REl - 0600902-02.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/05/2025 00:00 a 23/05/2025 23:59

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo. A intimação da sentença foi publicada no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral em 26.11.2024, sendo o recurso interposto em 29.11.2024.

Outrossim, encontram-se presentes os demais requisitos ínsitos à tramitação processual.

Destarte, conheço do recurso.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar no mérito do recurso, deve-se considerar a admissão dos documentos apresentados após a interposição do recurso eleitoral. Nesse ponto, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

In casu, tem-se por privilegiar o direito de defesa, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se das ementas oriundas deste TRE-RS, colacionadas a título exemplificativo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23.604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000458320216210079 MANOEL VIANA - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 07/11/2023) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa - a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data: 26/07/2023.) (Grifei.)

Por essas razões, conheço dos documentos acostados no ID 45955635 e anexos, consistentes em carta de correção eletrônica de notas fiscais emitidas por Posto de Combustíveis Guarany Ltda., de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento da irregularidade apontada.

 

MÉRITO

A controvérsia cinge-se à regularidade de gastos realizados com recursos públicos, especificamente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), cujo uso e comprovação estão sujeitos à estrita observância das regras da Resolução TSE n. 23.607/19, que é clara ao exigir a identificação precisa dos veículos utilizados nas campanhas, bem como a compatibilidade dos gastos com combustível com a efetiva utilização registrada em relatórios e documentos comprobatórios, tal qual destaco da redação do art. 35, da norma em questão:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26) :

(...)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

(...)

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim;

No caso em exame, restou demonstrada irregularidade na comprovação de gastos quitados com recursos do FEFC, verificando-se o gasto de R$ 4.987,70 de recursos despendidos com combustíveis (796 litros), 542 litros constam no relatório do posto trazido aos autos. Destes 542 litros, 192 foram anotados para o veículo placas IDS2299, ausente nos registros da prestação de contas.

Tais falhas comprometem a transparência e rastreabilidade exigidas na aplicação de recursos públicos, não podendo ser tidas como meras falhas formais.

Ademais, não pode prosperar o argumento de que a identificação de placas não seria exigida, uma vez que o art. 35, § 11, incs. II, “a” e al. “b”, da mesma Resolução TSE n. 23.607/19, supratranscrito, impõe a obrigatoriedade de registro dos veículos utilizados e da destinação dos gastos com combustíveis, o que não foi observado.

Mister asseverar que a inobservância dos requisitos formais na comprovação de despesas com recursos do FEFC é de ser considerada irregularidade grave, dando ensejo à desaprovação de contas.

Neste sentido, o Tribunal Superior Eleitoral tem reiterado que a ausência de registro adequado de despesas, como a falta de identificação dos veículos utilizados, compromete a transparência e a confiabilidade das contas, sendo suficiente para justificar sua desaprovação, conforme se verifica no precedente daquela Corte Superior abaixo colacionado:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO FEDERAL. DECISÃO REGIONAL. DESAPROVAÇÃO. GASTO EXPRESSIVO DE COMBUSTÍVEL EM CAMPANHA COM ALEGADA UTILIZAÇÃO APENAS DE VEÍCULO PRÓPRIO USO DE RECURSOS DO FEFC. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE OUTROS VEÍCULOS, IRREGULARIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral desaprovou, por unanimidade, as contas de campanha do agravante, referentes ao pleito de 2018, quando ele concorreu ao cargo de deputado federal, determinando o recolhimento de R$ 3.186,80 ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 82, §§ 1º e 2º, da Res.–TSE 23 .553. 2. Por meio da decisão agravada, foi negado seguimento ao recurso especial, em razão da incidência dos verbetes sumulares 24 e 30 do Tribunal Superior Eleitoral, tendo o candidato manejado agravo regimental. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 3 . O agravante se limitou a reproduzir algumas das razões já lançadas por ocasião da interposição do recurso especial, sem infirmar especificamente os fundamentos da decisão agravada, que refutou todas as alegações suscitadas e as ora reiteradas. Incidência do verbete sumular 26 do Tribunal Superior Eleitoral. 4. O art. 63, § 5º, I, da Res.–TSE 23.553, ao reproduzir o art. 26, § 3º, a, da Lei 9 .504/97, preconiza a dispensa de registro de gasto de natureza pessoal na prestação de contas dos candidatos com combustível e manutenção de veículo automotor usado na campanha pelo próprio candidato, não o considerando gasto eleitoral. 5. Não se pode acolher a exegese pretendida pelo recorrente de que o art. 63, § 5º, I, da Res. TSE 23.553 e o art. 26, § 3º, a, da Lei 9.504/97 – que o desoneram do registro de tais despesas de caráter pessoal – pudessem ser aplicados, inclusive, na hipótese de utilização de recursos públicos, porquanto seria manifesto o prejuízo à fiscalização da Justiça Eleitoral, o que ensejaria até mesmo possível prática de burla na aplicação dessas receitas. 6. Uma compreensão razoável à questão é no sentido de que, na hipótese de uso de recursos públicos, é exigível, dada a sua natureza, que as respectivas despesas sejam, necessariamente, objeto de registro na prestação de contas, não sendo, portanto, aplicável a regra permissiva do art. 26, § 3º e respectivas alíneas, da Lei das Eleições, mesmo que se trate de gasto de natureza pessoal do candidato. 7. O disposto no art. 26, § 3º, da Lei das Eleições – incluído pela Lei 13.488/2017 e que discrimina despesas específicas de natureza pessoal do candidato e estabelece que não serão elas qualificadas como gasto eleitoral nem se sujeitam à prestação de contas – incide somente nos casos que envolvam utilização de recursos privados. 8 . Esta Corte Superior firmou o entendimento de que "a determinação de devolução ao erário dos recursos oriundos de fundos compostos por recursos públicos não constitui penalidade, tendo como finalidade a recomposição do estado de coisas anterior. Precedente: AgR– AI 7007–53, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 7 .11.2013" (AgR–REspe 0607014–27, de minha relatoria, DJE de 12.2.2020) . 9. O TSE já assentou que "configura falha insanável, a ensejar a desaprovação das contas, o candidato declarar gastos com combustível sem, contudo, registrar a cessão ou o aluguel dos veículos respectivos, porquanto comprometida a regularidade do ajuste" (ED–REspe 0605451–95, rel. Min. Luís Felipe Salomão, DJE de 23 .3.2020). CONCLUSÃO Agravo regimental a que se nega provimento. (TSE - RESPE: 060111698 NATAL - RN, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 04/06/2020, Data de Publicação: 23/06/2020)

Por outro lado, conforme registrado no relatório, o recorrente trouxe novos documentos – cartas de correção - a fim de corroborar suas razões recursais.

Todavia, não tem a referida documentação o condão de afastar a irregularidade apontada.

Ocorre que na planilha com os veículos abastecidos no posto de gasolina, trazida aos autos pelo próprio recorrente, aparece o automóvel não declarado na prestação de contas, ainda que posteriormente com a juntada das cartas de correção esse veículo tenha sido então retirado da contabilidade de sua campanha.

Assim, do ponto de vista formal, essa documentação poderia consistir em prova em favor do recorrente, circunstância que, no entanto, não se revela possível, concretamente, ante ao teor contido na própria planilha de gastos com o abastecimento com combustíveis do posto de gasolina, onde aparece o veículo placas IDS2299, ausente nos registros da prestação de contas, originalmente.

Nesse sentido, o conjunto probatório constante no presente processo indica a ocorrência de irregularidades na prestação de contas realizada pelo candidato, não sendo factível a alegação de erro de terceiro que pudesse caracterizar eventual hipótese de sanabilidade dessas contas.

Ainda, por derradeiro, cabe gizar que a irregularidade apontada perfaz um total de R$ 2.794,62 e representa 16,93% do montante de recursos movimentados referentes ao FEFC.

Trata-se de percentual expressivo e que, conforme jurisprudência consolidada justifica a desaprovação das contas, por caracterizar irregularidade grave e de natureza insanável, tal qual colaciono no seguinte entendimento deste e. Tribunal:

Em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (TRE-RS, REl n. 060002152, Relator: Des. Mario Crespo Brum, Publicação: 03.9.2024.).

Dessa forma, não se vislumbra qualquer ilegalidade ou desproporcionalidade na sentença recorrida que determinou a devolução ao erário do valor do FEFC irregularmente aplicado, mantendo sua manutenção como medida impositiva.

Ante o exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por HENRIQUE RAFAEL DOS SANTOS.