PC-PP - 0600168-56.2023.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/05/2025 00:00 a 23/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo, e preenche todos os demais pressupostos processais relativos à espécie, de modo que está a merecer conhecimento.

Há prefaciais a serem analisadas. 

1. Preliminar. Documentos juntados após o parecer conclusivo, em alegações finais (ID 45642313 a 45642319), e petição para aplicação da EC n. 133/24 (ID 45683486).

Destaco que o DIRETÓRIO REGIONAL DO PROGRESSISTAS do RIO GRANDE DO SUL apresentou documentação em sede de alegações finais, posteriormente aditadas - após o parecer conclusivo oferecido pelo órgão técnico contábil deste Tribunal, portanto.

Os documentos serão objeto de conhecimento, adianto, pois possuem conteúdo aferível primo ictu oculi, sem a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares. Sigo, dessa forma, o pacífico entendimento apresentado por esta Justiça Especializada em diversos precedentes.

Destaco ademais que fora assegurado, ao órgão ministerial, o conhecimento de tais documentos.

2. Preliminar. Modo de cumprimento de eventuais determinações de recolhimento de valores (ID 45642313 a 45642319).

Em aditamento às razões finais, o partido requer “seja autorizado que os valores decorrentes de eventual condenação no presente processo possam ser pagos mediante a utilização de cotas do fundo partidário, nos termos do art. 48, § 4º e inc. II, da Resolução TSE n. 23.604/19”.

Contudo, o presente momento processual não é adequado - seria possível apontá-lo como momento inapto - para a subsunção do comando legislativo invocado pelo partido prestador de contas.

Indico que futuramente, em eventual fase executória de cumprimento de sentença, poderá ser possível a análise do quanto vindicado.

Indefiro o pedido e afasto também esta prefacial.

3. Aplicabilidade da EC n. 133/24 (ID 45683486).

Em um segundo aditamento às razões finais, o PROGRESSISTAS peticiona a aplicação imediata da Emenda Constitucional nº 133/24, publicada no Diário Oficial da União em 23.8.2024, especificamente quanto aos artigos que transcrevo:

Art. 4º É assegurada a imunidade tributária aos partidos políticos e a seus institutos ou fundações, conforme estabelecido na alínea "c" do inciso VI do caput do art. 150 da Constituição Federal.

§ 1º A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, bem como os juros incidentes, as multas ou as condenações aplicadas por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais em trâmite em execução ou transitados em julgado, e resulta no cancelamento das sanções, na extinção dos processos e no levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência. (grifei).

§ 2º O disposto no § 1º deste artigo aplica-se aos processos administrativos ou judiciais nos quais a decisão administrativa, a ação de execução, a inscrição em cadastros de dívida ativa ou a inadimplência tenham ocorrido em prazo superior a 5 (cinco) anos.

Art. 6º É garantido aos partidos políticos e seus institutos ou fundações o uso de recursos do fundo partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, de outras sanções e de débitos de natureza não eleitoral e para devolução de recursos ao erário e devolução de recursos públicos ou privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas.

Parágrafo único. Os órgãos partidários de esfera hierarquicamente superior poderão utilizar os recursos do fundo partidário para a quitação de débitos, ainda que parcial, das obrigações referidas no caput deste artigo dos órgãos partidários de esferas inferiores, inclusive se o órgão originalmente responsável estiver impedido de receber esse tipo de recurso.

(…)

Art. 7º O disposto nesta Emenda Constitucional aplica-se aos órgãos partidários nacionais, estaduais, municipais e zonais e abrange os processos de prestação de contas de exercícios financeiros e eleitorais, independentemente de terem sido julgados ou de estarem em execução, mesmo que transitados em julgado.

 

O pedido é de inviável acolhida. Explico.

A impossibilidade se deve em razão do caráter da imunidade: tributária. A imunidade tributária constitucional conferida às agremiações políticas não é matéria própria das prestações de contas, quer de candidatos ou de partidos, eleitorais e de exercícios financeiros, ou seja, não se identifica natureza tributária nos objetos de julgamento da contabilidade partidária por parte desta Justiça Especializada, a indicar a inaplicabilidade da nova disposição legal.

Bem analisa tal questão, o voto do Eminente Des. Mário Crespo Brum, PC-PP n. 0600240-77, do qual transcrevo excerto do voto:

A norma é bastante clara no sentido de regulamentar a imunidade tributária constitucional deferida aos partidos políticos, o que não é matéria típica de prestação de contas partidárias ou eleitorais.

De outra sorte, as impropriedades e irregularidades verificadas pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas, e suas consequências jurídicas, não ostentam natureza tributária (TSE – AgR-REspe n. 53567/RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 10.02.2015, Data de Publicação: DJE de 12.03.2015), o que se afigura suficiente para concluir pela inaplicabilidade do art. 4º da EC n. 133/2024 no julgamento de tais processos.

No mesmo sentido, uma interpretação sistemática do conjunto de normas de Emenda Constitucional n. 133/2024 confirma que o art. 4º não pode ser considerado óbice ao poder-dever da Justiça Eleitoral de fiscalizar as contas partidárias e impor determinações de recolhimento ao erário ou outras sanções de natureza não tributária.

Com efeito, a referida Emenda Constitucional trata de diversos temas, incluindo:

a) a obrigatoriedade da aplicação de recursos financeiros para candidaturas de pessoas pretas e pardas (art. 2º);

b) prevê uma anistia por irregularidades atinentes à aplicação de recursos em candidaturas de pessoas pretas e pardas realizadas até a data da sua promulgação (art. 3º);

c) reforça a imunidade tributária dos partidos políticos conforme prevista na Constituição Federal (art. 4º);

d) estabelece parâmetros e condições para regularização e refinanciamento de débitos de partidos políticos, criando um Refis aos partidos políticos (art. 5º);

e) assegura aos partidos políticos a utilização de recursos do Fundo Partidário para o pagamento de sanções, penalidades e devolução de recursos públicos e privados a eles imputados pela Justiça Eleitoral (art. 6º); e

f) amplia as hipóteses de dispensa de emissão de recibo eleitoral (art. 8º).

Assim, caso o legislador constituinte derivado pretendesse o cancelamento ou extinção de todas as devoluções e recolhimentos de valores determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, não seria necessária a criação de uma anistia específica para irregularidades envolvendo a aplicação de recursos em candidaturas de pessoas negras e pardas, tampouco faria sentido a criação de Refis para a regularização tais débitos.

Destaco que mesmo quanto a utilização dos recursos do Fundo Partidário para pagamento de multas, juros e/ou encargos, como ocorrido no presente caso, não há de ser aplicada a nova disposição, haja vista o tempo da ocorrência dos fatos – anteriores à vigência da emenda constitucional.

No ponto, mais uma vez transcrevo parte do paradigmático voto do Ilustre Des. Mário Crespo Brum:

Nada obstante, o dispositivo invocado não prevê uma anistia, remissão ou qualquer outra forma de extinção das irregularidades anteriormente praticadas, vindo apenas a permitir, a partir da sua vigência, a utilização de recursos do Fundo Partidário em gastos anteriormente vedados.

Ocorre que o art. 17, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19 é válido e constitucional em sua origem. Dessa forma, o conflito estabelecido com a norma constitucional superveniente, que cria uma disposição diversa ou incompatível, deve ser resolvido pela técnica da revogação, e não pela invalidação da norma anterior.

Consoante explicitado no paradigmático voto do Ministro Paulo Brossard no julgamento da ADI n. 2:

Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior, tratar-se-á de revogação, pouco importando que a lei posterior seja ordinária, complementar ou constitucional. Em síntese, a lei posterior à Constituição, se a contrariar, será inconstitucional; a lei anterior à Constituição, se a contrariar, será por ela revogada, como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse. Como ficou dito e vale ser repetido, num caso, o problema é de direito constitucional, noutro, é de direito intertemporal.

(ADI 2, Relator: MINISTRO PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 6.2.1992, DJ 21.11.1997)

Assim, igualmente afasto o pedido.

4. Mérito das contas.

No mérito, o PROGRESSISTAS do RIO GRANDE DO SUL presta contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, disciplinado quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.604/19.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidades remanescentes relativas (1) ao recebimento de verbas de fontes vedadas, pessoa jurídica; (2) ao recebimento de verbas de fontes vedadas, pessoas físicas que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2022; e (3) à ausência de comprovação de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário.

Passo à análise.

4.1. Do recebimento de recursos de fontes vedadas – pessoa jurídica.

A unidade técnica contábil verificou, por meio dos extratos bancários eletrônicos, o ingresso de 12 (doze) depósitos mensais de R$ 100,00, total R$ 1.200,00, cuja origem indicada foi pessoa jurídica. Ao partido foi oportunizada a produção de esclarecimentos, sem aproveitamento.

Dessarte, à míngua de elementos probatórios oferecidos pelo PROGRESSISTAS, ou do banco de dados da Justiça Eleitoral relativos aos referidos depósitos, julgo que o apontamento há de ser mantido e a quantia equivalente deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

4.2. Do recebimento de recursos de fontes vedadas – ocupante de cargo público  exonerável ad nutum.

Neste tópico, a unidade contábil identificou o recebimento de contribuições de pessoas físicas não filiadas ao PROGRESSISTAS, as quais exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário no exercício de 2022, em afronta à vedação prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.604/19, art. 12,  inc. IV e § 1º. Transcrevo os dispositivos:

Lei 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Resolução TSE n. 23.604/19:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(…)

 

As operações tidas como irregulares encontram-se discriminadas na tabela que segue, com as minúcias relativas aos doadores e correspondentes valores de doações:

A agremiação deixou de aproveitar as oportunidades de manifestação no relativo também a este segundo apontamento, e impõe-se sejam reconhecidas as fontes vedadas no montante total de R$ 9.184,00, conforme o art. 14, §1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

3.3. Das irregularidades na aplicação dos recursos do Fundo Partidário.

O presente subitem é o de maior relevo financeiro. A Secretaria de Auditoria Interna indicou despesas irregulares remanescentes na aplicação do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (o "Fundo Partidário"), no total de R$ 65.326,08, conforme especificações constantes da tabela que segue:


 

Como referido, a agremiação apresentou alegações e documentos após o parecer conclusivo da SAI,  especificamente no que concerne aos pontos 52 e 53 da tabela supra, cuja vista fora dada à Procuradoria Regional Eleitoral.

3.3.1. Item 52. 

Assim se pronuncia o PROGRESSISTAS:

Na Tabela 3ª, referente aos itens 52 e 53, passamos a apresentar os seguintes esclarecimentos complementares: 1 – Com relação ao item 52 – pagamento de R$ 12.375,95 – consta o apontamento de que “não especifica qual seria o objeto do título e os valores de juros e multas”.

Conforme se verifica pela documentação anexa, o protesto pago se refere ao pagamento de IMPOSTO – IRRF – no valor principal de R$ 8.505,33, o que somados com os R$ 1.701,06 (multa) e R$ 1.966,50 (juros), totalizam a quantia de R$ 12.172,89 que consta no título protestado e que foi devidamente pago:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Desse modo, deve ser reconhecida a legalidade da utilização do fundo partidário para o pagamento da quantia de R$ 8.505,33 referente a quitação de IRRF, devendo tal numerário ser afastado da imposição de devolução ao tesouro nacional.

 

Julgo que assiste parcial razão ao prestador de contas, que logrou comprovar que o total de R$ 12.172,87 se compunha de: (i) valor principal de dívida ativa, R$ 8.505,33, referente a “R D ATIVA – IRRF); (ii) multa, R$ 1.701,06; e (iii)  juros, R$ 1.966,50.

3.3.2. Item 53.

Houve a seguinte manifestação:

Quanto ao item 53, no valor de R$ 3.183,82 – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, o aponte se refere ao fato de que, por um erro de digitalização, faltou uma página do documento. O documento impugnado segue anexo a presente petição.

Desse valor, deve ser reconhecido como lícita a utilização de R$ 2.476,62 do fundo partidário – visto que se trata do valor principal do título (sem juros e multa):

 

Assim, devem ser parcialmente afastados os apontamentos que constam nos itens 52 e 53 da tabela 03A juntada no Id 45639191, e, por consequência, reduzido o valor de R$ 10.981,95 a ser devolvido ao tesouro nacional (R$ R$ 8.505,33 DE IRRF + R$ 2.476,62 DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA).

Note-se que a agremiação apresentou a parte faltante do registro de arrecadação de DARF (documento n. 07032226502878487), de forma que há de ser afastada a irregularidade no que diz respeito ao valor principal da dívida (contribuição previdenciária) e, do total indicado pela unidade técnica  (R$ 65.326,08), deve ser reduzida a quantia de R$ 10.981,95:

a) R$ 8.505,33, referentes ao principal da dívida de IRRF;

b) R$ 2.476,62, valor principal da dívida de contribuição previdenciária.

Desse modo, a importância irregularmente gasta com recursos do Fundo Partidário, e passível de recolhimento, é de R$ 54.344,13 (cinquenta e quatro mil trezentos e quarenta e quatro reais com treze centavos).

Conclusão.

O total de irregularidades, R$ 64.728,13 (R$ 1.200,00 + R$ 9.184,00 + R$ 54.344,13), representa 1,95% (um vírgula noventa e cinco por cento) dos R$ 3.315.238,75 arrecadados pela agremiação, circunstância que permite, na linha de entendimento pacificado deste Tribunal, a construção de um juízo de aprovação com ressalvas, mediante a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Diante do exposto, VOTO para rejeitar as preliminares e pela aprovação com ressalvas das contas do exercício financeiro de 2022 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PROGRESSISTAS do RIO GRANDE DO SUL; e determino o recolhimento do valor de R$ 64.728,13 (sessenta e quatro mil setecentos e vinte e oito reais e treze centavos) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 58, § 2º, da Resolução TSE n. 23.604/19.