RE - 2488 - Sessão: 09/11/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT de Sapucaia do Sul contra sentença exarada pelo Juízo da 126ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente a representação ajuizada contra MARCELO ANDRADE MACHADO e PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB de Sapucaia do Sul, afastando a pretensão do reconhecimento de propaganda eleitoral extemporânea pela divulgação do número 40.

Em suas razões recursais (fls. 57-64), o recorrente sustenta que os representados realizaram propaganda eleitoral extemporânea mediante a divulgação, por meio da internet, de bandeiras e adesivos do número e legenda partidária. Argumenta estar caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea. Requer a procedência da representação.

Após contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela extinção da ação quanto ao pedido de condenação por abuso de poder e pelo parcial provimento do recurso, para reconhecer a ilicitude das divulgações realizadas pela internet (fls. 71-76v.).

É o relatório.

 

VOTO

A sentença foi publicada no dia 07.9.2016 (fl. 56) e o recurso foi interposto no dia seguinte (fl. 57), dentro portanto do prazo de 24 horas previsto pelo art. 96, § 8º, da Lei n. 9.504/97, motivo pelo qual dele conheço.

Ainda em matéria preliminar, verifica-se que o representante formulou pedido de condenação dos representados por abuso de poder econômico, em razão do grande número de propagandas extemporâneas. O feito deve ser extinto sem julgamento do mérito em relação a este pedido, pela inadequação do rito processual.

As ações por abuso de poder econômico observam rito específico, disciplinado pelo art. 22 da LC 64/90, distinto do procedimento previsto para as representações por propaganda eleitoral irregular, regrado pelo art. 96 da Lei n. 9.504/97, sendo incompatíveis entre si.

Dessa forma, relativamente ao pedido de condenação por abuso de poder, o feito deve ser extinto sem julgamento do mérito, por ausência dos pressupostos processuais, nos termos no art. 485, IV, do CPC.

No mérito, o recorrente sustenta que os recorridos realizaram propaganda eleitoral extemporânea mediante a fixação de bandeiras e adesivos em residências e veículos contendo o número 40 e a legenda partidária, PSB, e pela divulgação de mensagens na página pessoal do partido no Facebook com os seguintes teores: “40 neles” (fl. 15), “o melhor para nossa cidade é 40” (fl. 16), e “vou de 40 quero uma felizcidade” (fl. 17).

Nos termos do art. 36 da Lei n. 9.504/97, a “propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”, caracterizando-se como extemporânea quando divulgada antes dessa data.

O dispositivo tem como finalidade estabelecer um marco a partir do qual os candidatos poderão empregar meios publicitários para divulgar seu nome e captar a preferência dos eleitores. A fixação de uma data limite, para além de simplesmente organizar o procedimento eleitoral, é regra de promoção da igualdade entre os candidatos e manutenção de um adequado equilíbrio das campanhas, contendo seus gastos.

O dilema que sempre perturbou a jurisprudência é a ponderação entre a repressão à propaganda eleitoral antecipada e a necessária garantia da liberdade de expressão, pois, reconhecendo a possibilidade da realização de propaganda eleitoral subliminar, eventuais menções ao pleito futuro e às características dos pré-candidatos poderiam caracterizar a tentativa de cooptação antecipada de eleitores.

Tendo em vista tal circunstância, o art. 36-A da Lei n. 9.504/97 enumerou condutas que não caracterizam propaganda extemporânea:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; 

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.

Como se verifica, o caput do art. 36-A, com redação conferida pela Lei n. 13.165/15, privilegia a liberdade de expressão, garantia constitucional fundamental, e estabelece ser possível a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades do candidato, vedando o pedido expresso de votos nessas manifestações.

Nesse sentido, recente decisão proferida pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral analisou situação praticamente idêntica ao caso dos autos, reconhecendo a licitude da mensagem “PSB/MG - O melhor para sua cidade é 40!”. Reproduzo a ementa do julgado em questão:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. (LEI DAS ELEIÇÕES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se – e suas exteriorizações (informação e de imprensa) – ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.

2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo.

3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral.

4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii.

5. A propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral, de maneira que, não ocorrendo in concrecto quaisquer ultraje a essa axiologia subjacente, a mensagem veiculada encerrará livre e legítima forma de exteriorizar seu pensamento dentro dos limites tolerados pelas regras do jogo democrático.

6. O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (i) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (ii) mitigar o efeito da (inobjetável) assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (iii) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral.

7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto.

8. No caso sub examine,

a) O Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, por maioria, deu parcial provimento a recurso eleitoral, reduzindo ao mínimo legal multa aplicada ao Recorrente pelo Juízo da 52ª Zona Eleitoral, ante o reconhecimento de propaganda eleitoral extemporânea, em virtude de “[ter] public[ado], em seu perfil no Facebook, uma imagem contendo sua fotografia e, ao lado, a seguinte mensagem: “PSB/MG - O melhor para sua cidade é 40!” (fls. 116).

b) Aludida mensagem, a despeito de enaltecer determinado partido político e de indicar possível candidatura, não configura propaganda eleitoral extemporânea vedada pela legislação de regência, como supõe o aresto vergastado.

c) É que, com o fim das doações empresariais e com o reduzido tempo de campanha eleitoral, impõe-se que os pretensos candidatos, no afã de difundir suas propostas e de enaltecer suas qualidades pessoais, logrem buscar formas alternativas de conexão com o seu (futuro) eleitorado, de modo que me parece natural que eles se valham de publicações em posts e de mensagens nas mídias sociais (facebook, twitter etc.) para tal desiderato.

d) A veiculação de mensagens pelas mídias sociais, dada a modicidade de seus custos, harmoniza-se com a teleologia que presidiu tanto a proscrição de financiamento por pessoas jurídicas quanto a Minirreforma Eleitoral: o barateamento das campanhas eleitorais, característica que as tornam inaptas a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito.

e) A Justiça Eleitoral, se reprimir a implementação de métodos alternativos de divulgação de propostas e plataformas políticas (com excessiva restrição ao uso das mídias sociais), contribuirá negativamente para o esvaziamento integral do período democrático de debates (para alguns, denominado de pré-campanha), instituído pela Lei nº 13.165/2015, na medida em que aniquilará, sem qualquer lastro constitucional ou legal, a interação que deve ocorrer entre os pretensos candidatos e os cidadãos, de ordem a produzir odioso chilling effect nos pretensos candidatos, tamanho o receio de verem suas mensagens e postagens qualificadas como propaganda extemporânea.

f) Como consectário, incentiva-se o aparecimento dos cognominados candidatos-surpresa – aqueles que exsurgem às vésperas do pleito, estimulando um arranjo que, decerto, antes de fortalecer, amesquinha a democracia.

g) O desenho institucional que potencializa e leva a sério o regime democrático requer que seja franqueado maior espaço de difusão de ideias, projetos políticos e opiniões sobre os mais diferentes temas, sobre as qualidades pessoais de pretensos candidatos e sobre os planos de governo futuro, visando a propiciar maior controlabilidade social por parte dos demais players do prélio eleitoral.

h) A exposição por largo período de tempo – sem pedido expresso de voto, o que é vedado por lei – permite que essas ideias sejam testadas no espaço público: se, por um lado, forem falsas ou absurdas, a oposição poderá contraditá-las e a população estará mais bem informada; se, por outro lado, forem boas soluções alvitradas, a oposição terá de aperfeiçoar suas propostas e projetos e o cidadão será, mais uma vez, beneficiado.

i) Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito;

9. Recurso especial provido (TSE, RESPE 51-24, Rel. Min. Luiz Fux, publicação: 18.10.2016).

Extrai-se do voto do ministro relator as seguintes passagens, que bem elucidam a questão:

Antes da referida alteração normativa, este Tribunal Superior consolidara o entendimento de que haveria propaganda eleitoral antecipada ou extemporânea quando, ainda que subliminarmente ou implicitamente, sem o pedido expresso de voto, se levasse ao conhecimento do público em geral plataformas, propostas e intenções políticas, se fizesse menção à pré-candidatura, a eleições vindouras e/ou se veiculasse a ideia de que o emissor/beneficiário da propaganda seria a pessoa mais bem preparada para exercer mandato eletivo.

Tal conclusão, porém, diante da nova realidade normativa inserida pela Lei nº 13.165/2015, merece ser revista. A despeito de inexistirem direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, a vedação ou a limitação à propaganda veiculada antecipadamente deve resguardar objetivos constitucionalmente legítimos, de alto valor axiológico, ou possuir uma razão constitucional suficiente, materializadas na promoção e salvaguarda de interesses, que, ante a proeminência e a envergadura na ordem constitucional, justifiquem a limitação da garantia jusfundamental da liberdade de expressão.

[…]

Ao assim proceder, o aresto hostilizado reputou configurada a propaganda extemporânea ancorado nos seguintes elementos: veiculação de candidatura através de indicação de número e cargo pelos quais, supostamente, viria o Recorrente a concorrer na eleição majoritária de 2016, além de um “quase” pedido expresso de votos.

À guisa das premissas consignadas e da exegese constitucionalmente adequada do art. 36-A da Lei das Eleições, indigitada conclusão não pode subsistir.

É que a divulgação de mensagens em rede social, na internet, de forma gratuita, com a menção a possível candidatura e o enaltecimento de uma opção política, não consubstancia – e não pode consubstanciar – propaganda eleitoral antecipada. Não se verifica, em veiculações desse jaez, qualquer prejuízo à paridade de armas, porquanto qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições.

[…]

Se passarmos a reprimir esses métodos alternativos de divulgação de propostas e plataformas políticas, a Justiça Eleitoral contribuirá negativamente para o esvaziamento integral do período democrático de debates (para alguns, denominado de pré-campanha) instituído pela Lei nº 13.165/2015, na medida em que aniquilará, sem qualquer lastro constitucional ou legal, a interação que deve ocorrer entre os pretensos candidatos e os cidadãos. Pior: produzirá um chilling effect nesses pretensos candidatos, tamanho o receio de verem suas mensagens e postagens qualificadas como propaganda extemporânea. Teremos, assim, apenas candidatos-surpresa – aqueles que exsurgem apenas e tão somente às vésperas do pleito. E esse modelo, decerto, antes de fortalecer, amesquinha a democracia.

Como bem pontua o acórdão acima referido, deve-se privilegiar a liberdade de expressão e a mais ampla difusão de ideias, especialmente nas mídias sociais, de reduzido custo econômico, viabilizando assim mecanismos para que os eleitores possam ter conhecimento a respeito dos candidatos, ideais políticos e agremiações partidárias, sem que tais divulgações caracterizem propaganda eleitoral.

A prática ilícita da propaganda antecipada fica reservada àquelas hipóteses de pedidos expressos de voto ou de inequívocos atos de campanha para cooptação direta do eleitorado.

Assim, tendo por norte o teor do art. 36-A da Lei n. 9.504/97 e o entendimento firmado pelo egrégio TSE sobre a questão, a mensagem ora analisada não pode ser considerada propaganda eleitoral extemporânea, pois limitada à divulgação da legenda e número partidários, ausente pedido expresso de votos.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto, preliminarmente, pela extinção do feito sem julgamento do mérito em relação ao pedido de condenação por abuso de poder econômico, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.