RE - 21634 - Sessão: 21/10/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Examina-se recurso interposto pela COLIGAÇÃO RETOMADA E DESENVOLVIMENTO e por JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE contra sentença do Juízo Eleitoral da 57ª Zona, que julgou procedentes as impugnações opostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, pela COLIGAÇÃO TRABALHO SERIEDADE E COMPROMISSO e por LUIZ AUGUSTO FUHRMANN SCHNEIDER e indeferiu o pedido de registro de candidatura ao cargo de prefeito de JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE, por considerar aplicável à hipótese a al. “g” do inc. I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90.

Em suas razões recursais, aduzem, em preliminar, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustentam, em resumo, a) que a incidência da causa de inelegibilidade exige concomitância de situações, o que não teria ocorrido no caso sob exame; b) que a sentença se equivocou ao embasar-se em fato inexistente; c) que igualmente laborou em equívoco ao entender que não seria de competência da Justiça Eleitoral fazer o enquadramento acerca “da existência ou não de atos dolosos de improbidade”; d) ausência de provas acerca da existência de atos dolosos ou insanáveis. Requerem o provimento do recurso, deferindo-se o registro de candidatura.

Foram oferecidas contrarrazões e, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se preliminarmente pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, por seu desprovimento.

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Maria de Lourdes (relatora):

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal previsto no art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.455/15.

 

Preliminares

1 – Não conhecimento do recurso. Peça digitalizada.

Tanto os recorridos, nas contrarrazões, quanto a Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, indicam tratar-se a peça recursal de documento digitalmente escaneado (fls. 491-502), de modo a não se enquadrar entre as hipóteses de assinatura eletrônica, previstas na Lei n. 11.419/06, tampouco de caso de petição online, da Resolução TSE n. 21.711/04 e que, portanto, seria inexistente.

Apresentam jurisprudência do TSE.

De fato.

Contudo, conferi prazo para a ratificação do ato pelo recorrente, conforme despacho constante à fl. 608, o qual apresentou, no prazo concedido, a peça recursal devidamente assinada, na forma física, fls. 611-623.

Saliento que o TSE possui precedentes pelo não conhecimento das peças no formato digitalizado e, concomitantemente, entende inviável a ratificação do ato em grau de recurso à Corte Superior, o que não é o caso presente, de instância recursal ordinária, perante Tribunal Regional.

ELEIÇÕES 2012. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. REGISTRO DE CANDIDATURA. PEDIDO PARA INGRESSAR NO FEITO. DOCUMENTO COM IMAGEM DIGITALIZADA DE ASSINATURA. INACEITÁVEL. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA PARA SANAR FALHA. INAPLICÁVEL À INSTÂNCIA ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. 1. Os documentos com imagens digitalizadas de assinatura que constituem mera reprodução da assinatura de próprio punho, ante a falta de regulamentação, não são aceitos pelo Poder Judiciário. 2. Obiter dictum, na instância especial, a regularidade da representação é aferida no ato da apresentação das razões do insurgente e, portanto, inadmissível a conversão em diligência visando sanar eventual falha. 3. Agravo regimental não conhecido.

(TSE - AgR-REspe: 4032 CE, Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 17.12.2012, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 17.12.2012.)

Afasto a preliminar.

 

2 – Nulidade por cerceamento de defesa.

Os recorrentes aduzem que o indeferimento de perícia contábil, nos autos do pedido de registro/ação de impugnação, teria cerceado a defesa do pretenso candidato.

Sem razão.

Note-se que o deferimento de produção probatória há de ter, ainda que em tese, potencial de influência na decisão a ser proferida.

E a produção de prova pericial não teria o condão, sequer hipoteticamente, de modificar a noção do julgador acerca da incidência, ou não incidência, da causa de inelegibilidade sob exame.

Senão vejamos.

Os próprios recorrentes aduzem que os pressupostos de incidência para a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90 decorrem da rejeição de contas pela Câmara de Vereadores, por irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, em decisão irrecorrível ou cujos efeitos não estejam suspensos por ordem judicial.

Nessa linha, a perícia vindicada não teria capacidade, nem sequer em tese, para aprovar as contas perante o TCE e a Câmara de Vereadores de Uruguaiana, aferir a sanabilidade do ato ou o elemento volitivo da conduta, atestar a recorribilidade da decisão ou a existência de efeito suspensivo na seara judicial.

Repito: não teria o condão de influenciar em qualquer dessas situações, pressupostos de julgamento, de forma que a prova pericial seria inútil.

Nessa linha, precedente desta Corte, do qual fui relatora:

Recurso. Registro de candidatura. Cargo de vereador. Impugnação. Inelegibilidade. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Decisão de piso que acolheu a impugnação e indeferiu a candidatura. Incursão na inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “o”, da Lei Complementar n. 64/90, em virtude de demissão do serviço público em decorrência de processo administrativo disciplinar.

Matéria preliminar afastada. 1. o partido impugnante não possui legitimidade ad causam, tanto para impugnar, quanto para recorrer de eventual decisão de pedidos de registros de candidatura, a teor do art. 6º, inc. I da Lei n. 9.504/97. É pacífico o entendimento de que a agremiação que se coliga a outra não pode atuar isoladamente perante a Justiça Eleitoral. Entretanto, possibilidade de reconhecimento de causa de inelegibilidade de ofício pelo juízo originário, pois se trata de matéria de ordem pública. 2. o juiz pode indeferir a produção de prova testemunhal se entender que elas não são hipoteticamente úteis ao deslinde da causa, sem que se configure ato restritivo ao postulado da ampla defesa.

É fato incontroverso que houve o rompimento da relação jurídica entre servidor e órgão, decorrente de processo administrativo disciplinar, com aplicação da pena de demissão. A alegação de que o ato administrativo que ocasionou a demissão seria nulo, eis que obtida decisão de primeira instância favorável, não subsiste, em virtude da extinção do feito sem julgamento de mérito, com perda do objeto do processo que tramitava perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, não havendo qualquer decisão do Poder Judiciário que tenha anulado ou suspenso sua demissão, a manutenção da sentença de primeiro grau que indeferiu o registro de candidatura é medida que se impõe.

Provimento negado.  

(RE n. 30-17, julgado em 28.09.2016, publicado em sessão. Unânime.) (Grifei.)

Afasto a preliminar.

 

3 – Perda de objeto. O precedente do TSE.

Sra. Presidente: de ofício, destaco debate acerca do entendimento exarado pelo Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que, não tendo o candidato a cargo majoritário logrado êxito nas eleições de 2016, ou se a soma de seus votos com o de outros candidatos sub judice não alcançar o percentual de 50% (cinquenta por cento) previsto no art. 224 do Código Eleitoral, eventuais recursos pendentes após a divulgação dos resultados hão de perder objeto. Em sessão realizada no dia 06.10.2016, o TSE firmou entendimento nesse sentido.

Transcrevo a ementa do julgado:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕA MAJORITÁRIA. CANDIDATO NÃO ELEITO. DISTRIBUIÇÃO. CÓDIGO ELEITORAL. ART. 260. PREVENÇÃO. MUNICÍPIO. FALTA DE INTERESSE SUPERVENIENTE. PREJUÍZO. APELO.

1. Questão de ordem. Após a apuração dos votos os julgamentos dos pedidos de registro de candidatura podem ter, em tese, reflexo direto sobre a eleição. Assim, os recursos oriundos de um mesmo município devem ser distribuídos ao mesmo relator, na forma do art. 260 do Código Eleitoral: A distribuição do primeiro recurso que chegar ao Tribunal Regional ou Tribunal Superior, prevenirá a competência do relator para todos os demais casos do mesmo município ou Estado.

2. Considerada a alteração da jurisprudência anterior que indicava a não aplicação da regra do art. 260 do Código Eleitoral, o novo entendimento deve ser aplicado apenas aos feitos distribuídos a partir deste julgamento, modulando-se os efeitos, nos termos do art. 927, § 3º, do CPC/2015.

3. Fica prejudicado o recurso que trata do registro de candidatura de quem, na eleição majoritária, obteve número de votos (nulos) insuficientes para alcançar o primeiro lugar ou que, somado a outros votos nulos, não ultrapasse o percentual de 50% (cinquenta por cento) previsto no caput do art. 224 do Código Eleitoral.

Questão de ordem resolvida no sentido da manutenção da distribuição. Recurso Especial prejudicado.

(TSE, RESPE 13646, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, publicado em sessão: 06.10.2016.)

Esse seria o caso do recorrente: candidato a prefeito de Uruguaiana, não logrou êxito nas urnas. Não obteve votos suficientes para a vitória.

Ainda assim, a sua situação atual é de cidadão inelegível.

Grave, portanto. Inegável que tal status se projetaria, ao menos, até as eleições de 2018, acaso o recorrente pretenda concorrer.

E não se trata tão somente de uma situação de fato.

Ela é rigorosamente jurídica, pois resta até o momento verdadeira a afirmação que, relativamente às eleições de 2016, José Francisco Sanchotene Felice foi declarado inelegível pela Justiça Eleitoral.

Esta, a questão que destaco: a Corte Superior não fez distinção entre as diferentes situações que podem ser constatadas por ocasião do pedido de registro de candidatura e acarretar o respectivo indeferimento. Elas podem, e note-se a amplitude do espectro, versar sobre a ausência de uma certidão negativa, um documento comprobatório de alfabetização ou de filiação, até situações mais complexas, como a que ora se apresenta, na qual o pretenso candidato, ora recorrente, foi declarado inelegível pelo juízo de origem.

Seria razoável entender, portanto, que, no caso sob exame, a identificação da “perda superveniente do interesse” não parece aqui tão clara, mormente se considerada a ótica do jurisdicionado, eis que a atual situação lhe atribui a pecha de inelegível – sem, ainda, adentrar ao exame do acerto ou desacerto da sentença guerreada.

Perceba-se, além, que o presente recurso restou concluso a esta relatora em 29.09.2016, antevéspera das eleições – muito já se indicou que a Lei n. 13.165/15 abreviou os prazos do certame eleitoral e, modo reflexo, impingiu a esta Justiça Especializada uma sobrecarga no julgamento dos pedidos de registros de candidatura. Ou seja, nem sequer havia a possibilidade de pautá-lo anteriormente às eleições, o que é realizado neste momento.

Daí, com a devida vênia ao entendimento da Corte Superior, tenho por conhecer do recurso ao entender não havida, excepcionalmente no caso, a perda superveniente do interesse em recorrer.

 

Passo ao exame do mérito.

Inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

A dicção legal é a seguinte:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(…).

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Adentrando nos argumentos recursais, friso que, conforme o dispositivo transcrito, com a redação dada pela Lei Complementar n. 135/10, exige-se, como asseverado pelo recorrente, o preenchimento dos seguintes pressupostos para a caracterização da inelegibilidade em questão: a) contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; b) rejeição por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; c) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

E ressalto: a norma não exige condenação por ato de improbidade administrativa, sendo desnecessário, igualmente, que tenha havido processo judicial a manifestar-se sobre tal circunstância de improbidade.

Dessa forma, o reconhecimento das condições compete à Justiça Eleitoral, não se tratando de nova apreciação das contas, já julgadas pelo órgão competente.

Em realidade, cumpre ao julgador desta especializada, a partir dos fundamentos constantes no julgamento das contas e ratificados pela Câmara de Vereadores, verificar se os atos que levaram à sua desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade. Por isso, e ao contrário do argumentado pelos recorrentes, tem absoluta razão o juízo de origem ao asseverar que “à Justiça Eleitoral, nesse momento, não compete discutir o teor da decisão prolatada pelo soberano órgão competente, ou seja, a Câmara de Vereadores de Uruguaiana/RS, mas, unicamente, averiguar se a decisão prolatada implica na caracterização de alguma causa de inelegibilidade que possa impedir o pretenso candidato a concorrer ao pleito majoritário, conforme requerido inicialmente neste procedimento” (grifei).

A respeito do tema, a doutrina de Rodrigo López Zilio:

A tarefa de aferir se as contas rejeitadas, reputadas insanáveis, têm o condão de apresentar nota de improbidade, gerando restrição ao direito de elegibilidade do administrador público, é da própria Justiça Eleitoral, nos autos da AIRC ou RCED (se matéria de cunho superveniente). Portanto, é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. O julgador eleitoral deve necessariamente partir da conclusão da Corte administrativa sobre as contas apreciadas, para definir a existência da irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade, de modo a caracterizar inelegibilidade.

(Direito Eleitoral. 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, págs. 230-231.)

Essa competência da Justiça Eleitoral é reconhecida pela jurisprudência do TSE, a qual inclusive lhe dita contornos:

ELEIÇÕES 2014. REGISTRO. DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90.

1. Nos termos da alínea g do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades, cabe à Justiça Eleitoral verificar se a falha ou irregularidade constatada pelo órgão de contas caracteriza vício insanável e se tal vício pode ser, em tese, enquadrado como ato doloso de improbidade.

2. Nesse exame, não compete à Justiça Eleitoral:

a) decidir sobre o acerto ou desacerto da decisão que rejeitou as contas; ou b) afirmar a existência, em concreto, de ato doloso de improbidade administrativa, pois, em ambas as situações, ocorreria invasão da competência do órgão de controle de contas ou do juízo natural para o processamento e julgamento da ação de improbidade administrativa, com manifesta violação ao devido processo legal e às garantias da defesa.

3. Para que se possa cogitar minimamente da prática de ato doloso de improbidade administrativa, é necessário que, na decisão que rejeitou as contas, existam elementos mínimos que permitam a aferição da insanabilidade das irregularidades apontadas e da prática de ato doloso de improbidade administrativa, não sendo suficiente a simples menção a violação à Lei nº 9.790/99 e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Recurso ordinário provido.

(Recurso Ordinário n. 88467, Acórdão de 25.02.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14.4.2016, Página 20-21.)

A indicação específica do RO n. 884-67 do TSE é intencional, pois as razões recursais visaram a debater, nitidamente, a abordagem conferida pelo Juízo Monocrático à Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme se verá. De fato, não é viável a caracterização da inelegibilidade apenas com a simples menção de violação à lei, no caso, à LRF.

Aos fatos.

No caso, José Francisco Sanchotene Felice exerceu o cargo de Prefeito de Uruguaiana e, nessa condição, teve suas contas do ano de 2012 desaprovadas, por decisão do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, processo n. 004832-02/15-3 (o qual teve origem no processo n. 005752-02.00/12.1), ratificada pela Câmara de Vereadores de Uruguaiana mediante a edição do Decreto Legislativo n. 35, de 15.07.2016.

Transcrevo a ementa do Parecer n. 18.248, do TCE-RS:

O Tribunal Pleno, por unanimidade, acolhendo o voto do Conselheiro-Relator, por seus jurídicos fundamentos, conhece deste Recurso de Embargos interposto pelo Ministério Público de Contas, representado por seu Adjunto de Procurador Ângelo Gräbin Borghetti, uma vez atendidos os pressupostos legais e regimentais de admissibilidade; e, no mérito, decide por seu provimento, para considerar não atendida a Lei Complementar Federal n. 101/2000 e reverter, em parte, o Parecer Favorável n. 17.833 para Parecer sob o n. 18.248, Desfavorável à aprovação das Contas do Recorrido, Administrador do Executivo Municipal de Uruguaiana no exercício de de 2012.

Ressalto que, para fins de análise da inelegibilidade prevista na al. “g”, não há como afastar a improbidade do ato por simples alegação de inexistência de dolo, má-fé, ardil ou afim por parte do impugnado. Isso porque o dolo em sua modalidade genérica, conforme precedentes do TSE, pode ficar evidenciado pela estampada desproporção do ato praticado, que eventualmente desborde da seara da culpa. A magnitude do ato deve ser, assim, devidamente sopesada.

Igualmente, merece destaque a desnecessidade, no caso, da efetiva comprovação de prejuízo ao erário ou de enriquecimento ilícito, reste bem claro.

Daí, tenho que andou bem a sentença, pois a referida decisão não lastreou a incidência da inelegibilidade apenas na desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, como afirmado nas razões de recurso, mas também deu relevo à abrangência e gravidade dos atos praticados e valores envolvidos, que caracterizaram o desequilíbrio financeiro da gestão da coisa pública.

Note-se trecho da decisão que trata da gravidade e insanabilidade das situações, bem como da ocorrência do dolo genérico no atuar do recorrente, em trechos que vão por mim grifados:

Como se vê, as contas do pretenso candidato relativas ao exercício de 2012 foram rejeitadas sobretudo no tocante a irregularidades que culminaram em déficit orçamentário superior às cifras de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), revelando nítido desequilíbrio financeiro ao município, as quais não podem ter outro predicativo senão de serem insanáveis, porquanto não passíveis de convalidação, expressando, por sua natureza, as consequências financeiras negativas para o próximo mandato subsequente àquele do exercício do ano de 2012.

Para o enquadramento da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I, do artigo 1º da Lei Complementar 64/90 não se exige o dolo específico, bastando para tal o dolo genérico ou eventual, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais, que vinculam e pautam os gastos públicos. Foi exatamente nisso que incorrera o então prefeito municipal, agora pretenso candidato às eleições majoritárias de 2016.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

REJEIÇÃO DE CONTAS - ALÍNEA G DO ARTIGO 10 DA LEI COMPLEMENTAR N° 6411 990 - ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE - INOBSERVÂNCIA DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Em se tratando de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Constituição Federal, esta última quanto à aplicação, no ensino, de valor abaixo do piso fixado, o ato surge como de improbidade, sendo ínsito o elemento subjetivo - o dolo.

(TSE - REspe: 19662 SP, Relator: Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Data de Julgamento: 22.10.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 223, Data 22.11.2013, Página 67.)

Ainda, transcrevo o resumo do voto do conselheiro relator, no processo n. 004832-0200/15-3, julgado pelo Pleno do TCE-RS em 15.12.2015:

Insuficiência Financeira no encerramento do exercício de 2012 no montante de R$ 4.173.898,34, sendo que, ao considerar apenas os Restos a Pagar Processados e abatendo deste montante o impacto do recebimento a menor dos recursos do FPM, a insuficiência financeira no encerramento do exercício importaria em R$ 1.272.005,52 Provimento do Recurso. Não atendimento à Lei de Responsabilidade Fiscal. Parecer Prévio Desfavorável ao Prefeito.

Sigo, a partir daqui, com trecho do próprio voto condutor, seguido, à unanimidade, por ocasião do julgamento técnico:

Assim, quero registrar que em meu entendimento, para fins de avaliação quanto ao desequilíbrio financeiro, a comparação entre a situação financeira do órgão deve ser realizada tanto em relação ao início do mandato, quanto em relação ao exercício anterior. No presente caso, trata-se de Gestor eleito inicialmente para o período de 2005- 2008, reeleito para o mandato de 2009-2012. Nesse sentido, a situação encontrada pelo Gestor ao assumir o mandato de Prefeito no exercício de 2005, cuja insuficiência, em valores nominais, era de R$ 6.967.520,35, foi devidamente sopesada para fins de julgamento das contas do exercício de 2008. Observo que no exercício de 2008 não foi verificada insuficiência financeira. Com a devida vênia ao posicionamento adotado pela Segunda Câmara, a emissão de Parecer Favorável na presente situação, em minha opinião, é um contrassenso ao que preconiza a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ora, se o Gestor obteve sucesso na redução do desequilíbrio financeiro em determinado período, tal situação não deve ser uma atenuante para que gere o mesmo desequilíbrio em momento futuro. Ainda mais, no presente caso, pelo fato do Gestor ter zerado a insuficiência financeira em um mandato (final do exercício de 2008) e ter elevado significativamente tal insuficiência no mandato seguinte (final do exercício de 2012). Como manifestei anteriormente, ainda que fossem considerados apenas os Restos a Pagar Processados e fossem abatidos os valores recebidos a menor por conta da desoneração do IPI, a insuficiência financeira no encerramento de 2012 corresponde a R$ 1.272.005,52. Ou seja, valor suficiente para macular a globalidade das contas e ser considerado para fins de não atendimento à LRF e para a emissão do Parecer Prévio Desfavorável. Por este motivo, entendo que o apelo deve ser provido. (Grifei.)

Além, de salientar que a prática se enquadra, ainda que em tese, nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, mormente as atinentes aos princípios administrativos (art. 11 da Lei n. 8.429/92), conforme indicado no voto condutor pela desaprovação das contas, por ocasião da edição do Decreto Legislativo n. 35/2016, pela Câmara de Vereadores de Uruguaiana.

Tratou-se de atos violadores do dever de legalidade, os quais consistiram em prática insanável e de alta repercussão financeira, apta a gerar inelegibilidade mediante a análise desta Justiça Eleitoral. A mesma linha de posicionamento encontra-se estampada no seguinte julgado do TSE, o qual versa sobre o reconhecimento de atos relevantes de má administração e da incidência da causa de inelegibilidade sob comento:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATO. PREFEITO. REJEIÇÃO DE CONTAS. VÍCIOS INSANÁVEIS. ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO. REGISTRO INDEFERIDO.

1. De acordo com a assente jurisprudência deste Tribunal, cabe à Justiça Eleitoral analisar a decisão do órgão competente para o julgamento das contas, com a finalidade de proceder ao enquadramento jurídico dos fatos aos requisitos legais contidos na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.

2. Não cabe a esta Justiça especializada a análise do acerto ou desacerto da decisão da Corte de Contas, o que inviabiliza o exame de alegações que tenham por finalidade afastar os fundamentos adotados para a rejeição das contas, sob pena de grave usurpação de competência.

3. As rejeições das contas do recorrido, relativas a quatro processos, em sede de tomadas de contas especiais, com imputação de débito, indicação de dano ao erário e da prática de ato ilegal, ilegítimo, antieconômico e de infração à norma legal ou regulamentar, além da ocorrência de omissão no dever de prestar contas e de julgamento à revelia, demonstram a má administração dos recursos públicos, o descaso com a coisa pública, a conduta consciente do agente no descumprimento de normas as quais estão vinculados todos os administradores de bens e valores públicos e a configuração de ato de natureza ímproba, a atrair a inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.

4. Recurso especial provido para indeferir o registro da candidatura.

(Recurso Especial Eleitoral n. 2437, Acórdão de 29.11.2012, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 29.11.2012.)

No caso posto, José Francisco Sanchotene Felice exerceu o cargo de Prefeito de Uruguaiana e teve suas contas do ano de 2012 desaprovadas por decisão da Câmara de Vereadores daquele município, conforme constante no Decreto Legislativo n. 35, de 15.7.2016 (fl. 44).

Assim, a Câmara exerceu sua competência de julgamento das contas de governo e das contas da gestão dos prefeitos, consoante assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto dos REs ns. 848826 e 729744, baseando tal decisão no parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, processo n. 004832-0200/15-3.

Como já asseverado, o Decreto Legislativo tem data de 15.7.2016, e não há notícia de sua suspensão ou anulação pelo Poder Judiciário. 

Por conseguinte, tomando-se como marco a data da decisão sobre as contas, o recorrente está inelegível até 15.07.2024.

Ao final, para evitar eventual alegação de omissão no julgado, consigno que, por força do decidido nas ADCs n. 29 e 30 e ADI n. 4.578, Rel. Min. Luiz Fux, restou definitivamente assentado pela Suprema Corte que as hipóteses de inelegibilidade e os prazos mais rigorosos introduzidos pela Lei Complementar n. 135/10 podem ser aplicados aos fatos cometidos anteriormente à sua vigência, sem que importe em violação à Constituição Federal.

Visando à elucidação do ponto, transcrevo a seguinte ementa:

AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM JULGAMENTO CONJUNTO. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA, PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL. ATENDIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO: FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI. AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM 2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 4. Não é violado pela Lei Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico. 7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição Federal. 10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil), ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé. 11. A inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. 12. A extensão da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em julgado. 13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes, mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral).

(ADI 4578, Relator: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28.06.2012 PUBLIC 29.06.201.)

Além disso, consoante sedimentado pela Corte Suprema, em sede de controle concentrado de constitucionalidade – dotado de eficácia erga omnes e de efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, ex vi do art. 102, § 2ª, da CF/88 –, a inelegibilidade não é sanção.

Trata-se de um requisito negativo a ser observado no momento do pedido de registro de candidatura, de acordo com a legislação vigente a esse tempo. Ressalvadas as hipóteses nas quais o prazo da restrição tenha sido integralmente cumprido sob a égide da lei anterior, não há direito adquirido a regime de inelegibilidade.

Dou por prequestionados todos os dispositivos legais invocados.

 

Pelo exposto, afastada matéria preliminar, incidente a hipótese de inelegibilidade prevista na al. “g” do art. 1º, inc. I, da Lei Complementar n. 64/90, o VOTO é pela manutenção da sentença e o consequente desprovimento do recurso de JOSÉ FRANCISCO SANCHOTENE FELICE e Coligação RETOMADA E DESENVOLVIMENTO. Como trata-se de registro ao cargo de prefeito, fica INDEFERIDA igualmente a chapa majoritária da Coligação RETOMADA E DESENVOLVIMENTO, por força de sua indivisibilidade.

 

(Julgamento suspenso em face do pedido de vista do Des. Marchionatti. Demais julgadores aguardam voto-vista.)