RC - 495 - Sessão: 21/09/2016 às 14:00

Pedindo redobradas vênias aos Exmos. Juízes Eleitorais Dra. Gisele, relatora, e Dr. Silvio, condutor do voto divergente, penso que é caso de absolvição do acusado.

Explico e fundamento.

Afasto a preliminar de cerceamento de defesa, invocando as razões do voto da d. relatora.

Afasto a preliminar de ilicitude da prova adotando, igualmente, os fundamentos invocados pela d. relatora.

De igual modo, entendo desnecessária a prova pericial na gravação realizada, isso porque, como salientou o voto divergente do Dr. Silvio, resta claro que houve edição na gravação, seja pela repetição inexplicável de trechos, seja pela ausência da linha temporal nos assuntos tratados, seja pelo tempo da gravação.

Com isso, o resultado esperado da prova pericial não traria nenhuma novidade aos autos, alertando apenas para o que já se pode antever sem conhecimento técnico algum.

Ocorre que, mesmo examinada a gravação do modo como foi apresentada, entendo que a prova não é suficiente para uma condenação criminal.

A divisão da prova, a contradição dos termos pinçados da gravação com o contexto em que foi produzida, somada à criteriosa dúvida da prática dos delitos elencados, impõe o voto de absolvição.

Tomo a liberdade de transcrever brilhante voto-vista proferido pelo Juiz Eleitoral Dr. Leonardo nos autos do RE 737-95.2012.6.21.0096, que analisa também criteriosamente a prova produzida. In verbis:

“(...) Os recorrentes foram condenados com base na acusação de que o evento foi realizado com a única e exclusiva finalidade de pressionar as servidoras para que fornecessem apoio eleitoral à candidatura de Valter Hawig Spies e Ranieri Tonim, sob ameaça de demissão, e de prometer-lhes a manutenção no emprego em caso de voto.

Importante mencionar que a reunião impugnada nesses autos foi realizada em um contexto de bastante apreensão.

As agentes presentes na reunião eram empregadas, mediante contratação por meio do regime celetista, em razão de convênio firmado entre o Município e a Associação Hospitalar de Caridade Serro Azul. Os termos do convênio passaram a ser questionados pelo Ministério Público do Trabalho, o que gerou insegurança e apreensão nos contratados.

Pelo que se depreende dos autos, esse convênio foi iniciado na administração anterior (do partido opositor) e mantido na gestão do prefeito Adair. Embora não tenha encontrado nos autos documento que o comprovasse, isso justificaria que, dentre os contratados, apesar da aparente livre seleção, houvesse opositores da atual administração, filiados e até candidata ao cargo de vereador por partido oponente: Nilsa Cecília Rauber, agente de saúde que estava afastada para concorrer ao cargo de vereadora.

Em 21/9/2011 (fls. 128-141), cerca de um ano antes da data da reunião, o Ministério Público do Trabalho aforou contra os recorrentes uma ação civil pública, na qual afirmou que Adair e Renzo, na condição de gestores municipais, firmaram convênio irregular com a associação municipal para realizar contratação de funcionários que, embora terceirizados, exerciam em atividade fim do Executivo municipal, burlando os princípios que regem o direito do trabalho e a administração pública, dentre eles, a ausência de prévia realização de concurso público.

A administração municipal vinha resistindo ao encerramento dos contratos de trabalho decorrentes do convênio, e só o fez diante do ajuizamento dessa ação civil pública na Vara do Trabalho de Santo Ângelo (fls. 128-141), onde a transação que ensejou a dispensa das empregadas, firmada após a reunião, em 10/11/2012, foi homologada (fls. 142-143).

Os assuntos tratados na reunião tinham relação direta com essas questões locais, ligadas aos processos judiciais que questionavam os contratos de trabalho das funcionárias que trabalhavam na área da saúde.

Na época, os recorrentes haviam sido notificados e alertados da necessidade de interrupção e extinção dos contratos de trabalho em execução, a fim de que fosse realizada nova contratação mediante concurso público.

Por isso, um dos assuntos da reunião foi a manutenção das agentes de saúde no emprego.

Além disso, havia rumores de que as funcionárias presentes falariam mal do candidato à vice-prefeito Ranieri Tonim, que concorria pelo partido da situação e, portanto, era apoiado pelo prefeito Adair José, quando das visitações a residências familiares, realizadas para tratar de programas sociais (Primeira Infância Melhor, combate à dengue, etc).

Nesse contexto é que foi realizada a reunião do dia 20 de agosto de 2012, evento que, segundo afirmaram as agentes de saúde ouvidas em juízo, iniciou com a fala do prefeito Adair José, solicitando que “parassem de falar mal de Ranieri nas casas”, seguida por Renzo Thomas, que explicou detalhes do processo promovido pelo Ministério Público do Trabalho e do pedido de realização de concurso público, e de Tânia Rosane Porsch, que encerrou reforçando o pedido de interrupção de comentários negativos em relação à Ranieri durante o horário de trabalho, e prosseguiu tratando das visitações referentes ao programa bolsa família que seriam promovidas pelas funcionárias.

(...)

Cumpre apontar que todas as funcionárias ouvidas em juízo afirmaram que, quando compareceram perante o Ministério Público Eleitoral, foi reproduzido o áudio da reunião da reunião e fornecido o texto com a respectiva degravação antes da coleta de suas declarações, e que elas relataram terem respondido às perguntas formuladas com base na transcrição das falas entregue pelo Parquet, devido à má qualidade da gravação.

(...)

Parágrafos inteiros, que podem ser perfeitamente compreendidos, não foram transcritos. Além disso, há falas que, na degravação, foram alteradas, com troca de palavras e de sentenças inteiras, e existem, ainda, supressões de frases que retiram o sentido do que foi dito pelos recorrentes.

A título exemplificativo, cito algumas falas que foram omitidas e podem ser ouvidas na mídia da fl. 60.

Na degravação, consta transcrita a seguinte frase, atribuída a Adair: “Mas vocês não podem mais... gente falando... e eu gostaria de ganhar a eleição”. No entanto, a fala completa pode ser ouvida aos 4min55s da gravação, e foi mencionada durante o pedido de que as agentes de saúde parassem de fazer propaganda negativa do candidato da situação: “Mas vocês não podem continuar indo em gente falando essas coisas, porque eu tô aqui porque a coisa foi comigo. Eu considero que é ruim porque o povo tá acreditando pelo jeito, e eu gostaria de ganhar a eleição”.

Também a seguinte fala, relativa à possibilidade de demissão das funcionárias que estivesses insatisfeitas, não está transcrita na degravação da forma como foi pronunciada: “agora se vocês acharem que não é bom, e vou dizer mais, se acharem 'eu não queria mais trabalhar', me fale que eu mando demitir, não tem problema nenhum, pagar vocês a gente tem dinheiro e a gente paga”. A fala foi referida aos 9min13s da seguinte forma “e tem mais, se tem alguém diz olha, eu não queria mais trabalhar, eu queria que me demitissem, me fala que eu mando demitir sem problema, não tem problema nenhum, pagar vocês a gente tem dinheiro e a gente paga”.

Verifica-se, pelo tom da conversa, que os recorrentes não se dirigiram às presentes com ameaças ou com coação, deixando claro que nada poderiam oferecer em troca do trabalho e ressaltando a possibilidade de demissão das funcionárias que não estivessem satisfeitas com o trabalho.

Além disso, também em relação ao recorrente Renzo a degravação não é literal ao que foi dito, merecendo registro que o seguinte trecho da degravação: “Ninguém vai ser demitido, não é esse o meu objetivo…. Eu só quero que vocês reflitam e tomem a melhor decisão para todos pensando na coletividade”, efetivamente refere-se ao discurso que consta aos 16min19s da mídia: “Ninguém vai ser demitido, ninguém vai ser demitido, não é esse meu objetivo, se fosse pra fazer isso eu não era o presidente da associação hospitalar, eu já tinha também me exonerado ou pedido pra sair, porque eu acho que não é assim que vai resolver o problema”.

(...)

Não tenho dúvidas de que a degravação é tendenciosa, mas o arquivo de áudio da fl. 60 permite que partes e julgadores tenham conhecimento dos desdobramentos da reunião, salvo uma ou outra ocasião em que trechos são inaudíveis.

(...)

Naquilo que pode ser aferido por este juiz, que diz com a mera correlação entre o que se pode escutar e o que foi transcrito e submetido ao crivo judicial, assento que não há confiabilidade e fidedignidade. Para além, verifica-se que o áudio termina no meio da fala de Tânia, justamente quando ela começa a tratar de questões relativas ao trabalho e ao programa bolsa família. Antes disso, Tânia havia mencionado que trataria das agendas de visitações e do programa bolsa família. O áudio termina antes do final da reunião, na parte em que Tânia reforça o pedido de interrupção de comentários políticos e eleitorais durante o horário de trabalho.

(...)

Claudia Eleanai Machado, visitadora do Programa Primeira Infância Melhor – PIM à época, negou que os representados tenham realizado pedido de votos durante a reunião, ou oferecido vantagem para conseguirem o voto. Eles teriam deixado claro que as agentes eram livres para votar em quem quisessem. Afirmou ser normal a realização de reuniões de trabalho, tal como a ocorrida naquele dia, e que foram instadas a parar de falar mal do candidato da situação, Ranieri. Disse que a interpretação da reunião varia de acordo com a consciência de cada um, mas que não entendeu ter sido ameaçada, ter de utilizar o cargo para fazer campanha, ou estar obrigada a votar nos representados.

Juliana da Silva Vieira, à época técnica de enfermagem, disse que os representados não pediram votos, e que a reunião tratou de assuntos relacionados ao trabalho. Afirmou ter participado de outras reuniões e que na de agosto não foi ameaçada a votar nos representados, sob pena de demissão.

Raquel Wilhelm, agente de saúde à época, afirmou que os representados pediram ajuda, apoio e voto, e que além disso, trataram de assuntos de serviço na reunião. Afirmou não terem sido ameaçadas de demissão, mas que estavam por serem demitidas. Negou tenham oferecido qualquer tipo de vantagem no evento, e afirmou que o encontro não era obrigatório, pois anteriormente, houve outras reuniões. Disse que os representados não deram a entender que era para usar o cargo para fazer campanha, nem ofereceram estrutura melhor de trabalho ou qualquer vantagem.

Cirlei Follmann, agente de saúde à época, contou que a reunião era de rotina e de trabalho, tendo os representados esclarecido que cada uma era livre para votar em quem quisessem. Disse que fizeram várias perguntas durante a reunião, e que as funcionárias tinham dúvidas quanto à sua situação de trabalho e à remuneração, pois em outros municípios as agentes de saúde ganhariam mais. Narrou que as agentes de saúde tinham dúvidas se poderiam trabalhar na campanha porque uma delas, Nilsa, era candidata ao cargo de vereadora, e que na reunião informaram que, após o expediente, cada uma era livre para fazer o que quisesse. Afirmou que, quando reclamaram do salário, o prefeito disse que, quem não quisesse trabalhar como agente de saúde, poderia pedir demissão. A agente Raquel teria feito perguntas sobre o processo que tramitava na Justiça do Trabalho, razão pela qual teriam entrado nesse assunto.

Cláudia Winter, visitadora do PIM à época, afirmou que os representados não pediram votos na reunião, e que eles disseram que as agentes eram livres para votar em quem queriam, podendo fazer campanha para quem quisessem, mas que não podiam fazer campanha no horário de serviço. Disse que os representados foram questionados sobre os salários, e aí eles afirmaram que quem não estivesse contente com o seu salário poderia pedir as contas, pois o prefeito não iria demitir porque precisava do serviço. Por essa razão, o prefeito teria explicado o que fazia com o dinheiro público. Em nenhum momento foi dito que se não votassem, seriam demitidas. Afirmou que as agentes Maria Beatris e Raquel estavam exaltadas, fazendo perguntas a Adair e Renzo sobre política a fim de que eles confessassem que preferiam que elas votassem neles, e que Tânia pediu para elas se acalmarem. O encontro era de rotina, participou de outras reuniões para tratar de assuntos de trabalho no anexo da prefeitura ou no posto de saúde, e na reunião de agosto trataram de diversas questões como o fornecimento de protetores solares.

Nerci Ana Schutz Roos, à época agente de saúde, afirmou que participou de outras reuniões de trabalho ocorridas no posto de saúde, e que no encontro, os representados disseram que eram os pilares das agentes de saúde, que se caíssem, todos cairiam, e que, com esse exemplo, entendeu que seriam demitidas caso não votassem neles. Disse que eles prometeram a manutenção das agentes de saúde no cargo, caso fossem eleitos, que pediram votos, e que pediram para usarem o cargo para promover a candidatura dos representados. Afirmou que se sentiu coagida e ameaçada “pelo que estava nas entrelinhas”, e que mandaram não usar o cargo para falar mal do Ranieri. Não lembrou terem falado que eram livres para votar em quem quisessem.

Daiane Vieira, técnica de enfermagem à época, afirmou que as reuniões aconteciam a cada dois meses, e que não participou da reunião tratada nos autos. Disse que os representados nunca pediram votos nem ameaçaram as agentes de saúde, e que as agentes de saúde se consideravam inimigas do prefeito.

Geni Uroda, visitadora do PIM à época, narrou que não participou da reunião, mas que não foi coagida a votar nos candidatos representados, tendo sido apenas deixado claro, por eles, que as visitadoras não podiam fazer campanha no horário de trabalho.

Deonise Maria Krein, agente de saúde na época, afirmou que de vez em quando as reuniões eram realizadas, e que na de agosto os representados referido que eram o pilar de sustentação das agentes, pois tal como ocorre num jogo de dominó, todos cairiam juntos. Havia comentários de que as agentes de saúdes estavam irregulares e eles teriam afirmado que todas estavam legalizadas, e que, se votassem neles, continuariam com o emprego. Disse ter se sentido coagida e ameaçada, entendendo que era para fazer campanha para Valter e Ranieri, e que a reunião tratou também de aumento de salário. Negou tenham solicitado que fizessem campanha e contou que eles pediram para pararem de criticar o Ranieri.

(...)

Segundo a certidão da fl. 250, Maria Beatris Boeno Lino Gallas é eleitora filiada ao PMDB desde 28/11/2005, partido adversário dos representados.

(...)

É possível que a agravação teria sido editada, com supressão de falas, circunstância que lhe retiraria o sentido, ou melhor, incorporaria sentidos diferentes aquilo que teria sido realmente dito, a fim de prejudicá-los.

Além disso, a degravação fornecida pela acusação não é literal, porque, da mesma forma, traz transcrição apenas parcial dos discursos proferidos na reunião, descontextualizando e alterando a compreensão do que realmente teria sido dito.

A prova oral, por sua vez, converge em muitos pontos, sendo manifesta a existência de descontentamento por parte das agentes de saúde com a administração de Adair, não apenas em razão do não atendimento da reinvindicação de aumento salarial, mas devido à iminente possibilidade de que perdessem o emprego diante das ações que impugnavam a forma de sua contratação.

(...)

Conforme ambos reconheceram, a gravação foi levada a conhecimento do Ministério Público Eleitoral cerca de duas semanas depois de realizada.

(...)

O exame do áudio permite concluir ter o evento que deu origem à ação se tratado de uma reunião de trabalho. Naquela ocasião, em nenhum momento os recorrentes se apresentam com a postura de candidatos, mas sim como colegas, que, a despeito de ocuparem posição hierárquica superior, respondem perguntas, tentam explicar a repercussão jurídica das contratações das celetistas e a intervenção do Ministério Público do Trabalho, orientam sobre a postura que deve ser assumida pelas agentes em relação à eleição, e pedem, encarecidamente, o fim da propaganda negativa em relação aos candidatos da situação.

No pertinente ao abuso do poder de autoridade, o prefeito municipal Adair era, em última instância, o superior hierárquico de todos os participantes da reunião, e sua fala concentrou-se em três questões objetivas: solicitar que as agentes de saúde parassem de falar mal do candidato da situação, durante as visitações realizadas à comunidade, explicar da impossibilidade de fornecer aumento salarial, e prestar informações sobre o processo instaurado pelo Ministério Público do Trabalho, no qual foi solicitada a extinção das contratações de trabalho realizadas sem prévio concurso público.

Conforme prova oral e documental que consta dos autos, a reunião ocorreu no auge da tramitação da referida ação civil pública, e todos estavam inseguros com a iminência de perda do emprego. Além disso, havia constantes reclamações de baixo salário e questionamentos quanto à gestão de verba pública realizada pelo prefeito.

(...)

Portanto, com respeito à opinião contrária, considero que não houve atuação com abuso de poder apta à atração de qualquer penalidade. Análise se situação idêntica à dos autos já foi realizada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, em julgado que concluiu a impossibilidade de uma reunião de trabalho, isolada, configurar abuso do poder de autoridade:

 

ELEIÇÕES 2008 - RECURSOS - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990, ART. 22, E LEI N. 9.504/1997, ART. 41-A - ABUSO DE PODER POLÍTICO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - COAÇÃO ELEITORAL DE SERVIDORES PÚBLICOS COMISSIONADOS MEDIANTE AMEAÇA DE EXONERAÇÃO - RECURSO ADESIVO NÃO CONHECIDO EM FACE DE CARÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO - ACUSAÇÃO FUNDAMENTADA EM GRAVAÇÃO AMBIENTAL - LEGALIDADE DO MEIO PROBATÓRIO - ATO COAGENTE SEM POTENCIALIDADE PARA DESVIRTUAR O RESULTADO ELEITORAL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO OU CONSENTIMENTO DOS CANDIDATOS BENEFICIÁRIOS - RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO.

1. A orientação jurisprudencial contemporânea empresta licitude à prova que decorre de gravação ambiental efetivada por um dos interlocutores, ainda que não conhecida e consentida pelo outro. A elucidação de fatos que possam ter interferido na regularidade e legitimidade do pleito eleitoral constitui garantia constitucional não somente de caráter individual, mas também de interesse coletivo, pelo que não pode ser suplantada pelo direito à privacidade, devendo, sim, com ele coexistir em obediência ao princípio interpretativo constitucional da harmonização ou da concordância prática, amplamente difundido na doutrina constitucionalista.

2. O "uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social" (LC n. 64, art. 22) são condutas qualificadas pela potencialidade de macular a legitimidade e a regularidade do pleito. O comportamento desmedido ou desvirtuado somente será punível se apurado sua capacidade de alterar o resultado eleitoral. Não há nisso proporção objetiva, quantificável, mas conclusão resultante de análise detida, realizada caso a caso, na qual é necessário ponderar a gravidade do fato e os efeitos nocivos que causou à normalidade do processo eletivo.

Em que pese ser manifestamente ilegal e reprovável o uso de cargo público para constranger servidores a votarem em determinado candidato, não há como tipificar a conduta como abuso de poder político (Lei Complementar n. 64/1990, art. 22) quando constituir ato isolado - reunião restrita a um pequeno número de servidores -, sem provas de que tenha repercutido decisivamente no convencimento de parte considerável do eleitorado.

O comportamento não se conforma, de igual modo, à hipótese legal da captação ilícita de votos (Lei n. 9.504/1997, art. 41-A), quando comprovado que o candidato não participou, nem consentiu com a ação, seja na qualidade de mentor intelectual, seja como partícipe.

(RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 1709, Acórdão n. 24306 de 25.01.2010, Relator SÉRGIO TORRES PALADINO, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 16, Data 29.01.2010, Página 6-7.)

 

Relativamente à conclusão de que os fatos caracterizam a prática das condutas vedadas previstas nos incisos I e II do art. 73 da Lei das Eleições, que tratam das espécies de abuso de poder ao vedar o uso, em benefício de candidatos, de bens, serviços e servidores, a prova demonstra, à saciedade, que a reunião contestada foi rotineira, tratou de assuntos de trabalho afetos aos serviços prestados pelos participantes, e não causou, de forma alguma, benefício ou proveito eleitoral capaz de quebrar o princípio da igualdade de candidatos.

Especificamente no pertinente ao uso de bens públicos, a reunião ocorreu no posto de saúde municipal porque as funcionárias que deveriam dela participar trabalhavam na secretária de saúde do município. Relativamente ao uso de servidor público, Tânia compareceu porque era a Secretária Municipal de Saúde, chefe mediata das agentes de saúde e visitadoras presentes, assim como Renzo, que ostentava a condição de tomador do serviço, pois era o presidente da associação hospitalar que contratou as funcionárias.

Ou seja, presentes as empregadas convocadas para o encontro, foram prestados esclarecimentos sobre a situação do convênio e foram permitidas intervenções por parte das agentes comunitárias de saúde e do Programa Primeira Infância Melhor. Os temas abordados na reunião não se ativeram exclusivamente à questão da eleição vindoura.

Tanto Adair quanto Renzo passam boa parte do tempo da gravação tentando justificar a legalidade do convênio e manifestando sua intenção de manutenção do posto de trabalho das ouvintes. Aos 30 minutos da gravação, TANIA retoma a fala e a qualidade do áudio fica bastante prejudicada, sendo em seguida pausada a gravação. É bastante razoável acreditar que, nesse momento, a recorrente passou a tratar de temas técnicos atinentes às funções dos presentes na reunião, e, mesmo que se suponha que o tenha feito por apenas 10 minutos, isso já justificaria a convocação para a reunião.

Quanto à alegação de compra de votos, em momento algum há pedido de voto em troca de qualquer vantagem, por menor que seja. Toda a prova não deixa dúvidas de que nada foi prometido, tendo Adair enfatizado que não tinha condições de oferecer nada às funcionárias e que aquelas que não estivessem satisfeitas estavam autorizadas a pedir demissão.

Não houve ameaça ou coação. As próprias agentes que fizeram essa referência assumiram que “se sentiram ameaçadas”, “estava nas entrelinhas”, mas negaram que tenha sido realizada qualquer imposição. Essa é a conclusão que se chega, inclusive, do depoimento de Maria Beatris, que começa sua declaração judicial afirmando que os recorrentes não se dirigiram com ameaças na reunião.

A captação ilícita de sufrágio exige uma relação de mercancia, a formação de um negócio, o toma lá, dá cá. Essa hipótese não ocorreu, não houve oferta alguma em troca de votos.

Os recorrentes, de fato, defendem e manutenção do convênio que possibilita a contratação das agentes, mas o fazem justificando o atendimento da população e a manutenção dos serviços de saúde, e não como 'cabide de empregos' ou favor que beneficiaria as contratadas. Da mesma maneira, não vislumbro ocorrência de grave ameaça, e, menos ainda, existência de prova cabal de sua ocorrência, o que se faz necessário para a aplicação das pesadas sanções da captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder.

Nesse sentido, pela necessidade de prova cabal da conduta ilícita, transcrevo o seguinte precedente:

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO. AIJE. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ACERVO PROBATÓRIO. INSUFICIENTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. A configuração do ilícito previsto no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 requisita: (a) realização de uma das condutas típicas, quais sejam, doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal a eleitor, bem como contra ele praticar violência ou grave ameaça; (b) fim especial de agir, consistente na obtenção do voto do eleitor; (c) ocorrência do fato durante o período eleitoral.

2. Conforme consta no voto do Min. Marcelo Ribeiro, relator do Recurso Ordinário nº 441916/DF, com decisão publicada no DJE de 24/05/2012: "É firme o posicionamento desta Corte de que, para a configuração da captação de sufrágio, malgrado não se exija a comprovação da potencialidade lesiva, é necessário que exista prova cabal da conduta ilícita (Precedentes: REspe n° 21.390113F, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.9.2006; RO n° 1.484/SP, DJe de 11.12.2009, de minha relatoria; e RO n° 47191 571MT, Rel. designado Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 4.2.2011)."

3. A prova a fundamentar uma condenação tão grave como a de captação ilícita de sufrágio, que não só retira o mandato conferido nas urnas ao seu titular, mas também o afasta da disputa política pelo período de oito anos, não pode ser uma prova que deixe um rastro sequer de dúvida. Deve ser sim firme, robusta, baseada em afirmações seguras. E não foi isto que se viu no presente feito.

4. Recurso Eleitoral provido, com extinção por perda de objeto da Ação Cautelar nº 53-25.2013.6.25.0000, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.

(TER-SE, RECURSO ELEITORAL n. 58676, Acórdão n. 7/2014 de 04.02.2014, Relator JORGE LUÍS ALMEIDA FRAGA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 30, Data 17.02.2014, Página 02/03.)

 

A fala de Renzo pode ser considerada a mais pesada, porque ele trata da ação que tramitava na vara do trabalho e confessa que, com o término do convênio, todos seriam demitidos. Essas palavras, por mais duras e difíceis de ouvir, eram a mais pura verdade do que estava acontecendo no município, pois Renzo, assim como as agentes de saúde, trabalhavam para a associação hospitalar, e o processo tinha, justamente, o objetivo de interromper os seus contratos de trabalho.

Por isso, bem se vê que a degravação imprimiu ao tema da conversa um sentido que ela não possuía, pois o tempo todo os recorrentes explicaram que todos estavam ameaçados de perder o emprego em face da ação civil pública. A temática sobre demissão não tinha relação alguma com a eleição, e sim com o processo que tramitava na Justiça do Trabalho, e a degravação, na forma como apresentada, desvirtua essa circunstância.

De fato, por ser período eleitoral, por conta da pauta incluir a questão da realização de campanha durante o horário de trabalho e em razão da inquietude das servidoras em relação à intervenção do Ministério Público do Trabalho e demandas salariais, os recorrentes acabaram por tentar justificar suas ações e enaltecer seus feitos na administração do Município, sobretudo em relação aos esforços empreendidos na área da saúde.

E porque o discurso de Adair, Tânia e Renzo, o tempo todo, foi no sentido de pedir encarecidamente que as funcionárias parassem de fazer campanha durante o horário de trabalho, explicar que não tinham condições de fornecer aumento salarial, a efetiva possibilidade de demissões em face da ação civil pública que estava em tramitação e, acima de tudo, assentar a liberdade que as agentes de saúde, do PIM e da SAMU, tinham para votar em quem bem entendessem, tenho que a ação não traz mínima prova de abuso de poder capaz de atrair o juízo condenatório.

Ademais, as contratadas presentes na reunião não representam um grupo acuado ou temeroso. As explanações que são ouvidas ao longo do áudio permitem concluir que Tânia, Adair e Renzo tentam justificar a situação na qual se encontra o município, ponderam sobre a falta de recursos (e nesse ponto surge a colocação do Prefeito sobre a demissão – voluntária - daquelas que não estivessem satisfeitas com o salário), e os lamentos sobre a possibilidade de vir a realizar concurso público e as vagas serem preenchidas por pessoas que não residem em Cerro Largo.

É certo que os representados também pedem apoio ao seu projeto político, mas deixam claro que respeitam a posição ideológica das servidoras. Também reiteradamente solicitam que não se faça campanha durante o horário de trabalho.

Assim, por considerar que se tratou de reunião de trabalho e perceber que não houve solicitação de que fizessem campanha em favor dos recorrentes, não vejo como fazer incidir as hipóteses de infração requeridas na inicial.”

Como se percebe pela prova produzida além, e com a gravação ora debatida, há dúvida suficiente para determinar o juízo de absolvição, especialmente diante da ausência de ameaça ou coação suficientes a preencher os tipos penais dos artigos 299, 300 e 301 do Código Eleitoral.

Nesse sentido, o precedente ora invocado:

Ação penal. Eleições 2008. Aliciamento violento de eleitores. Art. 301 do Código Eleitoral. Ameaça sem potencial suficiente para causar sério abalo psíquico e retirar as condições de resistência da vítima. Atipicidade da conduta. Improcedência da denúncia. Absolvição.

(TRE/MG, AÇÃO PENAL n. 266571, Acórdão de 16.12.2010, Relator JOSÉ ALTIVO BRANDÃO TEIXEIRA, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 13.01.2011.)

No caso acima, entendeu o TRE/MG que, “embora tenham comprovado a existência da violência moral, os depoimentos das vítimas revelaram que as ameaças não foram suficientes para causar abalo psíquico sério e retirar as condições de resistência das vítimas, uma vez que adotaram diversos comportamentos confrontivos”.

Em igual sentido, o TRE de São Paulo:

O tipo penal eleitoral a que se refere a denúncia é o coação contra eleitor (também conhecido como aliciamento violento de eleitores), que pode ser caracterizado tanto pelo uso de violência quanto pela utilização de grave ameaça, para instá-lo a votar ou deixar de votar em partido ou candidato. A expressão 'grave ameaça', usada em várias oportunidades pelo legislador pátrio, no mais das vezes no Código Penal, implica a significação de mal injusto, de cunho psíquico ou moral, que deve ter o condão de exercer sobre aquele a quem é destinada uma ação inibitória de tal força, capaz de obstar que reaja ou se defenda. Deve ser um mal de importância relevantíssima, que atinja com invencível poder a liberdade de opção da vítima, a ponto de impedir-lhe o exercício de elemento volitivo. Há que ser um mal determinado, inevitável e dependente do simples querer do agente que o anuncia (TRE/SP - RC 128.183 – Rei. Juiz Souza José - j . 20.11.97).

Na doutrina, Rui Stoco e Leandro de Olivieira Stoco (in Legislação Eleitoral Interpretada: doutrina e jurisprudência, 4ª ed., RT, 2012, p. 536) entendem que deveria ter ocorrido grave abalo psíquico com a ameaça, o que não aconteceu no caso sob exame:

Aqui o preceito não se contenta com a só coação moral. Para a caracterização do crime impõe-se que a coação seja exercida mediante violência física ou grave ameaça de causação de mal físico ou moral. O temor infundido deve ser de tal gravidade que afaste ou obnubile a vontade do eleitor, convertendo-se ele em instrumento da vontade do coator.

No mesmo sentido é a doutrina de Suzana de Camargo Gomes (Crimes Eleitorais, 4ª ed. RT, 2010, p. 210):

A grave ameaça, para efeito do tipo penal em consideração, representa a violência moral a atingir o eleitor, e deve ser de tal natureza que lhe retire as condições de resisitência. Deve, efetivamente, representar um abalo psíquico sério.

Por tais fundamentos, entendo que não há prova incontestável da prática dos delitos enumerados, razão pela qual concluo pela absolvição do réu, pois, conforme se pode verificar na jurisprudência, havendo prova inconclusiva, deve-se adotar a decisão mais benéfica ao réu:

HOMICIDIO CULPOSO E LESOES CORPORAIS CULPOSAS, DECORRENTE DE COLISAO ENTRE VEICULOS AUTOMOTORES. PROVA DIVIDIDA E CONTRADITORIA, QUE NAO RECONSTITUI A REALIDADE PASSADA ACIMA DE QUALQUER DUVIDA RAZOAVEL E QUE, ASSIM, NAO PERMITE ATRIBUICAO DE CULPA, NAO LEGITIMA A CONDENACAO DO ACUSADO. ABSOLVICAO QUE SE IMPOE COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, INCISO VI, DO CODIGO DE PROCESSO PENAL. (8 FLS)

(Apelação Crime N. 70000021543, Câmara de Férias Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 17.12.1999.)

 

Denúncia por estupro. Sentença condenatória por atentado violento ao pudor. Nulidade da sentença e caráter da prova. Acusada, companheira do autor - cuja punibilidade extinta por sua morte - , concorrente do crimes segundo a denúncia, pois era quem buscava a ofendida em sua residência e assistia aos fatos-crimes. Redefinição da imputação inicial e da denúncia pela sentença, entretanto, sendo a sentença incongruente com a denúncia. Nulidade do ato sentencial. Superação da alegação de nulidade, devido à possibilidade de absolvição da acusada, por inexistência de prova suficiente à condenação. Auto de exame de corpo de delito atestando a virgindade da ofendida, de encontro à palavra da vÍtima, ainda criança, informando sobre a existência de conjunção carnal, que o laudo terminantemente nega. Inexistência de outras referências seguras na prova, elucidativas dos fatos, a não ser que o companheiro da vítima teria sido morto por uma das testemunhas, com quem teria se desentendido, ao saber que a testemunha contara ao pai da ofendida sobre os delitos da denúncia. Prova dividida e contraditória, que não permite a reconstituição completa e segura da realidade passada. Absolvição com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal. (Apelação Crime N. 70000674754, Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 20.10.2000.)

 

RECURSO DE APELACAO-CRIME DE SENTENCA CONDENATORIA POR DELITO DE ROUBO, A QUE SE DA PROVIMENTO CONSIDERANDO O NAO-RECONHECIMENTO DO REU PELAS VITIMAS QUE, DEPOIS DE DAR-SE NA POLICIA, EM JUIZO REPETIU-SE PARCIALMENTE , POIS UMA DAS VITIMAS RECONHECEU , OUTRAS DUAS NAO. TORNANDO-SE A PROVA JUDICIALIZADA DIVIDIDA E CONTRADITORIA QUANTO A AUTORIA, NAO HA CERTEZA EXIGIVEL E IMPOE-SE A ABSOLVICAO POR INEXISTENCIA DE PROVA SUFICIENTE A CONDENACAO. (06 FLS)

(Apelação Crime N. 699454146, Câmara de Férias Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 19.10.1999.)

Conforme demonstrado nas ementas acima mencionadas, se a prova não permitir a reconstrução segura dos fatos em juízo, como verifica-se no caso presente, deve ser absolvido o acusado.

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO por absolver o réu, com fundamento no art. 386, VI, do CPP.

É como voto Sra. Presidente.