RE - 20828 - Sessão: 24/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO JUNTOS PELO POVO DE NONOAI (PP/PTB/PR/PSB/PSDB/PSC/PPS/PMDB) contra sentença prolatada pelo Juízo da 99ª Zona Eleitoral de Nonoai, que indeferiu a inicial da representação por captação ilícita de sufrágio ajuizada em desfavor da COLIGAÇÃO VALORIZANDO NOSSA GENTE (PDT/PT/PCdoB), por falta de interesse de agir e atipicidade da conduta de distribuir rosas com material de propaganda durante evento de campanha eleitoral.

Em suas razões, sustenta que a recorrida realizou reuniões eleitorais e distribuiu rosas a eleitores, juntamente com material de campanha, tais como planos de governo e santinhos. Afirma que o fato caracteriza a distribuição de brindes com finalidade eleitoral nos termos do art. 13 da Resolução TSE n. 23.457/15. Sustenta a existência de abuso de poder, invoca jurisprudência e requer a reforma da decisão, com a condenação da recorrida.

Com as contrarrazões, os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso.

No mérito, o exame dos autos, a análise das provas e a leitura da peça recursal demonstram ser acertada a conclusão de que a entrega de rosas em evento de campanha não caracteriza a captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

A sentença enfrentou a questão de forma bastante clara e elucidativa, razão pela qual adoto as razões do magistrado de primeiro grau como razões de decidir, merecendo transcrição o seguinte excerto da decisão:

[...]

O TSE definiu, na Resolução nº 20.531 de 14/12/99 de Relatoria do Min. Maurício Corrêa, a captação ilícita de sufrágio como sendo: “o oferecimento ou promessa de vantagem ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto”

A lei eleitoral visa punir aquele candidato que busca aliciar o eleitor, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, oferecendo-lhe vantagem indevida em troca do voto.

Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio é preciso que estejam presentes os seus elementos/requisitos configuradores, que seriam os seguintes nas palavras do doutrinador Roberto Moreira de Almeida:

“2.4.1. A prática de uma conduta punível É preciso doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, a eleitor. (¿) 2.4.2. A legitimidade da conduta A conduta ilícita há de partir de candidato ou de terceiro a mando daquele. O beneficiário precisa ser o eleitor. (...) 2.4.3. A finalidade Faz-se mister que o infrator tenha agido de forma dolosa, ou seja, que se comprove ter tido a real intenção de obter o voto do eleitor, a partir da prática ilícita. 2.4.5. O lapso temporal É indispensável apurar que o ilícito tenha ocorrido após o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive. (...)” (Almeida, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral / Roberto Moreira de Almeida - 10. edição revisada ampliada e atualizada ¿ Salvador: Juspodivm, 2016, páginas 517/518)

Analisando o presente caso concreto entendo que a entrega de uma flor ou seja, uma rosa ao eleitor durante um ato da campanha não configura entrega de bem/brinde ou vantagem, eis que não se trata de uma coisa que confira benefício patrimonial/econômico (exemplo: entrega de cesta básica, materiais de construção civil, pagamento de tratamento de saúde, quantia em dinheiro etc), nem vantagem que enseje reconhecimento social ou político da pessoa que recebe (tal como uma oferta de emprego ou cargo público).

Segundo o Ilustre Professor Zilio:

“Para fins de caracterização do art. 41-A da LE, é fundamental que o bem ou vantagem pessoal represente um acréscimo ao eleitor.” (Zilio, Rodrigo López, Direito eleitoral. Rodrigo López Zilio. - 5. ed. - Porto Alegre: Verbo jurídico, 2016, página 577.)

O caput do artigo 41-A da lei das Eleições, ressalva que as hipóteses do artigo 26 da referida lei não configuram captação ilícita de sufrágio.

Confira-se:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei: (...) II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação, destinada a conquistar votos;

A entrega de uma flor durante comício, constituiu um meio de propaganda destinado a conquistar o eleitor e não a 'comprar' o voto do eleitor, pois não traduz acréscimo patrimonial ou de vantagem que implique em reconhecimento social ou político.

Destaco ainda que a conduta narrada nestes autos deve ser analisada a luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Segundo já decidiu o TSE, a oferta de comida e bebida durante evento da campanha eleitoral, por si só, não configura compra de votos.

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2006. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97). DESCARACTERIZAÇÃO. DEPUTADO ESTADUAL. CANDIDATO. OFERECIMENTO. COMIDA. BEBIDA. 1. É cabível o recurso ordinário, nos termos do art. 121, § 4º, III, da CF, quando seu julgamento puder resultar na declaração de inelegibilidade ou na perda do diploma ou mandato obtido em eleições federais ou estaduais. 2. Para a caracterização da captação ilícita de sufrágio, é necessário que o oferecimento de bens ou vantagens seja condicionado à obtenção do voto, o que não ficou comprovado nos autos. 3. A simples realização de um evento, ainda que com a oferta de comida e bebida, no qual esteja presente o candidato, não caracteriza, por si só, a captação ilícita de sufrágio, embora seja vedada a realização de propaganda eleitoral por meio de oferecimento de dádiva ou vantagem de qualquer natureza. 4. Recurso ordinário não provido. (TSE: Recurso Ordinário nº 1803 - São Paulo/SP. Acórdão de 04/08/2009. Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 166, Data 01/09/2009, Página 44)

Ora, se a oferta de comida ou bebida durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio, a luz do princípio da proporcionalidade também não se pode considerar como tal a entrega de uma flor ao eleitor.

Desta feita reconheço, prima facie, a atipicidade da conduta. Uma vez, que está ausente o primeiro requisito/elemento (prática de uma conduta punível) necessário para a configuração da captação ilícita de sufrágio, a pretensão da Coligação requerente no presente feito está destituída de interesse de agir.

CPC, Art. 17. “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.

Nas palavras do processualista Fredie Didier:

“O interesse de agir é um requisito processual extrínseco positivo: é fato que deve existir para que a instauração do processo se dê validamente. Se por acaso faltar interesse de agir, o pedido não será examinado.

[...]

Há utilidade sempre que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido; sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao demandante.” (Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento / Fredie Didier Jr. - 18. ed. - Salvador: ed. Juspodivm, 2016, páginas 361/362)

Diante da atipicidade da conduta imputada para fins de captação ilícita de sufrágio o prosseguimento do feito seria desnecessário em razão da falta de interesse de agir.

A conclusão alcançada pela Procuradoria Regional Eleitoral, que também adoto como razões, é idêntica:

O bem jurídico tutelado é a proteção da vontade do eleitor. A liberdade de votar de acordo com sua consciência.

No caso em exame, como bem observado pelo juízo monocrático, não há como concluir que a simples entrega de uma rosa ao eleitor seja um ato de vantagem patrimonial efetiva, capaz de ensejar desequilíbrio sensível na isonomia entre os candidatos concorrentes do pleito.

Na mesma esteira, a doutrina sustenta o afastamento da tipicidade da propaganda eleitoral irregular, positivada no art. 39, §6º, da Lei 9.504/97, quando não houver a efetiva caracterização de implemento patrimonial do eleitor que tenha recebido objetos de candidato do pleito. Nas lições de José Jairo Gomes, in verbis:

“A interpretação contrario sensu dessa regra indica ser permitida a distribuição de objetos que não propiciem vantagem ao eleitor. É o caso, e.g., de distribuição de santinho com a imagem do candidato. Em certos casos, difícil será afirmar se há ou não real vantagem ao eleitor. Imagine-se a distribuição de marcador de página ou de minicalendário em forma de “santinho”; se não se pode negar a vantagem, é preciso convir ser ela insignificante.” (GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2016).

Ademais, no caso em tela, o brinde distribuído – a rosa –, ao par de não representar qualquer vantagem patrimonial para o eleitor, não é possível imaginar que seja capaz de ensejar um desequilíbrio real na isonomia entre os candidatos do pleito da cidade de Nonoai/RS.

Portanto, a bem-lançada sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.