RE - 18504 - Sessão: 10/10/2016 às 17:00

Pedi vista dos autos para examinar melhor a matéria e me permiti fazer uma pesquisa sobre a temática, identificando circunstâncias interessantes que gostaria de trazer à discussão da Corte.

Inicialmente, consigno que recebi os memoriais oferecidos pela Coligação Juntos Sempre Ibiraiaras pra Frente.

Entretanto, deixo de conhecer da peça, pois a mencionada Coligação nem sequer impugnou o pedido de registro de candidatura no juízo a quo, não sendo parte no feito.

Nesse sentido, nem teria legitimidade para recorrer caso a decisão fosse de deferimento do registro da candidata (Súmula n. 11 do TSE).

Superada a matéria preliminar, passo ao exame da matéria de fundo.

Incontroverso nos autos que a candidata à prefeitura de Ibiraiaras, IVETE BEATRIZ ZAMARCHI LUCHEZI, não se afastou do exercício do cargo de presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Município de Ibiraiaras.

O que está em discussão é se a candidata precisava ou não se desincompatibilizar da Presidência da APAE, questão essencialmente de direito.

O texto legal está assim redigido:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções: (…)

9. os Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público;

(…)

IV – Para Prefeito e Vice-Prefeito:

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização; (Grifei.)

Como as APAEs são associações civis, sem fins lucrativos, a primeira controvérsia está em determinar se a expressão do final do item 9 acima grifado – "e as mantidas pelo poder público" – deve ser interpretada de modo a incluir os dirigentes de entidades de assistência social subvencionadas pelo Estado, ou se estariam abrangidas apenas as fundações privadas mantidas pelo poder público.

Do ponto de vista semântico, o texto não deixa qualquer dúvida: está se referindo a outras fundações e não faz qualquer referência semântica às associações civis. Assim, não poderia o intérprete abandonar o texto e começar sua compreensão do marco zero. Não existe interpretação, nem para o leitor crítico, nem para o semântico, que possa abandonar o sentido léxico do texto. Primeiro fala o texto, depois o intérprete. Todo e qualquer ato de liberdade por parte do leitor só pode vir depois, e não antes, da aplicação da restrição preliminar do sentido literal dos termos lexicais. Depois de um texto ser produzido, é possível fazê-lo dizer muitas coisas, mas é impossível fazê-lo dizer o que não diz (ECO, Umberto. Los límites de la interpretación: palabra en el tiempo. Traducción Helena Lozano. Barcelona: Lúmen, 1992).

Sobre essa circunstância, ao cotejar a jurisprudência trazida no voto do eminente relator, percebi que essa dúvida também permeou o debate no precedente citado nesses autos - TSE – REspe n. 30.539 – Relator Min. Marcelo Ribeiro, publicado em sessão em 01.10.2008.

Nesse julgado, o Ministro Eros Grau entendeu que a expressão "mantidas pelo poder público" qualificaria apenas as fundações que integram a Administração Indireta.

Disse que, em relação às APAEs, não sendo entidades da Administração Indireta, por não serem fundações mantidas pelo poder público, os dirigentes não estão sujeitos à exigência de desincompatibilização de seus cargos para efeitos de ordem eleitoral. Pouco importando recebam, essas como outras associações civis voltadas ao desempenho de atividades sociais, subvenções do poder público. O que realmente conta é a circunstância de elas não serem entidades da Administração.

Arremata o Min. Eros Grau asseverando ser "mesmo cruel a exigência imposta a quem – sem participar de gestão de entidade estatal – dedique parte de seu tempo à solidariedade social, sofrendo-a exatamente por fazê-lo".

Ressalto, ainda, o que foi mencionando pelo Min. Arnaldo Versiani, no sentido de que muitas regras hoje que versam sobre desincompatibilização estariam superadas. Ele cita a situação da reeleição: em uma eleição municipal, o próprio titular da prefeitura não precisa se afastar do cargo, mas uma presidente de APAE necessita? Veja-se, qual seria a influência no pleito de uma associação como a APAE? Parece demasiado excesso.

Aliás, o próprio Min. Marcelo Ribeiro, relator no mencionado precedente, refere a máxima em restrição de direito, no sentido de que qualquer interpretação extensiva deve ser rechaçada.

Mais, em pesquisa jurisprudencial junto ao TSE, verifiquei que em 30 de outubro de 2012, ou seja, em data posterior ao precedente trazido pelo relator, à unanimidade, a Corte Superior Eleitoral, reformando acórdão nosso, da relatoria do Dr. Hamilton Langaro Dipp, decidiu pela desnecessidade de desincompatibilização de dirigente da APAE, cuja receita era 61,19% composta por verba pública.

Colaciono a ementa:

Registro. Dirigente de APAE. Desincompatibilização.

- Conforme a jurisprudência desta Corte, não é necessária a desincompatibilização de dirigente de APAE, por ser esta uma associação civil, sem fins lucrativos, e não entidade da Administração Indireta.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 25787, Acórdão de 30.10.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 30.10.2012.)

No corpo do acórdão, o Min. Arnaldo Versiani mencionou:

Vê-se, portanto, que a Corte de origem entendeu que a APAE é uma entidade mantida pelo Poder Público, porquanto, conforme consignado na sentença, recebeu, de convênios com o Poder Público, R$ 157.407,06, o que representa, no mínimo, 61,19% do total arrecadado.

Consignou, ainda, que a candidata não teria se afastado, de fato, de suas funções de Presidente da entidade em questão, motivo pelo qual manteve o indeferimento do seu registro.

Ocorre que, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, não é necessária a desincompatibilização de dirigente da APAE, por ser ela uma associação civil, sem fins lucrativos, e não entidade da Administração Indireta. Assim, mesmo que receba subvenção pública, a APAE desenvolve atividade não estatal.

Ainda, em resposta à consulta nesta Corte, este Tribunal disse que os dirigentes de APAE não necessitavam se afastar das suas funções:

Consulta. Eleições 2000. Necessidade de desincompatibilização de membro da Diretoria de Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

Trata-se de entidade de natureza privada, sem fins lucrativos, que apenas eventualmente mantém convênios ou percebe auxílio financeiro do poder público. Afastada a incidência da Lei Complementar nº 64/90 sobre a espécie. Resposta negativa.

(TRE-RS - CONSULTA n. 22004900, Acórdão de 16.5.2000, Relator ÉRGIO ROQUE MENINE, Publicação: RTRE-RS - Revista do TRE-RS, Volume 5, Tomo 10, Data 30.6.2000, Página 186.) (Grifei.)

Igualmente, procedi à pesquisa em outras Cortes Regionais e localizei pelo menos mais duas decisões com esse entendimento:

DIRIGENTE DE ASSOCIAÇÃO CIVIL DE CARÁTER FILANTRÓPICO - APAE - RECEBIMENTO EVENTUAL DE SUBVENÇÃO PÚBLICA - DESNECESSIDADE DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO.

Nenhum dispositivo da Lei Complementar nº 64/90 exige que o dirigente de associação civil de caráter filantrópico, como a APAE, mesmo recebendo eventualmente do Poder Público alguma subvenção, deva afastar-se do exercício do cargo, ademais não remunerado, para concorrer à eleição de Prefeito, Vice-Prefeito ou Vereador.

Alteração do entendimento externado nas Consultas n. 52/2000, de 6.7.2000, e n. 62/2000, de 10.7.2000, deste TRE.

(TRE-PR - RECURSO ELEITORAL n. 667, Acórdão n. 24108 de 23.8.2000, Relator DES. ROBERTO PACHECO ROCHA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 23.8.2000.)

 

Recurso. Registro de Candidatura. Eleições 2004. Impugnação. Procedência. Indeferimento. Preliminar de impropriedade da via eleita - não-conhecimento. Mérito favorável. Presidente do APAE - Associação privada sem fins lucrativos - desnecessidade de desincompatibilização cento e oitenta dias antes do pleito. Elegibilidade. Recurso a que se dá provimento.

(TRE-MG - REGISTRO DE CANDIDATOS nº 22662004, Acórdão n. 1643 de 24.8.2004, Relator ANTÔNIO LUCAS PEREIRA, Relator designado OSCAR DIAS CORRÊA JÚNIOR, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 24.8.2004.)

Não desconheço que há decisões no TSE sufragando a orientação do voto do eminente relator   no sentido de que mesmo as associações sem fins lucrativos, desde que demonstrado o recebimento de mais de 50% de verba pública, integrariam a hipótese de necessário afastamento.

Entretanto, esses precedentes que colacionei visam a demonstrar que a matéria é bastante controvertida, mesmo no órgão máximo desta Especializada.

Por essas razões, parece-me bastante razoável e crível o argumento da recorrente de que recebeu orientação do próprio partido da não necessidade de se afastar de suas funções.

Além disso, mesmo que admitíssemos a jurisprudência acerca do percentual de receita, julgo também razoável o cômputo, nesse percentual, do valor estimável em dinheiro correspondente ao trabalho voluntário realizado pelos associados.

Conforme consta no documento das fls. 52-53, a APAE de Ibiraiaras conta com 19 voluntários. Se fôssemos considerar uma remuneração média de R$ 1.000,00 para cada um deles, o valor da receita anual alcançaria o montante de R$ 228.000,00 (R$ 19.000,00 x 12 meses), valor muito superior ao aporte público fornecido anualmente.

Ainda, mesmo que seja apenas argumento de fato, não há como desconhecer que a candidata, caso estivesse com seu registro deferido, teria sido proclamada eleita Prefeita do Município de Ibiraiaras, pois obteve 2.503 votos e o seu adversário, 2.337 votos.

Assim, eminentes colegas, porque o tema suscita debate na própria Justiça Eleitoral e, existindo fundada controvérsia acerca do alcance a ser dado ao texto legal, tenho por seguir a regra comezinha a respeito da compreensão das normas restritivas de direito, de modo a interpretá-las da maneira menos gravosa aos direitos fundamentais da candidata.

Diante do exposto, rogando vênia ao eminente relator, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de deferir o registro de candidatura de IVETE BEATRIZ ZAMARCHI LUCHEZI, deferindo também a chapa majoritária formada com o candidato a vice-prefeito, Jhones Vuelma, cujo registro também fica deferido, nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.455/15.

Tendo em vista a alteração jurídica na situação da candidata, determino que o Cartório Eleitoral proceda às anotações no Sistema de Candidaturas, de modo a atender ao que estabelece o art. 183 da Resolução n. 23.456/15 do TSE.

 

Des. Carlos Cini Marchionatti (adendo ao voto primitivo):

O Desembargador Paulo, com o mais elogioso critério, pediu vista para pensar melhor, no que tinha e tem toda razão.

Chegou à conclusão de que se deve deferir o registro da candidatura, por maioria de razão diante dos fundamentos que menciona e em especial diante do resultado da eleição, tendo sido a candidata eleita Prefeita pelos eleitores do Município.

Ao votar, além do voto escrito, fiz uma breve introdução em que elogiei a candidata pelo trabalho junto à APAE, altamente meritório e certamente um dos motivos da candidatura e do expressivo resultado eleitoral.

Por experiência pessoal, seja como ex presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, ocasião em que trabalhei muito próximo à APAE, seja pela experiência da vida como Magistrado e cidadão, seja por conhecer a situação de famílias amigas ou mesmo no seio da família, ainda que mais distantes do meu núcleo familiar, admiro as atividades da APAE e de todos a que a elas se dedicam, como o caso exemplar da candidata. A finalidade humanitária e solidária é digna de referência elogiosa.

Por estas razões, não tive satisfação em votar como votei e cujo voto reafirmo por dever de ofício.

Enalteço e me regozijo com o voto do Desembargador Paulo, que poderá mesmo ser aprovado pela maioria.

Conseguiu o digno Julgador, em meio à polêmica da matéria, encontrar judiciosos fundamentos que justificam o registro da candidatura, o provimento do recurso e a reafirmação do voto popular.

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja: Com todo respeito ao relator, acompanho o voto divergente.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez: Acompanho o relator, Senhora Presidente.

 

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura: Com a máxima vênia da divergência, acompanho o relator.

 

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes: Acompanho a divergência, pedindo vênia ao relator.

 

Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro: Em voto de desempate, acompanho o relator.