RE - 18504 - Sessão: 06/10/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por IVETE BEATRIZ ZAMARCHI LUCHEZI, candidata ao cargo de prefeito, no Município de Ibiraiaras, pela coligação GENTE COMO A GENTE TRABALHANDO PARA TODOS (PDT/PMDB/DEM/PCdoB), contra sentença do Juízo da 28ª Zona – Lagoa Vermelha, fls. 173-177v.

Na decisão, foi acolhida a impugnação apresentada pelo Ministério Público Eleitoral em face da ora recorrente, diante da ausência de sua desincompatibilização, no prazo de 6 (seis) meses antes da eleição, do cargo de presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE de Ibiraiaras, com fundamento no art. 1º, II, “a”, item 9, da Lei Complementar n. 64/90.

Assim, restou indeferido o seu requerimento de registro de candidatura e, consequentemente, o registro da chapa majoritária, na qual JHONES VUELMA concorre ao cargo de vice-prefeito (RCand n. 174-2, em apenso).

Na peça recursal (fls. 222-253), Ivete Beatriz Zamarchi Luchezi afirmou que o cargo do qual não se desincompatibilizou, qual seja, o de presidente da APAE, não estaria inscrito no rol das vedações da LC n. 64/90, porquanto aquela entidade é uma associação civil sem fins lucrativos.

Aduziu que o magistrado de piso, ao entender que o recebimento de recursos públicos em patamar superior a cinquenta por cento da receita da entidade atrairia a incidência do art. 1º, II, “a”, 9, da LC n. 64/90, teria realizado interpretação extensiva do dispositivo, visto que a APAE não é mantida pelo Poder Público.

Com as contrarrazões (fls. 315-316v.), nesta instância os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 319-322v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Des. Carlos Cini Marchionatti (Relator)

 

Admissibilidade

Porque tempestivo o recurso e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Mérito

Incontroverso nos autos que a candidata à prefeitura de Ibiraiaras, IVETE BEATRIZ ZAMARCHI LUCHEZI, não se afastou do exercício do cargo de presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, cinge-se a demanda à necessidade de sua desincompatibilização, tendo em vista o fato de a decisão originária ter considerado que a aludida associação se inscreve no rol das entidades mantidas pelo Poder Público.

Primeiramente, consigno ter a impugnada alegado que, embora não se tenha desincompatibilizado da presidência da APAE de Ibiraiaras, obrou de boa-fé.

Disso não desacredito. Contudo, a sua boa-fé não seria suficiente para afastar a eventual necessidade de desincompatibilização, caso dela se entenda, razão pela qual o argumento não socorre a recorrente para os fins pretendidos.

Especificamente no que atine à necessidade de desincompatibilização, o magistrado de piso assim entendeu (fls. 175):

Sabe-se, ainda, que a APAE é uma sociedade civil sem fins lucrativos, sendo desnecessária, de regra, a desincompatibilização de seu presidente. Ou seja, por ser associação civil sem fins lucrativos, não haveria nenhum. Essa a regra, e a situação fática, assim retratada, não se encaixaria na vedação da LC 64/90. No caso dos autos, entretanto, a APAE de Ibiraiaras recebe somas elevadas do Poder Público, de forma que sua manutenção, é possível concluir, depende desses repasses públicos. Com isso, há incidência exata do disposto no item “9” supra mencionado, da LC 64/90, uma vez que a entidade APAE se enquadra no dispositivo final da norma. Que menciona a expressão “e as mantidas pelo poder público”. (Grifei.)

Sobre o ponto, a impugnada, por sua vez, assevera que o magistrado teria realizado interpretação extensiva do art. 1º, II, “a”, item 9, da LC n. 64/90, porquanto a APAE, na qualidade de associação civil sem fins lucrativos, não se encontraria entre as entidades mantidas pelo poder público.

Veja-se o dispositivo invocado, no qual a desincompatibilização objeto da contenda está insculpida:

Art. 1º São inelegíveis:

(...)

II - para Presidente e Vice-Presidente da República:

a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções:

(...)

9. os Presidentes, Diretores e Superintendentes de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas e as mantidas pelo poder público;

(...)

VII – para a Câmara Municipal:

(…)

b) em cada Município, os inelegíveis para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, observado o prazo de 6 (seis) meses para a desincompatibilização. (Grifei.)

Exsurge, do teor da lei, que não é a natureza da entidade que a alija do elenco das entidades mantidas pelo Poder Público, ou nele a inscreve. Note-se que o texto “as mantidas pelo poder público” vem introduzido pela conjunção coordenativa aditiva “E”, significando que tal expressão se soma às demais hipóteses ali especificadas, constituindo, ela própria, uma das categorias de entidades cujos presidentes, diretores e superintendentes necessitam se desincompatibilizar. Nesse sentido, equivocada a interpretação da recorrente e, por conseguinte, suas conclusões acerca do viés interpretativo do julgador de origem.

Assente isso, necessário submeter o caso concreto à moldura do artigo em tela.

Prima facie, qualquer APAE, por consistir em associação civil sem fins lucrativos, e, consequentemente, não condizer com autarquia, empresa púbica, sociedade de economia mista ou fundação pública, poderia refugir à norma do texto. Mas isso apenas nos casos concretos em que essas associações também não se amoldem à parte final do artigo, qual seja, justamente a expressão “e as mantidas pelo poder público”.

Nessa senda, cumpre então verificar se a APAE de Ibiraiaras insere-se no conceito invocado na sentença para o indeferimento do registro, visto que, caso não demonstrada a existência desse vínculo com o Poder Público, é pacífico o entendimento da desnecessidade de desincompatibilização.

Para o efeito, portanto, necessário proceder à análise da origem das receitas operacionais da entidade, mormente as oriundas de subvenções. Tal exame foi realizado na decisão de piso, nos seguintes termos (fl. 176-v.):

No caso dos autos, os documentos que instruem a impugnação ofertada pelo Ministério Público Eleitoral demonstram que a APAE de Ibiraiaras recebe valores do poder público em percentual muito superior a 50% de suas receitas. Não houve impugnação, aliás, pela candidata, sobre os valores recebidos pelo Poder Público, que corresponderam, somente no ano de 2015, a uma importância de R$ 157.535,78 -, num total de R$ 220.281,78 de receitas, o que corresponde a 71,52% deste total. E no primeiro semestre de 2016, já houve o recebimento de R$ 120.921,68 de receitas oriundas do Poder Público, correspondente a 67,43% do total de receita neste mesmo período.

Portanto, tais dados falam por si só, e com isso é inegável que a entidade APAE é, sim, mantida pelo poder público de forma a exigir que seus dirigentes devessem ter observado o prazo para desincompatibilizar.

Compulsando-se o balanço patrimonial acostado aos autos (fls. 57-59), resta evidenciado que no ano de 2015 a APAE de Ibiraiaras auferiu as seguintes receitas, que merecem ser destacadas:

1) TOTAL DE RECEITAS: R$ 220.281,78 (duzentos e vinte mil, duzentos e oitenta e um reais com setenta e oito centavos), sendo destas:

1.1) Total de Receitas Operacionais de Saúde: R$ 113.282,21 (cento e treze mil, duzentos e oitenta e dois reais com vinte e um centavos), dos quais

1.1.1) R$ 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos reais) provenientes de Secretaria Municipal de Ibiraiaras.

1.2) Total de Receitas Operacionais de Educação: R$ 37.969,53 (trinta e sete mil, novecentos e sessenta e nove reais com cinquenta e três centavos), dos quais

1.2.1) R$ 33.061,23 (trinta e três mil e sessenta e um reais com vinte e três centavos) provenientes de Secretaria do Estado do RS.

1.3) Total de Receitas Operacionais de Assistência Social: R$ 69.030,04 (sessenta e nove mil e trinta reais com quatro centavos), dos quais:

1.3.1) R$ 6.298,23 (seis mil e duzentos e noventa e oito reais com vinte e três centavos) provenientes de Secretaria do Estado RS e

1.3.2) R$ 5.675,60 (cinco mil, seiscentos e setenta e cinco reais com sessenta centavos) provenientes do convênio PPD (Prefeitura Municipal de Ibiraiaras)

Das notas explicativas, destaca-se os somatórios abaixo:

SUBVENÇÕES E DOAÇÕES GOVERNAMENTAIS (fl. 61)

a) Municipal R$ 118.175,60

b) Estadual R$ 39.359,46

c) Federal R$ 0,00

SOMA R$ 157.535,06
 

DISTRIBUIÇÃO POR ÁREA DAS SUBVENÇÕES E DOAÇÕES GOVERNAMENTAIS (fl. 61):

a) Assistência Social R$ 124.473,83

b) Educação R$ 33.061,23

SOMA R$ 157.535,06

Nessa senda, então, tomando-se por base que o somatório de receitas auferidas no exercício 2015 foi o de R$ 220.281,78 (duzentos e vinte mil, duzentos e oitenta e um reais com setenta e oito centavos), o montante dos valores provenientes do poder público R$ 157.535,06 (cento e cinquenta e sete mil, quinhentos e trinta e cinco reais com seis centavos) condiz com 71,52 % do total.

Tal percentual supera, em muito, o patamar assente como o máximo admitido para que a entidade não seja enquadrada como mantida pelo Poder Público, nos termos da jurisprudência do TSE:

RECURSO ESPECIAL. INELEGIBILIDADE. LC N° 64/90, ART. 1o , II, a, 9. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. DIRIGENTE. ASSOCIAÇÃO CIVIL. (APAE). REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO.

1. Os dispositivos da Lei Complementar n° 64/90 não podem ser interpretados de maneira extensiva, já que, in casu, trata-se de restrição ao direito de se candidatar

sem se desincompatibilizar.

2. Para concluir que a associação seja mantida pelo Poder Público, é necessário que as verbas públicas correspondam, pelo menos, a mais da metade de suas receitas.(…) (Grifei)

(TSE – REspe n. 30539 - SC, Relat. Min. Marcelo Ribeiro, publ. em sessão em 07.10.08.)

Importa ainda consignar as observações quanto ao balancete referente ao período compreendido entre 01.01.2016 e 31.7.2016 (fls. 64-94). Nele, pode-se apurar que a entidade já recebeu R$ 120.912,68 (cento e vinte mil, novecentos e doze reais com sessenta e oito centavos) provenientes do Poder Público, situação que, quando comparada com os valores do ano anterior, perfazem 67,43% das receitas auferidas em idêntico período.

Dessa sorte, ante todo o acima demonstrado, tenho que as subvenções do Poder Público são imprescindíveis para que a APAE de Ibiraiaras desempenhe os belos serviços que presta à sociedade.

Destaco que a desincompatibilização por parte de dirigente das APAEs já foi objeto de consulta ao TSE, por ocasião das eleições gerais de 2006, assim  dispondo o questionamento e sua respectiva resposta:

Consulta:

Existe a necessidade de desincompatibilização para candidatura a cargo político dos ocupantes das funções de dirigentes de entidades de assistência social, filantrópicas, sem fins lucrativos, cuja principal área de atuação é a articulação de ações em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, como as APAEs - Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais?
 

Resposta do TSE:

(...)

ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS - DIRIGENTES - DESINCOMPATIBILIZAÇÃO.

Mantida a entidade pelo poder público, a desincompatibilização deve se fazer 6 (seis) meses antes do pleito - artigo 1°, inciso II, alínea 'a', item 9, da Lei Complementar n° 64/90, (...)

(Consulta n. 1.214/DF, Relat. Min. MARCO AURÉLIO MELLO, DJ de 3.5.2006.)

Essa linha de entendimento denotada na resposta à consulta supracitada é, portanto, a que vem sendo esposada nas decisões proferidas pelo TSE nos processos pertinentes a requerimento de registro de candidatura:

Agravo regimental. Recurso especial. Impugnação de registro de candidatura. Dirigente. Pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. Subvenção poder público. Valor expressivo. Desincompatibilização. Necessidade. [...].

1. Dirigente de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que receba recursos oriundos de contratos ou convênios com o Poder Público deverá desincompatibilizar-se para concorrer ao pleito eleitoral [...]. In casu, o v. acórdão recorrido consignou que os valores repassados à entidade eram expressivos, o que tornava o Poder Público o principal ou um dos principais financiadores da entidade. [...]

(Ac. de 16.9.2008 no AgR-REspe n. 29.188, rel. Min. Felix Fischer; no mesmo sentido a Res. 20.580, de 21.3.2000, rel. Min. Edson Vidigal e a Res. n. 22.191, de 20.4.2006, rel. Min. Marco Aurélio.)

 

[...] Entidade de assistência social sem fins lucrativos. Dirigentes. Desincompatibilização. Mantida a entidade pelo poder público, a desincompatibilização deve se fazer 6 (seis) meses antes do pleito - art. 1°, inciso II, alínea “a”, item 9, da Lei Complementar n. 64/90, consideradas as eleições estaduais e federais.

NE: A decisão refere-se aos dirigentes de entidades cuja principal área de atuação é a articulação de ações em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, como as Apaes (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais).

(Res. n. 22.191, de 20.4.2006, rel. Min. Marco Aurélio.) (Grifei.)

 

RECURSO ESPECIAL. INELEGIBILIDADE. LC Nº 64/90, ART. 1º, II, “a”, 9. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. DIRIGENTE.ASSOCIAÇÃO CIVIL. (APAE).REGISTRO DE CANDIDATO. DEFERIMENTO.

1. Os dispositivos da Lei Complementar n. 64/90 não podem ser interpretados de maneira extensiva, já que, in casu, trata-se de restrição ao direito de se candidatar sem se desincompatibilizar.

2. Para concluir que a associação seja mantida pelo Poder Público, é necessário que as verbas públicas correspondam, pelo menos, a mais da metade de suas receitas.

3. Recurso Especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 30539, Acórdão de 07.10.2008, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 07.10.2008 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 4, Página 242.)

Também nesse sentido é a recente decisão deste Tribunal, proferida em caso análogo:

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de vereador. Inelegibilidade. Desincompatibilização. Presidente da APAE. Associação privada sem fins lucrativos. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Irresignação contra sentença que julgou procedente a impugnação e indeferiu o registro por ausência de afastamento da presidência da APAE, condição exigida pelo art. 1º, inc. II, “a”, item 9, da Lei Complementar 64/90.

Pré-candidato que permaneceu no cargo após 02.4.2016, data limite para desincompatibilização. A APAE é associação civil, não mantida pelo Poder Público, sem fins lucrativos e que não exerce atividade estatal, não sendo, portanto, entidade da Administração Indireta. No entanto, evidenciado que o órgão recebeu subvenções públicas em patamares superiores à metade das receitas da entidade, nos anos de 2014, 2015 e 2016. Condição que atrai a obrigação legal de afastamento do cargo no prazo de seis meses anteriores ao pleito.

Manutenção da sentença de indeferimento do registro.

Provimento negado.

(RE n. 16.039, Relat. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, publ. em sessão em 30.9.2016.)

Diante desse cenário, considerando que a candidata recorrente não se desincompatibilizou do cargo de presidente da APAE de Ibiraiaras, e tendo em vista que a análise do balanço patrimonial do ano de 2015, em conjunto com o balancete do primeiro semestre de 2016, evidencia que mais de 50% (cinquenta por cento) das receitas da aludida associação são provenientes do Poder Público – enquadrando-se como entidade mantida pelo Poder Público –, resta atraída a incidência da norma contida no art. 1º, II, “a”, item 9, da Lei Complementar n. 64/90.

Logo, por via de consequência, a ora recorrente encontra-se inapta para concorrer ao pleito de 2016, impondo-se a manutenção da sentença combatida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter a sentença que acolheu a impugnação ministerial e indeferiu o registro da chapa majoritária, pela coligação GENTE COMO A GENTE TRABALHANDO PARA TODOS (PDT/PMDB/DEM/PCdoB), nas eleições de 2016, à Prefeitura de Ibiraiaras.

 

(Após votar o relator negando provimento ao recurso, pediu vista o Des. Paulo Afonso. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso).