em honorários advocatícios. Requer a reforma da sentença, para julgar-se procedente a representação.

Após contrarrazões (fls. 40-44), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso (fls. 50-56).

É o relatório.

 

VOTO

A sentença foi publicada no dia 31.8.2016 (fl. 26) e o recurso foi interposto no dia seguinte (fl. 27), dentro portanto do prazo de 24 horas previsto pelo art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, motivo pelo qual dele conheço.

No mérito, está demonstrado que a convenção partidária para a escolha dos candidatos do PMDB e PDT ao pleito de 2016 foi divulgada ao vivo na página do Facebook da Juventude do PMDB de Gramado.

Sustenta o recorrente que tal divulgação configura propaganda eleitoral extemporânea, por expressa disposição do art. 36-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

§ 1º. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social.

A questão cinge-se a definir se o dispositivo veda de forma absoluta a transmissão de prévias partidárias ou se proíbe tal divulgação apenas pelas emissoras de rádio e televisão.

A interpretação do texto legal deve partir da necessária ponderação entre a repressão à propaganda eleitoral antecipada e a necessária garantia da liberdade de expressão.

Em recente julgado do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, a Corte reafirmou que a finalidade da norma proibitiva da propaganda eleitoral antes do dia 15 de agosto é a garantia da igualdade entre os candidatos, reconhecendo que a caracterização da propaganda extemporânea está condicionada ao pedido expresso de voto, capaz de malferir a finalidade da norma.

Firmou o egrégio TSE que se deve privilegiar a liberdade de expressão e a mais ampla difusão de ideias, especialmente nas mídias sociais, de reduzido custo econômico, viabilizando assim mecanismos para que os eleitores possam ter conhecimento a respeito dos candidatos, ideais políticos e agremiações partidárias, sem que tais divulgações caracterizem propaganda eleitoral.

Transcrevo a ementa do mencionado acórdão:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. (LEI DAS ELEIÇÕES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se – e suas exteriorizações (informação e de imprensa) – ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.

2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo.

3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral.

4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii.

5. A propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral, de maneira que, não ocorrendo in concrecto quaisquer ultraje a essa axiologia subjacente, a mensagem veiculada encerrará livre e legítima forma de exteriorizar seu pensamento dentro dos limites tolerados pelas regras do jogo democrático.

6. O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (i) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (ii) mitigar o efeito da (inobjetável) assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (iii) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral.

7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto.

8. No caso sub examine,

a) O Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, por maioria, deu parcial provimento a recurso eleitoral, reduzindo ao mínimo legal multa aplicada ao Recorrente pelo Juízo da 52ª Zona Eleitoral, ante o reconhecimento de propaganda eleitoral extemporânea, em virtude de “[ter] public[ado], em seu perfil no Facebook, uma imagem contendo sua fotografia e, ao lado, a seguinte mensagem: “PSB/MG - O melhor para sua cidade é 40!” (fls. 116).

b) Aludida mensagem, a despeito de enaltecer determinado partido político e de indicar possível candidatura, não configura propaganda eleitoral extemporânea vedada pela legislação de regência, como supõe o aresto vergastado.

c) É que, com o fim das doações empresariais e com o reduzido tempo de campanha eleitoral, impõe-se que os pretensos candidatos, no afã de difundir suas propostas e de enaltecer suas qualidades pessoais, logrem buscar formas alternativas de conexão com o seu (futuro) eleitorado, de modo que me parece natural que eles se valham de publicações em posts e de mensagens nas mídias sociais (facebook, twitter etc.) para tal desiderato.

d) A veiculação de mensagens pelas mídias sociais, dada a modicidade de seus custos, harmoniza-se com a teleologia que presidiu tanto a proscrição de financiamento por pessoas jurídicas quanto a Minirreforma Eleitoral: o barateamento das campanhas eleitorais, característica que as tornam inaptas a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito.

e) A Justiça Eleitoral, se reprimir a implementação de métodos alternativos de divulgação de propostas e plataformas políticas (com excessiva restrição ao uso das mídias sociais), contribuirá negativamente para o esvaziamento integral do período democrático de debates (para alguns, denominado de pré-campanha), instituído pela Lei nº 13.165/2015, na medida em que aniquilará, sem qualquer lastro constitucional ou legal, a interação que deve ocorrer entre os pretensos candidatos e os cidadãos, de ordem a produzir odioso chilling effect nos pretensos candidatos, tamanho o receio de verem suas mensagens e postagens qualificadas como propaganda extemporânea.

f) Como consectário, incentiva-se o aparecimento dos cognominados candidatos-surpresa – aqueles que exsurgem às vésperas do pleito, estimulando um arranjo que, decerto, antes de fortalecer, amesquinha a democracia.

g) O desenho institucional que potencializa e leva a sério o regime democrático requer que seja franqueado maior espaço de difusão de ideias, projetos políticos e opiniões sobre os mais diferentes temas, sobre as qualidades pessoais de pretensos candidatos e sobre os planos de governo futuro, visando a propiciar maior controlabilidade social por parte dos demais players do prélio eleitoral.

h) A exposição por largo período de tempo – sem pedido expresso de voto, o que é vedado por lei – permite que essas ideias sejam testadas no espaço público: se, por um lado, forem falsas ou absurdas, a oposição poderá contraditá-las e a população estará mais bem informada; se, por outro lado, forem boas soluções alvitradas, a oposição terá de aperfeiçoar suas propostas e projetos e o cidadão será, mais uma vez, beneficiado.

i) Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito;

9. Recurso especial provido.

(TSE, RESPE 51-24, Rel. Min. Luiz Fux, publicação: 18.10.2016).

No tocante ao art. 36-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97, seguindo a linha de entendimento firmada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral e conferindo-se primazia à livre difusão de ideias e informações, deve-se entender que a transmissão ao vivo das prévias partidárias é vedada apenas às emissoras de rádio e televisão, porque são concessionárias de serviço público.

Na doutrina, Rodrigo López Zilio comenta o aludido dispositivo legal, referindo que a vedação de transmissão ao vivo das convenções partidárias pelas emissoras de rádios e televisão é motivada por serem concessionárias de serviço público, impondo aos demais meios de comunicação social a cobertura do evento de forma isonômica:

Conforme o § 1º do art. 36-A da LE, “é vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social". A regra proíbe a transmissão ao vivo das prévias por emissoras de rádio e TV (concessionárias do serviço público), mas é lícito aos meios de comunicação social realizar a cobertura desses eventos. Esse dispositivo não impede a realização de flashes e breves chamadas ao vivo desses eventos pelas aludidas emissoras – até mesmo como uma forma concretização do direito constitucional à liberdade de informação. A cobertura dos meios de comunicação social deve dispensar um tratamento igualitário nas prévias partidárias das diferentes agremiações, observada a densidade eleitoral de cada ente partidário (Direito Eleitoral, 5. ed., 2016, p. 345).

De fato, a transmissão das prévias partidárias por meio do Facebook, especialmente quando realizada na página da própria agremiação interessada, no caso a Juventude do PMDB, somente vem a contribuir para a difusão de informações ao eleitor, que poderá, querendo, acompanhar a reunião.

Por outro lado, a transmissão é incapaz de causar qualquer prejuízo à igualdade entre os candidatos ou ao equilíbrio do pleito. A divulgação pela internet é mecanismo franqueado a todas as agremiações por um custo ínfimo e o acesso pelos eleitores depende unicamente da sua intenção de acompanhar a convenção, buscando a página do partido caso tenha interesse no evento, ou ignorando eventuais compartilhamentos, caso não queira assistir o vídeo.

As circunstâncias da transmissão pela internet realizada pela própria agremiação distinguem-se substancialmente da divulgação das convenções pela rádio e televisão ou pelos demais meios de comunicação social. Aquelas emissoras são concessionárias de serviço público, podem estar sujeitas a pressões políticas, e têm potencial para alcançar um grande número de eleitores, especialmente pela confiabilidade de que são revestidas as informações divulgadas por eles.

Daí porque a transmissão ao vivo das convenções partidárias é expressamente vedada às emissoras de rádio e televisão. Todavia, tal proibição não pode ser estendida por analogia à divulgação do evento pela internet, por possuir características distintas da hipótese legal, que não justificam a restrição à liberdade de expressão.

Dessa forma, a transmissão ora impugnada, porque divulgada pela internet, na página pessoal da Juventude do PMDB de Gramado, não causa prejuízo à igualdade entre os candidatos ou ao equilíbrio do pleito, e não é alcançada pela vedação do art. 36-A, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.