RE - 35607 - Sessão: 30/01/2017 às 13:30

RELATÓRIO

RÁDIO CIDADE S/A interpõe recurso contra a sentença do Juízo da 45ª Zona Eleitoral – Santo Ângelo, que julgou procedente a representação por divulgação de pesquisa eleitoral não registrada, ajuizada pela COLIGAÇÃO PMDB - PR, para o fim de condenar a estação de rádio e o seu responsável, Sr. Jairo Pereira Ferreira, ao pagamento solidário de multa no valor de R$ 5.000,00 por divulgação de matéria jornalística no sítio da emissora na internet.

Em suas razões recursais, afirma que a emissora sempre tratou de política de forma imparcial e que a notícia impugnada se resume a meros comentários do colunista, sem o intuito de desequilibrar a isonomia entre os candidatos. Sustenta que o texto não constitui pesquisa eleitoral, mas simples comentário de bastidor, natural no processo democrático e abarcado pelo direito à liberdade de expressão. Aponta que o conteúdo da mensagem é incapaz de influenciar a opinião do eleitorado, dado que o colunista não cita nomes nem identifica concorrentes, apenas fazendo referência à existência de pesquisas de consumo interno dos partidos políticos. Pugna pela reforma da decisão a quo para que seja julgada improcedente a representação.

Com as contrarrazões, nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é adequado, tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade.

Preliminar de ofício – ilegitimidade passiva da pessoa física responsável pela emissora de radiodifusão

Inicialmente, observo que a representação foi ajuizada com base em notícia divulgada por emissora de rádio, por meio da internet, e que na primeira instância foram consideradas como partes a pessoa jurídica, Rádio Cidade S/A, e também a pessoa física que a representa, Sr. Jairo Pereira Ferreira.

No entanto, apenas a emissora de radiodifusão deve figurar como parte no feito, por ser a legitimada a responder ao processo, inexistindo fundamento legal para que o seu representante legal também esteja no polo passivo da ação.

Aplica-se ao caso o disposto no art. 21 da Resolução TSE n. 23.453/15, que determina a responsabilidade do veículo de comunicação social pelas consequências da publicação de pesquisa não registrada:

Art. 21 O veículo de comunicação social arcará com as consequências da publicação de pesquisa não registrada, mesmo que esteja reproduzindo matéria veiculada em outro órgão de imprensa.

Idêntica é a previsão contida no art. 49, § 2º, da Lei n. 5.250/67, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, e na Súmula n. 221 do STJ, que determina que deva integrar a lide, como réu, ou a pessoa natural ou a jurídica da titular da transmissão:

Lei n. 5.250/67

Art . 49. Aquêle que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:

[…]

§ 2º Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico, ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50).

 

Súmula 221 do STJ

São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.

Nesses termos, com arrimo no art. 485, inc. VI, do CPC extingo o feito sem resolução do mérito em relação a Jairo Pereira Ferreira, excluindo-o da lide, por ser ilegitimado passivo para responder à representação, devendo permanecer como parte apenas a emissora de radiodifusão Rádio Cidade S/A, com a devida retificação da autuação.

 

No mérito, a controvérsia restringe-se à caracterização ou não da matéria impugnada como divulgação de pesquisa sem registro.

Na primeira instância, o Parquet eleitoral entendeu que o texto não configura infração, pois seu conteúdo trata de simples comentário sobre pesquisas de consumo interno e sondagens, comumente realizadas pelos partidos políticos, e não uma pesquisa eleitoral propriamente dita.

O órgão ministerial de primeiro grau também ponderou que as informações divulgadas pela emissora de rádio na internet nem sequer permitem saber de quem efetivamente se está falando, uma vez que as indicações denominam os candidatos a prefeito como A, B, C e D, sem apontar nomes, o que impossibilita que a informação tenha a capacidade de influenciar minimamente a vontade do eleitor.

O juízo a quo, contudo, considerou que há irregularidade, porque a matéria não informa que seu conteúdo não advém de pesquisa eleitoral, sondagem ou enquete, e devido à apresentação de percentuais, os quais teriam o poder de influenciar o eleitor, ainda que sem indicação nominal de candidatos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional também opinou pela existência de ilícito eleitoral, pois no texto a emissora afirmou a existência de pesquisas e de tendências do eleitorado, e porque o apontamento de percentuais levaria o eleitor a crer na existência de critérios científicos para o levantamento, típico das pesquisas eleitorais.

Estabelecidas, em linhas gerais, as conclusões sobre a questão controvertida, cumpre transcrever a matéria jornalística em questão (fl. 06):

Pesquisas já mostram tendência do eleitorado Mesmo com índice alto de eleitores indecisos, as chamadas pesquisas de consumo interno já demonstram a tendência do eleitorado em Santo Ângelo, isso de acordo com que visualiza tais números. Até o momento, e com informações checadas junto aos partidos, constata-se que o candidato A já estaria com 31,1% sobre os demais concorrentes. Por sua vez, o candidato B teria 26% e o candidato C 23%, sendo que tecnicamente ambos estariam no empate, enquanto o D estaria com 6%. E, o interessante que nas três pesquisas de consumo interno os números são quase os mesmos com pequenas alterações. A mais recente, e que se tem conhecimento foi entregue na sexta-feira (09) às lideranças partidárias. Já indecisos no momento seria em 30%. Isso ficaria em torno de 14mil votos. Como faltam poucos dias para as eleições, a corrida na próxima semana deve ser frenética na cidade.

Destaquei no texto impugnado as passagens que considero importantes para o deslinde da questão, merecendo ser salientado que a divulgação em tela está em posição limítrofe da caracterização do ilícito de divulgar pesquisa eleitoral irregular.

Não desconheço que as pesquisas eleitorais possuem um papel importantíssimo para as campanhas eleitorais e escolha de candidatos. A avaliação constitui ferramenta ideal para verificação da disputa entre candidatos e a intenção de voto do eleitorado, muitas vezes espelhando e antevendo o desempenho no dia da eleição.

Conforme leciona Zílio, “Historicamente, a divulgação da pesquisa possui influência inegável junto ao público-alvo, servindo como elemento de interferência no processo eleitoral. Assim, a pesquisa realizada de modo irregular, com manipulação dos resultados e forte possibilidade de indução na vontade do eleitor, é coibida pela legislação eleitoral” (Zílio, Rodrigo L. Direito eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, p. 441).

Penso, no entanto, que a matéria analisada nestes autos não se revela como uma pesquisa eleitoral propriamente dita, nem teve capacidade de gerar forte possibilidade de indução na vontade do eleitor, sendo incapaz de induzir ou manipular o eleitorado.

O texto constitui-se de uma matéria jornalística na qual o colunista aborda a existência das “chamadas pesquisas de consumo interno” “com informações checadas junto aos partidos”, e em nenhum momento trata do material como uma pesquisa eleitoral propriamente dita.

Além disso, a mensagem refere percentuais quase idênticos sem divulgar os nomes dos respectivos candidatos, denominando os concorrentes pelas letras A, B, C e D, circunstância incapaz de interferir ou influenciar o voto do eleitor ou prejudicar a legitimidade do pleito, uma vez que não há menção a partidos, coligações e candidatos.

De acordo com a Lei das Eleições e a Resolução TSE n. 23.453/15, para a realização de pesquisa eleitoral é necessário que a empresa responsável informe à Justiça Eleitoral quem a contratou, o valor e a origem dos recursos despendidos no trabalho, a metodologia e o período de realização da pesquisa, o intervalo de confiança e a margem de erro, o questionário completo aplicado ou a ser aplicado, o nome de quem pagou pela realização do trabalho e a cópia da respectiva nota fiscal.

A divulgação de pesquisas eleitorais que não estejam devidamente registradas é considerada como um ilícito eleitoral gravíssimo, que sujeita os responsáveis à pena de multa de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais).

Se a pesquisa divulgada for fraudulenta, ou seja, apresentar dados inverídicos, o fato caracteriza crime eleitoral punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00.

Tenho que não se mostra razoável punir a emissora com a pesada multa prevista para a divulgação de pesquisa sem registro, quando é possível concluir pela inexistência de mínima potencialidade lesiva na veiculação de matéria que em momento algum favorece candidato ou partido político, traduzindo-se em meros comentários sobre levantamentos de consumo interno realizados por partidos políticos.

Diante da ausência de informações claras e específicas sobre o nome dos concorrentes e seus índices de desempenho ou outros argumentos de ordem técnica próprios de levantamentos estatísticos, considero que o material não atrai a penalidade prevista no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/97.

De fato, a simples referência a investigação de intenções de voto desprovida de qualquer dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices, entre outros, não se equipara à divulgação de pesquisa eleitoral, conforme já assentado por esta Corte Regional no julgamento do RE 9-51, de relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado na sessão de 30.01.2014, cuja ementa transcrevo:

Recursos. Pesquisa eleitoral. Art. 18 da Resolução TSE n. 23.364/11. Eleições 2012.

Alegada veiculação de pesquisa sem registro junto à Justiça Eleitoral no horário da propaganda gratuita de rádio.

Mensagem que não se reveste de pesquisa, porquanto desprovida de dado concreto, a exemplo do número de entrevistados, período de realização, margem de erro, comparativos, índices e outros elementos indispensáveis para a sua formatação.

Reforma da sentença. Afastada a multa imposta.

Não conhecimento do apelo ministerial, por intempestivo.

Provimento do recurso da coligação.

Desse modo, não há oferta de elementos suficientes para caracterizar a matéria jornalística como divulgação de pesquisa eleitoral nos moldes conceituais exigidos pelo art. 33, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

 

Ante o exposto, de ofício, extingo o feito sem resolução do mérito em relação a Jairo Pereira Ferreira, excluindo-o da lide por ser ilegitimado passivo para responder à representação, forte no art. 485, inc. VI, do CPC e, no mérito, VOTO pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedente a representação, afastando a multa aplicada.

Retifique-se a autuação.

 

Des. Luís Alberto Aurvalle:

Estou acompanhando integralmente o voto do relator em relação à preliminar de que somente a empresa emissora deve participar do processo, e não seu proprietário. No tocante ao mérito, no entanto, a notícia veiculada por este meio de comunicação afirmava: “Pesquisas já mostram tendência do eleitorado. Mesmo com índice alto de eleitores indecisos, as chamadas 'pesquisas de consumo interno' já demonstram a tendência do eleitorado de Santo Ângelo, isso de acordo com o que se visualiza em tais números." Então, vejam que o texto faz expressa referência à palavra pesquisa e à tendência do eleitorado. Assim, me parece que neste caso a divulgação tem, sim, potencialidade de influir na vontade do eleitor, pois faz presumir que os dados ali expostos provêm de fonte fidedigna. Quanto ao fato de não terem sido citados os nomes dos candidatos, mas apenas os “candidatos A, B e C”, em se tratando de um colégio eleitoral pequeno, entendo que os moradores da localidade poderiam perfeitamente identificar quais estariam sendo apontados com tendência de aumento de votação. E, como tratava-se de pesquisa interna do partido, a rádio não poderia promovido esta divulgação. Por isso, pedindo vênia ao ilustre relator, voto pelo desprovimento do recurso eleitoral.

 

(Por unanimidade, de ofício, extinguiram o feito sem resolução do mérito em relação a Jairo Pereira Ferreira. No mérito, após votar o relator dando provimento ao recurso, votou o Des. Aurvalle pelo desprovimento. Pediu vista o Des. Marchionatti. Demais membros aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)

 

Des. Carlos Cini Marchionatti (voto-vista):

Após detido exame dos argumentos apresentados, com a vênia do relator, acompanho o voto do Des. Aurvalle.

 

Dra. Maria de Lourdes:

Sra. Presidente, acompanho o relator.

 

Dr. Jamil Bannura:

Com a vênia do relator, acompanho a divergência.

 

Dr. Luciano Losekann:

Acompanho a divergência.