RE - 14172 - Sessão: 06/10/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Examina-se recurso interposto pela coligação UNIDOS POR GUARANI contra sentença do Juízo Eleitoral da 96ª Zona Eleitoral – Guarani das Missões, que julgou improcedente a sua impugnação, aplicando-lhe multa por litigância de má-fé, no valor de dez vezes o salário mínimo nacional vigente, com base no art. 81 do CPC, e deferiu o pedido de registro de candidatura de ANTÔNIO GONSIORKIEWICZ ao cargo de prefeito, por considerar inaplicáveis as hipóteses das als. “g” e “l” do inc. I do art. 1º da Lei Complementar n. 64/90 (fls. 118-120).

Em suas razões (fls. 125-129v.), a coligação aduz que o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul emitiu parecer desfavorável à aprovação das contas de ANTÔNIO GONSIORKIEWICZ, referente ao exercício de 2006, no qual ocupou o cargo de prefeito de Guarani das Missões. Alega que a decisão transitou em julgado em 18.11.2008, atraindo a incidência do art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei das Inelegibilidades. Ademais, pugna pelo afastamento da pena de litigância de má-fé, sob o argumento de que jamais buscou alterar a verdade dos fatos, referindo que baseou sua iniciativa judicial em informações disponíveis no sítio eletrônico da Corte Estadual de Contas. Ao final, postula a reforma integral da sentença.

Foram oferecidas contrarrazões rebatendo as teses recursais (fls. 133-142).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 146-149v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal previsto no art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.455/15.

No mérito, debate-se a incidência da causa de inelegibilidade insculpida no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90 e a aplicação de multa por litigância de má-fé. Passo à análise.

Da inelegibilidade do art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90:

A hipótese em tela encontra a seguinte positivação:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Segundo o aludido dispositivo, com redação dada pela Lei Complementar n. 135/10, exige-se o preenchimento de três condições para a caracterização da inelegibilidade em questão: 1) terem sido as contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente; 2) a rejeição ter se dado por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa;  e 3) que inexista decisão judicial suspendendo ou anulando os efeitos da rejeição.

Em relação à primeira condição, qual seja, terem sido as contas rejeitadas por decisão irrecorrível do órgão competente, impende destacar que, segundo Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, 5. ed., 2016, pág. 232), é necessário que a decisão "tenha efetivamente transitado em julgado".

E, a partir da data da decisão de rejeição de contas, devidamente transitada em julgado (ou seja, irrecorrível), é que se inicia o prazo da inelegibilidade da referida alínea “g”.

O recorrente busca o reconhecimento da inelegibilidade, sustentando que o pré-candidato teve suas contas relativas à gestão do exercício de 2006, quando exerceu o cargo de prefeito de Guarani das Missões, rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado, por irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, consoante documentos de fls. 32-60.

Entretanto, é inevitável reconhecer a ausência de decisão irrecorrível do órgão competente a amparar a pretensão recursal, isto porque, embora haja decisão do TCE desaprovando a contabilidade, não há notícias de decisão definitiva pela Câmara de Vereadores, órgão competente para julgar as contas de prefeito, nos termos do recentemente decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, a Corte Suprema entendeu que, para os fins do art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores (RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10.8.2016 - repercussão geral).

Nesse julgamento, também ficou superada a controvérsia sobre o alcance da fiscalização pelo Tribunal de Contas dependente de ratificação da Câmara Legislativa.

De fato, parcelas da doutrina e da jurisprudência distinguiam as contas de gestão das contas de governo, no tocante à competência para julgamento. As primeiras envolviam o prefeito enquanto ordenador de despesa, com responsabilidade administrativa, e ocorriam exclusivamente perante a Corte de Contas. A segunda hipótese envolvia o exame das contas do chefe do Executivo na condição de executor orçamentário, suscitando a responsabilidade política da autoridade, cujo julgamento competia ao Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas.

A partir da interpretação conferida pelo STF aos arts. 31, § 2º, 71, inc. I, e 75 da Carta Magna não importa perquirir se a análise envolve contas de governo ou contas de gestão, pois ambas devem ser, indistintamente, apreciadas por um processo político-administrativo, partindo-se de um parecer técnico da Corte de Contas sujeito ao posterior acolhimento ou à rejeição pelo Poder Legislativo respectivo.

Na mesma trilha, a manifestação da Câmara Municipal deve ser expressa, uma vez que o Pretório Excelso igualmente definiu que é incabível o julgamento ficto das contas por decurso de prazo (RE 729744/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10.8.2016 - repercussão geral).

Além disso, consta dos autos (fl. 112) cópia do Decreto Legislativo n. 02/2009, pelo qual a Câmara de Vereadores de Guarani das Missões rejeitou o parecer do TCE-RS referentes às contas do Poder Executivo, relativas ao exercício de 2006.

Desse modo, não se verifica, na espécie, a causa de inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar n. 64/90, pois ausente a decisão irrecorrível do órgão competente rejeitando as contas públicas.

Da condenação por litigância de má-fé:

Por derradeiro, a coligação Unidos por Guarani insurge-se contra a imposição de multa por litigância de má-fé.

Julgou o magistrado sentenciante que a parte autora da impugnação intentou a demanda sabendo que as contas haviam sido aprovadas pela Câmara Municipal e que não havia condenação por ato de improbidade administrativa contra o pré-candidato. Dessa forma, a coligação Unidos por Guarani teria alterado a verdade dos fatos, incorrendo em ato de litigância de má-fé, consoante a previsão do art. 80, inc. II, do CPC.

Entendo que sem acerto a decisão monocrática nesse ponto.

A despeito da confusa dicção da peça processual sobre os fatos e fundamentos jurídicos da hipótese em análise, a impugnação cingiu-se a apontar a incursão do recorrido na inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, al. “g”, da Lei Complementar n. 64/90. Depreende-se, assim, que as referências sobre a suposta “condenação” por improbidade administrativa envolviam o reconhecimento de irregularidades insanáveis, no bojo da prestação de contas, passíveis de serem enquadradas nas descrições típicas de condutas dolosas da Lei n. 8.429/92. Essa análise seria, inclusive, pressuposto para eventual aplicação da inelegibilidade inscrita na aludida alínea “g”.

Pretendesse o impugnante insinuar a existência de efetiva condenação autônoma e própria por improbidade administrativa em ação civil pública, suscitaria expressamente a aplicação da alínea “l” da referida disposição legal, o que não ocorreu.

Ademais, as alegações não são inverídicas ou abusivas, visto que há efetivamente parecer do TCE pela rejeição das contas do recorrido, bem como a matéria concernente à competência para o julgamento da gestão orçamentário-financeira dos prefeitos encontrava celeuma doutrinária e jurisprudencial, tendo sido apenas recentemente pacificada por meio das teses definidas pelo STF, em 10.08.2016, no contexto dos julgados alhures mencionados.

Assim, não se verifica na sua atuação qualquer das hipóteses previstas no art. 80 do CPC para a caracterização da litigância de má-fé, devendo ser afastada a aplicação da multa.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, confirmando o deferimento do pedido de registro da candidatura de ANTÔNIO GONSIORKIEWICZ para concorrer ao cargo de prefeito nas Eleições de 2016, mas afastando a aplicação de multa por litigância de má-fé contra a COLIGAÇAO UNIDOS POR GUARANI.