E.Dcl. - 52561 - Sessão: 06/10/2016 às 14:00

RELATÓRIO

ANTONIO CARLOS COLOMBO opõe embargos de declaração (fls. 472-482) contra acórdão deste Tribunal (fls. 463-469) que, por unanimidade, negou provimento ao recurso, no qual buscava modificar a decisão de primeiro grau que indeferiu seu pedido de registro de candidatura, após impugnação.

Em resumo, o embargante sustenta que cumpre aclarar a decisão (I) no que concerne a uma suposta inconstitucionalidade na forma da LC n. 135/2010; (II) no tocante ao artigo 23, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica); (III) no que diz respeito à possibilidade de a Justiça Eleitoral perquirir acerca da presença do elemento “ato doloso de improbidade”; (IV) no relativo ao fato da decisão embargada ter ignorado vertente jurisprudencial, e (V) no que diz respeito à desconsideração, pelo acórdão, da tese defensiva de inexistência de enriquecimento ilícito. Requer o aclaramento das supressões e omissões, o acolhimento dos embargos, para a atribuição de efeitos infringentes e julgamento de improcedência da AIRC e consequente deferimento do registro de candidatura.

Vieram os autos.

É o relatório.

 

VOTO

O embargos são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

O art. 275 do Código Eleitoral, com a redação dada pela Lei n. 13.105/15, estabelece que “são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil”.

Por seu turno, o CPC, em seu art. 1.022, I, II e III, dispõe:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

À análise.

I) da inconstitucionalidade formal da Lei Complementar n. 135/90.

Aclaramento desnecessário.

Note-se que a Lei Complementar n. 135/2010 teve sua constitucionalidade firmada no julgamento conjunto da ADC n. 29, da ADC n. 30 e da ADIN n. 4578, como aliás asseverado expressamente no acórdão embargado, parte final.

E tal análise de constitucionalidade, exercida pelo Supremo Tribunal Federal, ocorreu, por óbvio, sob os prismas material e formal – decorrência da natureza objetiva dos julgamentos das ações declaratórias de constitucionalidade e ações diretas de inconstitucionalidade, e tem eficácia erga omnes, aliás legalmente prevista, art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99.

Inexistente a omissão alegada.

 

II) do cotejo do aresto com o Pacto de San Jose da Costa Rica.

De início, cumpre salientar que a leitura do art. 23 da Convenção multicitada deve ser feito na íntegra. Isso porque o invocado item 2 refere expressamente o item 1, de forma que a leitura não pode ser realizada “em tiras”:

Artigo 23 - Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

O item 1 trata de um feixe de atos referentes à vida do cidadão.

Nessa linha, resta definida pelo Supremo Tribunal Federal a possibilidade da restrição imposta ao embargante. O julgamento acerca da constitucionalidade da LC n. 135/10, já citado – e, repito, indicado nas razões do acórdão embargado, assevera expressamente, já na ementa, que:

[...]

5. O direito político passivo (ius honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de abuso de poder econômico ou de poder político.

6. O princípio da proporcionalidade resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico.

7. O exercício do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos representantes populares.

8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas ativas.

[…]

(Grifei.)

De salientar, ainda: no ordenamento jurídico brasileiro, o Pacto de San Jose da Costa Rica ocupa posição inferior ao texto constitucional, e de tal constatação ressai, logicamente, a desnecessidade de sua abordagem na decisão guerreada, sobremodo se tecida a devida aferição sob o prisma da CF/88.

Omissão inocorrente, portanto.

 

III) da possibilidade de a Justiça Eleitoral perquirir acerca da presença do elemento relativo ao “ato doloso de improbidade”.

No ponto, exsurge nítida a intenção de rediscussão do mérito da causa.

Trago trecho do acórdão:

Dessa forma, o reconhecimento da condição compete à Justiça Eleitoral. Não se trata de nova apreciação das contas, já julgadas pelo órgão competente.

Cumpre ao julgador desta especializada, a partir dos fundamentos constantes no julgamento das contas, verificar se os atos que levaram à sua desaprovação configuram irregularidade insanável decorrente de ato doloso de improbidade.

A respeito do tema, a doutrina de Rodrigo López Zilio:

A tarefa de aferir se as contas rejeitadas, reputadas insanáveis, têm o condão de apresentar nota de improbidade, gerando restrição ao direito de elegibilidade do administrador público, é da própria Justiça Eleitoral, nos autos da AIRC ou RCED (se matéria de cunho superveniente). Portanto, é a Justiça Eleitoral quem, analisando a natureza das contas reprovadas, define se a rejeição apresenta cunho de irregularidade insanável, possuindo característica de nota de improbidade (agora, dolosa) e, assim, reconhece o impeditivo à capacidade eleitoral passiva. O julgador eleitoral deve necessariamente partir da conclusão da Corte administrativa sobre as contas apreciadas, para definir a existência da irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade, de modo a caracterizar inelegibilidade. (Direito Eleitoral. 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, págs. 230-231.)

Esta competência da Justiça Eleitoral é reconhecida pela jurisprudência:

ELEIÇÕES 2014. REGISTRO. DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90.

1. Nos termos da alínea g do art. 1º, I, da Lei das Inelegibilidades, cabe à Justiça Eleitoral verificar se a falha ou irregularidade constatada pelo órgão de contas caracteriza vício insanável e se tal vício pode ser, em tese, enquadrado como ato doloso de improbidade.

2. Nesse exame, não compete à Justiça Eleitoral:

a) decidir sobre o acerto ou desacerto da decisão que rejeitou as contas; ou b) afirmar a existência, em concreto, de ato doloso de improbidade administrativa, pois, em ambas as situações, ocorreria invasão da competência do órgão de controle de contas ou do juízo natural para o processamento e julgamento da ação de improbidade administrativa, com manifesta violação ao devido processo legal e às garantias da defesa.

3. Para que se possa cogitar minimamente da prática de ato doloso de improbidade administrativa, é necessário que, na decisão que rejeitou as contas, existam elementos mínimos que permitam a aferição da insanabilidade das irregularidades apontadas e da prática de ato doloso de improbidade administrativa, não sendo suficiente a simples menção a violação à Lei nº 9.790/99 e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Recurso ordinário provido.

(Recurso Ordinário n. 88467, Acórdão de 25.02.2016, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14.04.2016, Página 20-21.)

Ou seja, não se trata de omissão, uma vez que o acórdão embargado se sustenta com os argumentos nele constantes, sendo despiciendo esgotar a jurisprudência sobre a matéria, acaso estampados os fundamentos de decisão, os motivos pelos quais se identificou o ato doloso de improbidade administrativa.

Ademais, os próprios embargos é que apresentam certa confusão, uma vez que o embargante pugna aclaramento relativo à alínea “l” do art. 1º, I, da LC n. 64/90, hipótese não versada nos autos (fl. 477), merecendo a lembrança, aqui, que o desprovimento do recurso ocorreu em virtude da caracterização da hipótese elencada na alínea “g” do art. 1º, I, do referido diploma legal complementar.

Caso distinto; portanto, desnecessário o aclaramento.

 

IV) da necessidade de uniformidade jurisprudencial.

No ponto, o embargante invoca o novel art. 926 do CPC/15, o qual entende desobedecido. Em termos breves, invoca dois precedentes do TSE (EmbDecl no RO n. 70311 e AgRg em RO n. 108596) para requerer coerência e integridade da decisão ora embargada, a qual adjetiva de “convencionalista, utilitarista, pragmática (e não jurídica!)” e que teria ignorado “esta vertente jurisprudencial, colacionando precedentes descontextualizados e, sobremodo, desatualizados”.

Tudo isso para defender que “o ato doloso de improbidade não é uma abstração, mas restará configurado, para tais fins, se houver dano ao erário, enriquecimento ilícito ou circunstâncias afins, graves ao ponto de ensejar a restrição de um direito fundamental tão relevante como o é a capacidade eleitoral passiva”.

Pois bem.

Inicialmente, convém estabelecer distinção dos precedentes indicados nos embargos da situação julgada nestes autos. Tal proceder, aliás, poderia ter sido realizado pelo embargante: demonstrar objetivamente a descontextualização ou desatualização dos precedentes indicados no acórdão.

Não o fez, apenas adjetivou.

Em segundo lugar, o julgamento dos Embargos de Declaração no RO n. 70311 foi assinalado por absoluta polêmica: restaram vencidos os ministros Dias Toffoli e Maria Thereza Assis Moura, relatora.

Ou seja, não há ali uma “vertente jurisprudencial”. Há uma decisão limítrofe, permeada de peculiaridades, como tantas submetidas ao Poder Judiciário.

Terceiro, extrai-se da ementa que, no caso apresentado como pretensamente paradigmático, nem sequer foi aplicada multa ao gestor pelo Tribunal de Contas, uma das circunstâncias, aliás, para que lá não se entendesse caracterizado o ato doloso de improbidade administrativa.

Daí, não aplicáveis as premissas lá constantes à espécie sob exame.

Para além, uma quarta observação. No que diz respeito ao Agravo Regimental em RO n. 108596, não houve reconhecimento do ato doloso de improbidade, mediante a consideração de pouca significância da multa aplicada ao gestor, de R$ 7.219,80 (sete mil, duzentos e dezenove reais com oitenta centavos), considerados os valores de receita e despesa do orçamento do fundo de previdência – R$ 5.085.000,00 (cinco milhões e oitenta e cinco mil reais) e R$ 6.692.000,00 (seis milhões, seiscentos e noventa e dois mil reais), respectivamente.

A jurisprudência, portanto, mantém-se íntegra e coerente, eis que aqui foram, também, consideradas as circunstâncias específicas do caso como, a título exemplificativo, as relativas à modesta cidade de Riozinho, atualmente com 3.796 (três mil, setecentos e noventa e seis) eleitores, na qual o embargante criou 63 (sessenta e três) cargos comissionados, irregularidade proporcionalmente muito mais grave do que a identificada nos autos do RO n. 108596.

Veja-se trecho do acórdão embargado:

O Município de Riozinho, impõe salientar, conta atualmente com 3.796 (três mil setecentos e noventa e seis) eleitores. E, nessa pequena comunidade, o recorrente criou 63 (sessenta e três) cargos comissionados.

Aqui, não há como afastar a improbidade do ato por simples alegação de inexistência de “dolo, má-fé, ardil ou afim por parte do impugnado”, como feito nas razões de recurso. Isso porque o dolo fica evidenciado pela estampada desproporção do ato praticado, que desborda da seara da culpa, adentrando ao dolo genérico exigido pela jurisprudência, conforme se verá adiante.

Também a questão da necessidade de aferição de dano ao erário e de enriquecimento ilícito para a configuração do dolo restou devidamente analisada. Senão, vejamos:

[...]

Igualmente, merece destaque a desnecessidade, no caso, da efetiva comprovação de prejuízo ao erário ou de enriquecimento ilícito, ao contrário do afirmado pelos recorrentes, pois, como já visto, os requisitos são, apenas: a) contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; b) rejeição por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; c) inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

Mais uma vez, desnecessários aclaramentos.

 

V) da inexistência de análise da matéria defensiva.

Conforme o embargante, a “decisão objeto destes aclaratórios limitou-se a perquirir excertos das decisões civis, confrontando-os com as disposições constantes da alínea 'l' […] até mesmo porque, com fundamentos, a defesa sustentou a inexistência do alegado enriquecimento ilícito [...]” (fl. 482).

Desnecessário aclaramento.

Trata-se de hipótese diversa da atinente aos autos. O embargante ANTONIO CARLOS COLOMBO teve seu pedido de registro de candidatura indeferido porque verificada a incidência de causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “g”, da Lei Complementar n. 64/90, conforme ementa que segue:

Recurso. Impugnação. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de prefeito. Inelegibilidade. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Decisão de piso que julgou procedente a impugnação e indeferiu a candidatura ao cargo de prefeito, em razão da incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da LC n. 64/90.

Afastada a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação. Decisão adequadamente fundamentada em respeito aos requisitos constitucionais previstos no art. 93, inc. X, da Constituição Federal.

Exige-se o preenchimento de três requisitos para a caracterização da inelegibilidade em questão: 1. contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; 2. irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; 3. inexistência de decisão judicial que suspenda ou anule os efeitos da rejeição.

No caso, atendimento dos três pressupostos. Desaprovação das contas do candidato a prefeito, enquanto exercia o comando da prefeitura no ano de 2008, por decisão da Câmara de Vereadores. Irregularidades atinentes à contratação exacerbada de cargos comissionados, à admissão de servidores sem o regular procedimento, à desobediência aos princípios que regem a administração pública, a atos irregulares referentes a procedimento licitatório e à arrecadação de recursos financeiros.

Práticas ilícitas de natureza insanável que configuram ato doloso de improbidade administrativa, sendo desnecessária a condenação via processo judicial de improbidade para sua configuração. Dolo evidenciado pela desproporção dos atos praticados, que desborda da seara da culpa, adentrando ao dolo genérico exigido pela jurisprudência.

Cabe à Justiça Eleitoral a tarefa de reconhecer a presença dos requisitos ensejadores das restrições à participação no pleito, no momento do registro de candidatura. Configurada, assim, a hipótese de incidência da inelegibilidade apta a indeferir o registro do candidato a prefeito e, por consequência, da chapa majoritária, com base no princípio da unicidade.

Provimento negado.

À vista dessas razões, os embargos são destituídos de fundamento jurídico, porquanto não se enquadram em qualquer das hipóteses previstas legalmente, não se podendo confundir o julgamento contrário aos interesses da parte com vício do julgado.

Por fim, quanto ao pedido de prequestionamento, conforme o art. 1.025 do CPC “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

A rejeição dos embargos é, portanto, medida impositiva, uma vez que seu manejo para os fins que objetivou é impróprio e inadequado. O pedido de efeitos infringentes, no sentido de deferir o registro de candidatura nos presentes autos, sequer hipoteticamente é possível.

Ante o exposto, ausentes os vícios elencados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.