RE - 19470 - Sessão: 06/10/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por ELISA REGINA DETOGNI BRANCO (fls. 179-209), candidata a vereadora em Vacaria pelo Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, em face da sentença (fls. 175-176) que, acatando impugnação ofertada pelo Ministério Público (fl. 24-24v), indeferiu o pedido de registro de candidatura pleiteado, diante da ausência de filiação ao PTB de Vacaria, pelo período mínimo previsto no estatuto do partido.

Em suas razões recursais (fls. 179-209), a recorrente sustenta, preliminarmente, falta de interesse processual do Ministério Público no manejo da presente ação de impugnação. No mérito, alega que o estatuto do PTB sempre estabeleceu prazo mínimo para filiação idêntico à lei, que, antes da reforma introduzida pela Lei n. 13.165/15, era de um ano, o que demonstraria a sua intenção de não fixar prazo superior, razão pela qual seria uma mera adequação à novel legislação. Aduz que a agremiação editou a Resolução PTB/CEN n. 78/2016, ratificada pelo Diretório Nacional do partido em 14.4.2016, definindo prazo de 6 (seis) meses, adequando-se à novel legislação, não se tratando de hipótese de alteração do estatuto do partido. Requer a reforma da sentença, a fim de que seja deferido ao candidato o registro pretendido.

Com contrarrazões (fls. 211-212v.), nesta instância a Procuradoria Regional Eleitoral lançou parecer pelo desprovimento.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

A recorrente aduz falta de interesse de agir do Ministério Público Eleitoral, com fulcro no art. 17 do Código de Processo Civil.

Diz que a Constituição da República conferiu autonomia organizacional aos partidos políticos (art. 17, § 1°, da CF/88; art. 3° da Lei n. 9.096/95), de forma que a interpretação do estatuto do PTB seria matéria interna corporis do partido, na qual não se poderia imiscuir o impugnante, estando a matéria debatida nesta demanda excluída da análise jurisdicional.

Sem razão.

Qualquer matéria que interfira na aferição do preenchimento, ou não, de condição de elegibilidade de candidato em pleito eleitoral para cargos públicos, diante do evidente e relevante interesse público subjacente, há inegavelmente interesse de agir do Ministério Público.

Ademais, a autonomia garantida às agremiações partidárias não significa imunidade de seus atos frente ao Poder Judiciário.

Dessa forma, o ajuizamento da impugnação, no caso, é meio processual útil e necessário para a obtenção do provimento jurisdicional buscado, qual seja, o reconhecimento da falta de condição de elegibilidade e o indeferimento do registro de candidatura do recorrente, de forma que totalmente descabida a prefacial de falta de interesse de agir ou interesse processual do impugnante, não sendo caso de acolhimento e de extinção da ação sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.

Rejeito a prefacial.

No mérito, a sentença atacada acolheu a impugnação ministerial e indeferiu o registro de candidatura de Elisa Regina Detogni Branco, candidata ao cargo de vereador, por não atender ao prazo mínimo de filiação previsto no estatuto do PTB.

A controvérsia destes autos se refere, portanto, ao não preenchimento da condição de elegibilidade da candidata.

A matriz da discussão destes autos é a novíssima redação do art. 9°, caput, da Lei n. 9.504/97, dada pela Lei n. 13.165/15, de 29.9.2015, a denominada Minirreforma Eleitoral.

Com efeito, a redação anterior do artigo mencionado estabelecia o prazo de um ano antes do pleito como mínimo de filiação partidária.

A redação atual desse dispositivo legal prevê:

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. (Grifei.)

O art. 20 da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) faculta às agremiações a possibilidade de fixar prazos maiores em seus estatutos. O parágrafo único, por sua vez, veda a alteração desse período no ano da eleição:

Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.

Parágrafo único. Os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição.

Observo que antes de sua redução, os estatutos partidários apresentavam três diretivas distintas quanto ao prazo: a) reprisavam o texto legal; b) eram omissos; c) remetiam à lei. Nenhum, absolutamente nenhum estatuto das 35 siglas registradas no TSE previa prazo superior ao mínimo legal.

O caso do Partido Trabalhista Brasileiro não se diferencia da regra, pois o art. 23, § 1º, de seu Estatuto, estabelecia o prazo de 1 (um) ano de filiação, justamente o prazo legal antes da mudança legislativa.

Pois bem, com a redução do período legal para 6 (seis) meses, algumas agremiações não lograram promover, tempestivamente, alterações em seus estatutos, quer pela vedação em ano eleitoral, quer pela forma exigida pela legislação, Registro Civil de Pessoa Jurídica e posterior registro no TSE.

Em relação ao PTB, a adequação estatutária apenas se realizou por meio da Resolução PTB CEN n. 78/2016, sendo esta referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Essa a síntese da controvérsia: incidente o prazo de filiação partidária previsto no estatuto (1 ano) ou o legal (6 meses)?

A questão já foi discutida e enfrentada recentemente por esta Corte no julgamento do RE 42-84.2016.6.21.0102, em 08.9.2016, de minha relatoria, sendo pertinente a transcrição da ementa do precedente então fixado:

Recursos. Registro de candidatura. Julgamento conjunto. Chapa majoritária. Prefeito e vice. Filiação partidária. Estatuto Partidário. Art. 20 da Lei n. 9.096/95. Art. 9º da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação contra decisão a quo, que indeferiu o registro da chapa majoritária formada pelos recorrentes, ao entendimento de não comprovada a filiação partidária no prazo mínimo previsto no estatuto da agremiação, relativamente ao candidato ao cargo de vice-prefeito.

Controvérsia quanto ao prazo de filiação partidária exigido para a habilitação à disputa do certame. A nova redação do art. 9º, caput, da Lei das Eleições reduziu o período legal de um ano para seis meses, acarretando dissonância com alguns textos estatutários que reprisavam a norma legal anterior.

Providenciada a adequação do estatuto ao prazo legal, referendada pelo diretório nacional, porém em data conflitante ao disposto no parágrafo único do art. 20 da Lei n. 9.096/95, que veda a alteração em ano de eleição. O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei, entretanto, não pode a Justiça Eleitoral imiscuir-se em matéria interna corporis, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária.

Evidenciado o interesse da agremiação em permitir a candidatura de correligionário com filiação efetivada pelo menos seis meses antes da eleição e, considerando que a intenção do legislador, com a redução do prazo mínimo legal, foi tornar mais acessível a candidatura, resta imperioso reconhecer atendido o vínculo partidário do recorrente, postulante a cargo eletivo, a fim de deferir o registro da chapa majoritária.

Provimento.

Por fim, cumpre mencionar que em 08.9.2016, o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, concedeu liminar para dar eficácia à alteração estatutária pretendida pelo PTB nos termos sugeridos pela Resolução PTB/CEN n. 78. Constou da ementa da PET n. 403-04:

ELEIÇÃO 2016. PROTOCOLO. CONVERSÃO EM PETIÇÃO. TUTELA DE URGÊNCIA. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. ESTATUTO PARTIDÁRIO: PRAZO DE FILIAÇÃO DE UM ANO ANTES DAS ELEIÇÕES. LEI Nº 13.165/2016: PRAZO DE SEIS MESES ANTES DO PLEITO. PEDIDO DE ALTERAÇÃO A MENOS DE UM ANO DA ELEIÇÃO. REFLEXO NOS PEDIDOS DE REGISTROS DE CANDIDATURA NAS ELEIÇÕES DE 2016. DEFERIDO.

1. O art. 20 da Lei nº 9.096/1995 estabelece que “é facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos”, enquanto o parágrafo único do referido artigo define que “os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição”. Com base na compreensão sistemática dessas regras bem como no direito constitucional à elegibilidade, a Lei dos Partidos Políticos veda que no ano das eleições o estatuto seja alterado para aumentar o prazo de filiação partidária fixado em lei, não proibindo a redução do prazo quando a modificação simplesmente busca a compatibilização à novel legislação eleitoral, editada e promulgada em conformidade com o art. 16 da Constituição Federal de 1988.

2. A eventual negativa do pedido de urgência poderá causar sérios prejuízos à agremiação partidária, pois os candidatos que pleitearam registro de candidatura nas eleições de 2016, respeitando o prazo legal de filiação partidária de seis meses, estarão inviabilizados em razão da norma estatutária.

3. Pedido de tutela de urgência deferido.

Dessarte, tendo em conta a inequívoca intenção do legislador em tornar mais acessível a candidatura, reduzindo o prazo mínimo legal para a filiação partidária e o manifesto intento do PTB, por meio da Resolução PTB/CEN n. 78/2016, no sentido de permitir ao filiado a candidatura, se filiado há, pelo menos, seis meses antes da eleição, tenho por atendido o prazo mínimo de vínculo partidário pela candidata, pois sua filiação ocorreu em 02.4.2016 (fl. 11), dentro do período estabelecido pela novel redação do art. 9º da Lei n. 9.504/97.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ao efeito de deferir o registro de candidatura de ELISA REGINA DETOGNI BRANCO.