RE - 16447 - Sessão: 22/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO JUNTOS PELO PROGRESSO MARIANENSE contra decisão do Juízo da 151ª Zona, a qual julgou improcedente impugnação oferecida e deferiu o registro de candidatura de CARLOS ZIULKOSKI para o cargo de prefeito de Mariana Pimentel (fls. 110-112).

Em suas razões (fls. 116-120), alegou que a sentença merece reforma pelo fato de o recorrido ter ocupado o cargo de 1º Secretário da FAMURS dentro do período de 4 (quatro) meses antes do pleito, desobedecendo o prazo de desincompatibilização previsto, pois a entidade caracteriza-se como uma associação de municípios que recebe contribuições não obrigatórias de municípios associados. Cita consultas respondidas pelo Tribunal Superior Eleitoral e indica que a jurisprudência na qual se apoiou a decisão guerreada não se aplica ao caso sob exame. Requer o provimento do recurso, para julgar procedente a impugnação ao pedido de registro de candidatura.

Com as contrarrazões, fls. 123-130, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 134-137).

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez (relatora):

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, conforme estabelece o art. 52, § 1º, da Resolução n. 23.455/2015 do TSE.

No mérito, o Juízo de 1º grau entendeu por deferir o pedido de registro de candidatura de CARLOS ZIULKOSKI. De tal decisão é que se insurge a coligação recorrente, pois entende aplicável ao caso o art. 1º, III, “b”, 3, combinado com o inciso IV, “a”, da Lei Complementar n. 64/90, resultando na inelegibilidade do recorrido.

A confluência dos comandos resulta no seguinte conjunto redacional:

Art. 1º. São inelegíveis:

[...]

III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

[...]

b) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos ou funções:

[...]

3. os diretores de órgãos estaduais ou sociedades de assistência aos Municípios;

[...]

IV - para Prefeito e Vice-Prefeito:

[...]

a) no que lhes for aplicável, por identidade de situações, os inelegíveis para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização;

(Grifei.)

Da combinação, é possível formatar a inelegibilidade cuja incidência é pretendida pelo recorrente, ao recorrido, pois seriam inelegíveis, para o cargo de prefeito, os diretores de órgãos de assistência aos municípios, acaso não observado o prazo de 4 (quatro) meses para a desincompatibilização.

À análise.

O primeiro item resta incontroverso: CARLOS ZIULKOSKI tomou posse no cargo de 1º Secretário da FAMURS em 07.07.2016, portanto já dentro do prazo de 4 (quatro) meses anteriores ao pleito – restando dois meses e vinte e cinco dias, com maior exatidão.

A segunda questão diz com a natureza jurídica da FAMURS. Importa investigar se a entidade pode ser considerada “órgão de assistência aos municípios”.

Extraio, do próprio sítio eletrônico da FAMURS, a sua “apresentação institucional”. Verbis:

A Famurs é a Casa dos Municípios. Composta por 27 Associações Regionais, a entidade representa todas as 497 cidades gaúchas – reunindo prefeitos, vice-prefeitos, secretários, técnicos e órgãos da gestão pública municipal.

O fortalecimento do municipalismo conduz a atuação da Federação. Por isso, seu papel institucional é garantir a representatividade dos agentes locais. Combatendo a centralização de poder e de recursos na União e no Estado, a Famurs defende a revisão do pacto federativo, as reformas política e tributária e uma série de bandeiras de interesse das comunidades locais – e, portanto, da população.

A discussão dos assuntos que dizem respeito aos municípios ocorre nas Assembleias Gerais, momento em que todas as associações se reúnem, apresentam demandas e alinham decisões. Em casos onde a pauta apresenta temas polêmicos ou de grande relevância, são convocados para o encontro todos os prefeitos do Estado.

O assessoramento e a qualificação dos gestores também fazem parte do trabalho da entidade. Problemas e soluções do cotidiano da administração pública são discutidos na Federação. E essas melhorias são sentidas na vida dos cidadãos – que moram, trabalham e vivem em suas comunidades. (Grifei.)

Ainda, é esclarecedor o constante no art. 1º do Estatuto da FAMURS:

Art. 1º. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul – FAMURS, denominada simplesmente neste ato de FAMURS, fundada em 24 de maio de 1976, é pessoa jurídica de direito privado, de natureza civil, sem fins econômicos, declarada de utilidade pública pela Lei n. 6.206, de 14 de outubro de 1988, no município de Porto Alegre, e pelo Governo do Estado, conforme Declaração de 26 de setembro de 1988, e, ainda, reconhecida como única entidade representativa das Associações Regionais dos Municípios, pela Lei Estadual n. 10.114, de 16 de março de 1994, rege-se pelo presente Estatuto e disposições legais vigentes.

[...]

Assim, entendo estampada, nas linhas traçadas pela própria entidade, a caracterização da FAMURS – Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul, a condição de “órgão de assistência aos municípios”, até mesmo porque, conforme precedente do TSE, “a simples previsão estatutária a possibilitar o recebimento de recursos públicos é suficiente para o reconhecimento da sociedade de assistência a municípios de que trata o art. 1º, III, b, 3, da LC nº 64/90, demonstrado está o seu efetivo exercício de cargo de diretoria [...]” (Ac. RO n. 78372, julgado em 27.11.2014, Rel. Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura).

Na sequência, importa perquirir a natureza do cargo ocupado pelo recorrido. Com a denominação de 1º Secretário, há, nos autos, considerável discussão se ele é de ser considerado como “diretor” (ponto de vista da coligação recorrente) ou, modo diverso, se não há de ser levado em tal conta (contrarrazões expostas pelo recorrido).

Mais uma vez, absolutamente válida a dicção estatutária da FAMURS, art. 26, verbis:

Art. 26. A Diretoria da FAMURS é composta pelos seguintes cargos:

I – Presidente;

II – 1º Vice-Presidente;

III – 2º Vice-Presidente;

IV – 1º Secretário;

V – 2º Secretário;

VI – 1º Tesoureiro;

VIII – 2º Tesoureiro.

[...]

Descabem dúvidas, dessa forma, de que o cargo de 1º Secretário da FAMURS compõe o quadro de diretoria da federação. O 1º Secretário é um dos diretores da FAMURS, por expressa opção institucional, tendo por competências aquelas elencadas no art. 27 do Estatuto:

Art. 27. São competências da Diretoria, exercidas pelo:

[…]

V – 1º Secretário:

a) substituir o 3º Vice-Presidente em seus impedimentos;

b) manter o controle da correspondência e atas da Assembleia Geral;

c) exercer as atribuições que lhe forem designadas;

d) representar a Entidade sempre que designado pelo Presidente;

O contexto, dessarte, é o seguinte: CARLOS ZIULKOSKI tomou posse em cargo que compõe a diretoria da FAMURS, órgão de assistência aos municípios, em 07.07.2016, a menos de 4 (quatro) meses do pleito municipal vindouro.

A jurisprudência, há muito, manifesta-se no sentido da necessidade de desincompatibilização:

Prefeito. Exercício. Presidência de associação de municípios. Candidatura. Reeleição. Desincompatibilização. Prazo. Aplicação. Membros de diretoria e/ou de conselhos dessa associação. 1. Prefeito que é presidente de associação de municípios, pessoa jurídica de direito privado, que recebe contribuições não obrigatórias de municípios associados de um mesmo estado, para concorrer à reeleição, deve desincompatibilizar-se definitivamente do cargo ou da função que exerce, no prazo de quatro meses, conforme dispõe o art. 1o, IV, a, c.c. o inciso III, b, item 3, da LC no 64/90. 2. Membros de diretoria e/ou membros de conselhos (diretor, fiscal ou consultivo) da mesma associação também devem desincompatibilizar-se para se candidatar ao cargo de prefeito, no mesmo prazo de quatro meses.”

(Res. no 21.772, de 25.5.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

E a questão seguinte diz respeito à alegação de não exercício, por parte de CARLOS ZIULKOSKI, das atribuições do cargo de 1º Secretário da FAMURS, trazida tanto em 1º grau por ocasião da defesa à impugnação quando em grau recursal, nas contrarrazões. Ressalto que, dada a natureza da matéria, de ordem pública, não há preclusão relativamente à análise do tema.

Incumbe, assim, verificar a questão do afastamento de fato.

A tese de que o afastamento de fato elidiria a inelegibilidade é relativamente simples e frequenta a jurisprudência já há algum tempo.

Em linhas breves, parte-se da premissa de que a exigência da desincompatibilização tem o fito de manter a isonomia na competição eleitoral, a paridade de armas na concorrência pelos cargos eletivos postos em disputa.

Nessa linha, a proteção do conteúdo axiológico da norma restaria garantida acaso, malgrado não ocorrente a desincompatibilização em termos oficiais, tivesse ela ao menos ocorrido de fato, representada pela ausência da prática de atos inerentes ao cargo ocupado, desde que devidamente comprovada.

E aqui reside o primeiro impedimento para que se dê guarida à tese da ocorrência de afastamento de fato, por parte de CARLOS, do cargo de 1º Secretário da FAMURS.

Note-se que, ao contrário dos casos em que se admite a evidência da desincompatibilização de fato, não há nos presentes autos prova idônea o suficiente para tanto, mormente porque aqui houve posse em momento em que já se impunha a desincompatibilização, dia 07.07.2016, bem como porque o desligamento se deu somente em 29.07.2016, mediante renúncia, não bastando, para contrapor tal quadro, a presença de mera declaração do presidente da entidade, fls. 83, no sentido de não exercício, dada a nítida unilateralidade na produção destas manifestações.

Daí, mesmo que se considere – e resta considerado – o período em que esteve adoentado, entre os dias 12.7.2016 e 23.7.2016, soa claro, como aliás reconhecido nas contrarrazões de recurso, que a situação “reduziu sobremaneira suas atividades laborais”, não evidenciado, contudo, que as tenha impedido. Além disso, restam dias de ocupação no cargo de 1º Secretário sem o óbice apontado.

Ainda acerca da declaração do Sr. Presidente da FAMURS, lembro que esta Corte não tem considerado a produção unilateral de documentos sequer em situação mais prosaica e, aliás, controlada pelo cadastro eleitoral, qual seja, a comprovação de filiação partidária, seguindo-se o teor da Súmula n. 20 do TSE, motivo pelo qual não será na situação posta, geradora de inelegibilidade e um tanto mais complexa, que se há de considerar. A FAMURS é entidade de direito privado, de relevância, é bem verdade, mas as declarações do respectivo presidente não podem ser consideradas como dotadas de fé pública.

Por conseguinte, não vejo como se possa, no caso concreto, atribuir à coligação recorrente o ônus de comprovação de exercício do cargo de 1º Secretário pelo pretenso candidato, até mesmo porque algumas atividades são, sobremodo, de caráter meramente interno ou de cunho altamente subjetivo, tais como “manter o controle da correspondência e exercer as atribuições que lhe forem designadas”, podendo ser, por exemplo, realizadas via telefone, e de dificílima prova.

Sublinho que os julgados da Justiça Eleitoral que tratam da imposição de ônus probatório ao impugnante, no que concerne ao afastamento de fato, dizem respeito, majoritariamente, àquelas situações em tenha havido a desincompatibilização oficial, e o agente que deveria abandonar as funções na realidade não as abandonou, no mundo dos fatos. Inexistindo, contudo, afastamento oficial, a prova do afastamento de fato permanece incumbida ao pretenso candidato, até mesmo por uma questão de lógica.

Nessa linha, segue a jurisprudência do TSE. Muito embora se trate de fato diverso, o julgado demonstra que a simples previsão estatutária é suficiente para o reconhecimento de situação fática, sendo desproporcional, no processo de registro, atribuir ao impugnante o ônus da prova da efetiva ocorrência:

Eleições 2014. Recurso ordinário. Registro de candidatura. Causa de inelegibilidade do art. 1º, III, b, 3, da Lei Complementar nº 64/90. Inexistência de prova cabal de recebimento de recursos públicos. Irrelevância. Exercício de cargo de diretoria de sociedade de assistência a municípios. Comprovação. 1. É desproporcional, no processo de registro, atribuir ao impugnante o ônus da prova da efetiva entrada de recursos públicos em entidade de assistência a municípios. 2. A simples previsão estatutária a possibilitar o recebimento de recursos públicos é suficiente para o reconhecimento da sociedade de assistência a municípios de que trata o art. 1º, III, b, 3, da LC nº 64/90. 3. A falta de averbação, por motivos burocráticos, de ata de eleição da diretoria de entidade no cartório de registro civil, não impede o reconhecimento, pela Justiça Eleitoral, do efetivo exercício de cargo de diretoria de entidade para fins de verificação da necessidade de desincompatibilização. 4. Havendo comprovação nos autos, por ata de reunião da associação, datada de menos de 6 (seis) meses do pleito eleitoral, de que a candidata era coordenadora da entidade, demonstrado está o seu efetivo exercício de cargo de diretoria [...].

(Ac. de 27.11.2014 no RO nº 78372, rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura.)

Note-se, ainda, que (muito provavelmente de maneira desavisada) foi o recorrido que praticou ato em direção à inelegibilidade quando já vigente o período vedado, ao tomar posse no cargo em 07.07.2016: tal circunstância é absolutamente diversa daquela mais comum, qual seja, a negligência do pretenso candidato ao não realizar a desincompatibilização no prazo determinado, quando precedentemente o cargo já era ocupado.

Finalmente, e sob o prisma teleológico da norma, considere-se que a posse no cargo em período no qual já era exigível a desincompatibilização (07.07.2016) gerou em si mesma um desequilíbrio, uma ausência de paridade de armas apta a atrair a inelegibilidade, pois ressai nítido que a mera notícia da posse de CARLOS ZIULKOSKI em cargo de notório prestígio junto aos municípios gaúchos repercutiu, inexoravelmente, na comunidade de Mariana Pimentel, sendo claro o auferimento de (indevida) vantagem na competição – tão indevida que a Lei Complementar n. 64/90 tenta impedir que ocorra e atribui a pecha de inelegibilidade a quem pratica.

Daí, assentado que CARLOS compôs, há menos de 4 meses do pleito, como diretor, quadro de órgão de assistência a municípios, impõe-se seja reconhecida a inelegibilidade. Trata-se de condição de índole objetiva, como esta Corte recentemente confirmou, por ocasião do julgamento do RE 108-15, de relatoria do Desembargador Carlos Cini Marchionatti, em 21.09.2016:

Recurso. Registro de candidatura. Vice-prefeito. Inelegibilidade. Desincompatibilização. Lei Complementar n. 64/90. Eleições 2016.

Irresignação ministerial contra decisão de piso que julgou improcedente a impugnação e deferiu o registro de dirigente de entidade sindical, para o cargo de vice-prefeito. Alega o Parquet impedimento legal, em razão da inobservância do prazo de desincompatibilização.

Exigência de afastamento de quatro meses anteriores à data do pleito para aqueles que ocupam cargos ou função de direção em entidades de classe mantidas por contribuições do poder Público e que pretendam concorrer à chapa majoritária, conforme determina o art. 1º, inc. II, al. “g”, da LC n. 64/90.

Incontestável a natureza de direção sindical do cargo para o qual foi eleita. Evidenciada a intempestividade da desincompatibilização ocorrida em 02.7.2016, três meses antes da eleição. Por consequência, também indeferido o registro da chapa majoritária.

Provimento.

Finalmente, registro uma circunstância no mínimo peculiar: em acesso ao site da FAMURS, na data de 20.09.2016, CARLOS ZIULKOSKI ainda consta como integrante da diretoria da FAMURS (institucional - estrutura político administrativa), cargo de 1º Secretário, o que continua a favorecê-lo indevidamente.

Em face do cenário já exposto, concernente às circunstâncias de (i) CARLOS ZIULKOSKI ter integrado a diretoria da FAMURS, por expressa disposição do respectivo estatuto; (ii) a entidade caracterizar-se como órgão de assistência aos municípios, e (iii) CARLOS ter se desincompatibilizado somente em 29.07.2016, em prazo inferior aos 4 (quatro) meses determinado na legislação, é de se entender pelo provimento do recurso.

Pelo exposto, VOTO por dar provimento ao recurso, para  o fim de julgar procedente a impugnação apresentada pela COLIGAÇÃO JUNTOS PELO PROGRESSO MARIANENSE, indeferir o pedido de registro de candidatura de CARLOS ZIULKOSKI e, por consequência, indeferir também chapa majoritária do Partido Trabalhista Brasileiro, ao cargo de Prefeito de Mariana Pimentel, encabeçada pelo candidato.

 

(Após votar a relatora, dando provimento ao recurso, no que foi acompanhada pela Dra. Gisele, pediu vista o Des. Marchionatti. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)