REl - 0600389-05.2024.6.21.0097 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/05/2025 00:00 a 23/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, discute-se se a participação dos investigados, ora recorridos, então vereadores e candidatos à reeleição, em eventos institucionais organizados pela Prefeitura de Esteio/RS, especificamente o Desfile Cívico de 7 de setembro e a Abertura da Semana Farroupilha em 14 de setembro de 2024, configurou abuso de poder político e conduta vedada a agente público, nos termos da legislação eleitoral.

A coligação recorrente aponta que os candidatos se utilizaram da estrutura pública para promoção pessoal, em detrimento da isonomia do pleito. Defende que os eventos, custeados por verba pública pelo Poder Executivo do Município, teriam servido a finalidades eleitorais, com ampla divulgação nas redes sociais, vinculando as imagens dos mandatários a atos públicos prestigiados, nos quais a presença de outros candidatos era ausente ou limitada.

Segundo a petição inicial, tais condutas caracterizariam abuso de poder político, bem como se amoldariam às hipóteses previstas nos arts. 73, incs. II, III e IV, e 74 da Lei n. 9.504/97, assim redigidos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(…).

Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro ou do diploma.

 

A análise dos elementos constantes nos autos, inclusive vídeos, fotografias e postagens em redes sociais, revela que os recorridos, de fato, compareceram aos eventos e figuraram nos palanques oficiais, em posição visível ao público.

Ocorre que a dispensa de desincompatibilização dos candidatos permite a continuidade do exercício das funções do cargo de vereador, incluindo participação em eventos públicos, desde que não tenham finalidade exclusivamente eleitoreira.

Por outro lado, não há prova de que, nessas ocasiões, tenham praticado qualquer conduta de natureza eleitoral, como pedido de voto, menção a número de candidatura ou promoção pessoal vinculada à disputa.

Igualmente, não há comprovação de que os vereadores teriam feito uso da palavra ou que teriam, de qualquer forma, sido enaltecidos nos discursos proferidos por outras autoridades, além das referências naturais do protocolo cerimonial.

O comportamento dos recorridos, conforme se depreende das imagens e dos vídeos acostados aos autos, limitou-se ao comparecimento silencioso no palanque oficial, sem qualquer manifestação político-partidária ou eleitoral durante a realização dos eventos.

Consoante bem observado pelo Magistrado sentenciante:

(...) todos os réus são atualmente vereadores em exercício de seus mandatos, eleitos em 2020 para o exercício 2021/2024, que estão concorrendo à reeleição.

Não há determinação legal de afastamento dos detentores de mandato para concorrerem à reeleição e, via de consequência, não estão impedidos também de realizarem atos inerentes ao cargo que ocupam, desde que tais atos não impliquem em pedido, implícito ou explícito, de voto.

Em nenhuma das provas juntadas aos autos verifico a utilização dos palanques oficiais para discurso de qualquer dos réus ou, ainda, que os mesmos estivessem portando propaganda eleitoral de qualquer espécie, inclusive em suas vestes. Apenas estavam presentes, como de fato poderiam estar, como legítimos detentores de mandato, representantes legislativos da população esteiense.

 

Inexiste, também, evidência mínima de que bens, pessoal ou serviços do Município tenham sido efetivamente empregados para promover os candidatos, o que fragiliza de imediato a configuração das condutas vedadas atribuídas na petição inicial.

Apesar de terem sido registradas filmagens e fotografias da ocasião, posteriormente divulgadas nas redes sociais dos candidatos, as captações ocorreram em solenidade aberta ao público, não havendo prova cabal do uso concreto e privilegiado de recursos públicos para fins eleitorais.

Os atos e as ações praticadas no exercício do mandato podem ser divulgados em suas redes sociais privadas, desde que sem a utilização da estrutura administrativa em proveito pessoal. Nesse sentido, a Corte Superior já enunciou que “não há privilégio ou irregularidade na publicação de atos praticados durante o exercício do mandato; especificamente, porque veiculados sem utilização de recursos públicos em meio acessível a todos os candidatos e apoiadores, como é o caso das mídias sociais” (TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 1519-92, Acórdão, Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, 28.6.2019).

No caso concreto, os recorridos participaram e noticiaram o comparecimento em ato oficial, no exercício de suas funções públicas, de forma adequada e discreta, de modo que as condutas não ostentam gravidade capaz de comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

Nesses casos, quando ausente a promoção pessoal e a participação ativa de candidato em evento oficial, a jurisprudência do TSE tem aplicado o princípio da proporcionalidade para afastar a configuração de ilícito eleitoral, por entender que não se configura a quebra da igualdade de chances entre os candidatos na disputa eleitoral:

ELEIÇÕES 2014. RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. PRELIMINARES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO APTOS, EM TESE, A INFIRMAREM A DECISÃO RECORRIDA. DECADÊNCIA. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE CANDIDATOS E AGENTE QUE COMETE O ABUSO. ENTENDIMENTO FIXADO PELA JURISPRUDÊNCIA DO TSE PARA AS ELEIÇÕES DE 2016 E POSTERIORES. SEGURANÇA JURÍDICA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. MÉRITO. ABUSO DE PODER POLÍTICO. COMPARECIMENTO EM SOLENIDADES DO GOVERNO FEDERAL DE ENTREGA DE BENS E SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DAS SOLENIDADES PARA PROMOÇÃO DE PRÉ-CANDIDATOS OU ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE PELA ENTREGA DE BENESSES. CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO. INEXISTÊNCIA DE ATO ABUSIVO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. […]. 3. A presença de pré-candidatos em solenidades oficiais do Governo Federal de entrega de bens e serviços não configura, por si só, ato de abuso de poder político. 4. Há conjunto probatório sólido demonstrando a inexistência de destaque da condição de pré-candidatos dos recorridos ou que lhes foi atribuída a responsabilidade pela concessão de bens e serviços públicos objeto das solenidades. 5. Inexistente a demonstração de ato de abuso de poder político, revela-se acertado o acórdão regional que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral.6. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(TSE; Recurso Ordinário nº 464429, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 21/02/2019) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. VEREADOR. CONDUTA VEDADA. COMPARECIMENTO À INAUGURAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. ART. 77 DA LEI No 9.504/97. CONCLUSÃO REGIONAL: PARTICIPAÇÃO SEM DESTAQUE. AUSÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. PROPORCIONALIDADE. SANÇÃO DE CASSAÇÃO. INADEQUAÇÃO AO CASO. ACERVO PROBATÓRIO. REEXAME. INSTÂNCIA ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA No 24/TSE. DESPROVIMENTO.1. A jurisprudência do TSE admite a aplicação do princípio da proporcionalidade na representação por conduta vedada descrita no art. 77 da Lei no 9.504/97, para afastar a sanção de cassação do diploma, quando a presença do candidato em inauguração de obra pública ocorre de forma discreta e sem a sua participação ativa na solenidade, de modo a não acarretar a quebra de chances entre os players (AgR-REspe nº 1260-25/SE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 5.9.2016; RO nº 1984-03/ES, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 12.9.2016; AgR-REspe nº 473-71/PB, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 27.10.2014).2. In casu, no exame do caderno probatório, o TRE, embora reconhecendo o comparecimento do candidato, assentou que a sua presença no evento se deu sem qualquer destaque que pudesse comprometer minimamente o equilíbrio do pleito, motivo pelo qual deixou de aplicar a sanção de cassação.3. A partir da moldura fática delineada no acórdão regional, cuja revisão, nesta instância, demandaria o vedado reexame de fatos e provas (Súmula no 24/TSE), tem-se que a conclusão regional está alinhada com a jurisprudência deste Tribunal.4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(TSE; Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 49645, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 28/09/2017) (Grifei.)

 

Diante desse contexto, ausente prova inequívoca de desvio de recursos públicos para fins eleitorais ou da prática de atos graves de desequilíbrio na disputa eleitoral, impõe-se a manutenção da sentença de improcedência da ação.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.