REl - 0600752-21.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 22/05/2025 00:00 a 23/05/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, discute-se a irregularidade apontada na prestação de contas do recorrente, referente à emissão de cheques nominais sem cruzamento, em desacordo com o disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que, apesar de emitidos de forma nominal, os títulos não foram cruzados.

A exigência de cruzamento do título visa a impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

O recorrente sustenta, em suas razões, que, ainda que os cheques não tenham sido cruzados, seria possível identificar os beneficiários dos pagamentos, o que afastaria a necessidade de devolução dos valores, pois estaria preservada a rastreabilidade dos valores.

Tais argumentos já haviam sido apresentados por ocasião da resposta à diligência determinada em primeiro grau (ID 45825270), quando o candidato alegou, quanto ao cheque de R$ 300,00 (n. 850003), que a compensação bancária registra como beneficiária Vitória Cardoso da Silva, esposa de Luiz Carlos Cardoso da Silva, pessoa indicada como contratada. Na mesma oportunidade, em relação ao cheque de R$ 265,12 (n. 850010), afirmou que seria possível extrair a identidade do beneficiário a partir dos documentos anexados, reputando desproporcional a exigência do cruzamento para fins de comprovação da destinação dos recursos.

Passo ao exame.

1. Do Cheque n. 850010 sacado por Ricardo Vicente Be.

Em relação ao cheque de R$ 265,12 (n. 850010), o valor foi compensado em nome de “Ricardo Vicente Be”, divergindo do fornecedor declarado na prestação de contas.

A jurisprudência deste Tribunal tem admitido, em hipóteses excepcionais, a superação da ausência de cruzamento de cheques, ainda que sacados por terceiros estranhos às contas de campanha, quando existente comprovação segura do endosso em branco por parte do contratado, desde que os títulos sejam nominais e conste a sua cópia ou microfilmagem para comprovar o ato cambiário de circulação do título.

No entanto, essa flexibilização jurisprudencial não se aplica ao caso concreto, uma vez que o recorrente juntou aos autos apenas as imagens da frente dos cheques (ID 45825199 – pág. 3 e ID 45825208 – pág. 2).

Tal omissão inviabiliza a verificação de eventual cadeia de endossos por parte dos beneficiários, elemento essencial para a aplicação da jurisprudência que admite, em situações excepcionais, a regularidade do pagamento, mesmo sem o cruzamento bancário, consoante ilustra o seguinte julgado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. DOCUMENTAÇÃO QUE DISPENSA ANÁLISE TÉCNICA. PRECEDENTES DESTA CORTE. ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REGULAR UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CHEQUES NOMINAIS E NÃO CRUZADOS. DÉBITOS BANCÁRIOS SEM IDENTIFICAÇÃO DO FORNECEDOR. OFERECIMENTO DE PROVA IDÔNEA E SEGURA ACERCA DO DESTINO DOS RECURSOS. ENDOSSO DOS TÍTULOS. FALHA SUPERADA PELA EMISSÃO NOMINAL E PELA APOSIÇÃO DE ASSINATURA DO BENEFICIÁRIO NO VERSO DO CHEQUE. ENDOSSO EM BRANCO. DESPESAS SEM DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DOS DESTINATÁRIOS DOS RECURSOS. INFRINGÊNCIA À NORMA DE REGÊNCIA. RECOLHIMENTO DO VALOR CONSIDERADO IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. BAIXO PERCENTUAL DAS FALHAS. APLICADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.
1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022. […]. 3.3. Gastos com pessoal. Não localizados registros de pagamentos destinados aos fornecedores, mediante anotação de CPF/CNPJ ou nome. Tampouco o candidato juntou cópia das cártulas ou de documentos bancários para comprovar as operações de pagamento. Posicionamento deste Regional no sentido da necessidade da apresentação pelos candidatos não apenas de documentos fiscais ou outros legalmente admitidos para comprovar a regularidade dos gastos eleitorais custeados com recursos públicos, como preceitua o art. 53, inc. II, letra “c”, da Resolução TSE n. 23.607/19, mas também prova de que o correlato pagamento se deu de acordo com o prescrito no art. 38 do mesmo estatuto regulamentar. Glosados os dispêndios sub examine, com o consequente comando de ressarcimento da quantia ao erário. 4. As irregularidades representaram 9,80% do montante arrecadado pelo candidato. Aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 5. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional.

PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº060215212, Acórdão, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 06/03/2024. (Grifei.)

 

No que tange ao precedente invocado pelo recorrente, notadamente o acórdão proferido nos autos da PCE n. 060315247, julgado em 20.8.2024, de relatoria da eminente Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, não há como estender aquele entendimento ao presente caso.

Naquela hipótese, apesar de se tratar de cheque não cruzado, houve a juntada aos autos da microfilmagem da cártula, frente e verso, sendo possível verificar, no verso do cheque, a anotação do CNPJ da empresa gráfica contratada, sem indícios de endosso ou de circulação posterior, conforme revela a seguinte ementa:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO. CARGO DE DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2022. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA APLICAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. PAGAMENTO DE CHEQUE NÃO CRUZADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. EXISTÊNCIA DE CNPJ DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE ENDOSSO. POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO. COMPROVADA A UTILIZAÇÃO DO RECURSO. FALHA FORMAL. IRREGULARIDADE DE BAIXO PERCENTUAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às Eleições Gerais de 2022.

2. Falta de comprovação da aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Existência de cheque debitado, sem a indicação do beneficiário e sem o registro de saque por caixa ou compensação bancária. Demonstrado que o cheque está nominal à empresa (gráfica) mas não está cruzado, em desacordo com o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Entretanto, em que pese a irregularidade, é possível concluir com segurança que a beneficiária do pagamento é a empresa contratada, visto que anotado seu CNPJ no cheque, sem posterior realização de endosso. Falha formal, caracterizadora de ressalva nas contas. Afastado o dever de recolhimento do valor ao erário, pois restou comprovada a utilização do recurso.

3. A impropriedade representa 2,20% dos recursos recebidos na campanha e está dentro dos parâmetros, fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade (no patamar de até 10% da arrecadação financeira), para formar o juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade.

4. Aprovação com ressalvas.

PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº060315247, Acórdão, Relator(a) Des. Patricia Da Silveira Oliveira, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 22/08/2024.

 

Esses elementos permitiram ao Tribunal concluir, com segurança, pela regular aplicação dos recursos, situação que não se assemelha à prova encartada nos presente autos.

No presente feito, não foi apresentado o verso dos cheques, de modo que a situação fática é substancialmente distinta e não permite o afastamento da determinação de recolhimento.

Além da ausência de cruzamento do cheque n. 850010, verifica-se que o beneficiário indicado nos extratos bancários é um terceiro absolutamente estranho às contratações realizadas, não se podendo estabelecer um vínculo mínimo entre o recebedor do pagamento e o fornecedor contratado.

Logo, deve ser mantida a sentença em relação ao cheque n. 850010.

 

2. Do Cheque n. 850003 sacado por Vitória P. Cardoso da Silva.

No tocante ao cheque de R$ 300,00 (n. 850003), emitido para Luiz Carlos Cardoso da Silva, verifica-se que a compensação bancária creditou o valor para a conta bancária de “Vitória P. Cardoso da Silva”, que o recorrente alega se tratar da esposa do contratado.

Contudo, em consulta realizada ao Cadastro Nacional de Eleitores (Sistema Elo6), constata-se que a beneficiária é, na verdade, filha do prestador de serviços, e, nascida em 2006, conta com apenas 18 anos de idade.

Apesar do equívoco na identificação da relação de parentesco nas razões recursais, a relação familiar entre o fornecedor e a pessoa que descontou o cheque é inequívoca e fortalece a presunção de boa-fé e legitimidade da transação, evidenciando que os valores foram direcionados em prol da entidade familiar.

Ademais, o contrato de locação de veículo, devidamente anexado aos autos, reforça a participação de Vitória como auxiliar na contratação de seu pai, uma vez que o e-mail informado pela parte contratada é justamente “vitoriapassoscardoso06@gmail.com” (ID 45825262).

Em situações semelhantes, o Tribunal já entendeu por mitigar os rigores normativos quando, diante da contratação de pessoas físicas por valores módicos, há comprovação de que o pagamento reverteu a conta de familiares bastante próximos, sem outros indícios de desvio, simulação ou fraude na operação, na linha dos seguintes julgados:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÃO 2020. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PEÇAS OBRIGATÓRIAS PENDENTES. DESPESA PAGA COM RECURSO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC SEM IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. RECOLHIMENTO AOERÁRIO. CONHECIDA A DOCUMENTAÇÃO JUNTADA COM O RECURSO. IDENTIFICADO O DESTINATÁRIO DA VERBA. CONTA EM NOME DO GENITOR DA PRESTADORA DE SERVIÇO. CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. COMPROVANTES PENDENTES ENTREGUES. VALOR IRRISÓRIO DA FALHA. POSTULADOS DARAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL AFASTADO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO PARCIAL. […]. 4. Inconsistência entre o nome da prestadora do serviço e o constante no extrato bancário eletrônico. Verificado, em sistema da Justiça Eleitoral, tratar-se do pai da beneficiária, com quem esta detinha conta conjunta. Destino do aporte identificado. Dever de recolhimento ao erário afastado. 5. Falha que perfaz 22,17% das receitas declaradas, mas de valor irrisório, a autorizar, diante dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a mitigação do juízo de desaprovação. Aprovação com ressalvas. 6. Provimento parcial.

Recurso Eleitoral n. 060089471, Acórdão, Relator: DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE. (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. GASTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMPENSAÇÃO DE CHEQUE REALIZADA POR TERCEIRO. ENDOSSO. COMPROVADO OVÍNCULO CONJUGAL ENTRE O CONTRATADO E A TITULAR DA CONTA FAVORECIDA. IMPROPRIEDADE DE NATUREZA FORMAL. SERVIÇOS DE PANFLETAGEM. CHEQUE NÃO CRUZADO. VIOLAÇÃO DA NORMA ELEITORAL. INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃODO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. [...]. 3. Pagamento de despesa por meio de cheque cujo débito deu-se em nome de pessoa não constante em contrato. Sanada a irregularidade, uma vez comprovado o vínculo conjugal entre o contratado e a titular da conta favorecida com o crédito. Demonstrado que os recursos oriundos do FEFC foram efetivamente destinados ao fornecedor de campanha, não tendo sido gerado embaraço à rastreabilidade da verba pública. Caracterizada impropriedade de natureza formal, incapaz de macular as contas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. […]. 6. Parcial provimento. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Recurso Eleitoral n. 060029782, Acórdão, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE. (Grifei.)

 

Assim, sendo certo que o pagamento findou por ser depositado em conta bancária da filha do contratado, o apontamento, na hipótese, não ostenta gravidade para macular as contas ou impor o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, sendo suficiente a aposição de ressalvas sobre as contas.

 

3. Do Julgamento das Contas

Assim, mostra-se acertada a solução adotada pelo juízo de origem que aprovou as contas com ressalvas, ante a existência de falhas formais e irregularidades de reduzida expressão que compromete a sua regularidade integral.

Nada obstante, deve ser afastada a imposição de recolhimento de valores com base nas falhas verificadas a emissão do cheque n. 850003, de modo que os valores passíveis de recolhimento ao Tesouro Nacional consolidam-se em R$ 265,12, tão somente em relação ao cheque n. 850010.


 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional para R$ 265,12, mantendo-se a aprovação com ressalvas das contas.