RE - 10979 - Sessão: 22/09/2016 às 14:00

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA contra decisão do Juiz Eleitoral da 92ª Zona que julgou procedente impugnação do Ministério Público Eleitoral e indeferiu o registro de candidatura da recorrente por entender não cumprido o requisito do domicílio eleitoral na circunscrição há um ano antes do pleito (fls. 59-60).

Nas razões, a recorrente suscita preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, aduz ser necessário observar o princípio da isonomia; produz recorte conceitual entre o domicílio eleitoral e o ato de transferência do título eleitoral. Alega possuir “domicílio eleitoral na circunscrição do pleito há período muito superior ao ano exigido pela legislação”, tendo em vista circunstâncias profissionais, familiares e políticas, de maneira que “o fato do título de eleitor da demandada ter sido transferido para o Município de Herval apenas em 18.03.2016 não é suficientemente relevante para se afastar a configuração do domicílio eleitoral em prazo superior a um ano da candidata em seu município de residência e de vida”. Indica que o prazo de transferência de títulos eleitorais, no ano de 2016, foi de até 150 dias da data de realização do pleito. Apresenta doutrina e jurisprudência. Prequestiona dispositivos. Requer o conhecimento e o provimento do recurso, com a reforma da decisão a quo (fls. 62-79).

Os autos subiram, com as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral lançou parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 94-97v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de três dias, conforme estabelece o art. 52, § 1º, da Resolução TSE n. 23.455/15. Saliento que, no caso, uma vez publicada na data da conclusão, 26.08.2016, o prazo de contagem para interposição se iniciou apenas em 29.08.2016, terceiro dia posterior à afixação da sentença no mural eletrônico, consoante o art. 52, § 2º, da Resolução TSE n. 23.455/15.

E a irresignação foi protocolada em 29.08.2016, primeiro dia de transcurso do prazo recursal.

Tempestivo, portanto.

Ainda, entendo por superar o pedido preliminar de concessão de efeito suspensivo à interposição do recurso, em virtude do previsto no art. 16-A da Lei n. 9.504/97, o qual determina que aqueles candidatos cujos registros de candidatura estão sub judice podem continuar a praticar os atos inerentes à campanha eleitoral, como aliás apontado nas razões recursais.

Preliminar de cerceamento de defesa

Suscitada pela recorrente, é de ser afastada a alegação de ocorrência de cerceamento de defesa em virtude de indeferimento da produção de prova testemunhal.

Como cediço, uma prova, para que a respectiva produção deva ser deferida, há de carregar em si a utilidade hipotética. Ela deve ser vislumbrada, ainda em tese, como potencialmente modificadora da convicção do julgador.

E a prova testemunhal é rigorosamente inútil, no caso sob exame.

Basta projetar um cenário absolutamente benéfico à recorrente: todas as testemunhas arroladas indicariam que BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA possui fortes vínculos familiares, sociais, profissionais, políticos no Município de Herval. Ainda assim, não perderia força a circunstância objetiva de transferência do título eleitoral na data de 18.03.2016.

Conforme se verá, o deslinde da questão não perpassa pela prova encartada aos autos, mas sim pela conformação adequada de conceitos como “alistamento eleitoral”, “domicílio eleitoral”, “vínculo”.

E a corroborar o exposto, estampando a inexistência de utilidade da produção de prova testemunhal e, portanto, inexistência de cerceamento de defesa, assevero desde já restar comprovado que BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA possui vínculos familiares, profissionais e políticos com o Município de Herval há mais de um ano.

Afasto a preliminar.

No mérito, a controvérsia orbita em torno do requisito do domicílio eleitoral na circunscrição, o qual o juízo de origem entendeu como não atendido.

BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA foi indicada como candidata ao cargo de vice-prefeito de Herval, pela Coligação #HERVAL PARA TODOS, conjuntamente com o pretenso candidato a prefeito, JACKSON LUIZ CAMPELO XAVIER, cujo pedido de registro de candidatura, como bem indicado pelo parecer da PRE, foi deferido pelo juízo de origem.

De início, repiso o afirmado por ocasião da análise da preliminar de cerceamento da defesa. Resta clara a existência de vínculos diversos da recorrente com o Município de Herval, há mais de um ano da eleição vindoura.

Ocorre que tais vínculos são situações apenas de fato: elas não compõem a situação jurídica do domicílio eleitoral. Elas a antecedem, tratam-se de pressupostos. Os vínculos, dito de outra forma, são os fatos da vida, as circunstâncias pessoais que impulsionam, que propiciam a constituição do domicílio eleitoral, este sim uma situação jurídica originada dos fatos da vida que, contudo, com eles não se confunde

Ou seja, o domicílio eleitoral será constituído pela antecedente demonstração de vínculos ao juízo eleitoral, de forma que a efetiva inscrição (originária ou mediante transferência) eleitoral em determinado município é que consubstancia o ato jurídico a partir do qual o eleitor terá criado ou modificado, no caso, o seu domicílio eleitoral, utilizando aquelas situações de fato – os vínculos – para, repito, constituir o novo domicílio.

Eis, aqui, a cisão fundamental, a qual impõe o juízo de desprovimento do recurso, em que pese os hábeis e combativos argumentos lá esgrimados.

Note-se, nessa toada, que um cidadão pode ter vínculos sociais, familiares, religiosos, profissionais, políticos em mais de uma cidade. Em todos os locais que possua vínculo, tal cidadão terá a possibilidade de constituir seu domicílio eleitoral.

Todavia, terá que escolher apenas um.

Isso porque o domicílio eleitoral é um só, é único, aquele escolhido mediante efetivação da inscrição eleitoral – a denominada “transferência de título” referida no recurso. Um cidadão não pode possuir, concomitantemente, dois domicílios eleitorais – situação jurídica diversa da situação fática de manutenção de vínculos em várias cidades ao mesmo tempo.

Nessa ordem de ideias, a recorrente BRUNA pode, por exemplo, ter vínculos com outra cidade além de Herval – e realmente possui, pois até o dia 17.03.2016 tinha seu domicílio eleitoral em município diverso. O central, aqui, é sublinhar que, mesmo possuindo tais liames há bastante tempo, ela decidiu constituir seu domicílio eleitoral em Herval apenas aos 18.3.2016, data que não atende o prazo exigido pela legislação para que possa concorrer na eleição que se avizinha. A data fatal para o cumprimento da condição de elegibilidade prevista no art. 9º da Lei n. 9.504/97 era 02.10.2015.

Igualmente, não procede o argumento de que o prazo de até 150 dias, a contar retroativamente da data da eleição, para a “transferência do título” indicaria que diferem os prazos para o domicílio eleitoral e o da transferência da inscrição eleitoral.

A uma, é por meio da transferência da inscrição eleitoral, como já asseverado, que ocorre a mudança de domicílio eleitoral.

E, a duas, o prazo de 150 dias se refere aos eleitores – e, portanto, a eleitora BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA poderá votar, exercer a capacidade eleitoral ativa, sem óbices.

Contudo, para os candidatos há regra específica de antecedência de fixação de domicílio eleitoral – o já citado art. 9º da Lei n. 9.504/97, um ano anteriormente ao pleito. E a regra tem toda a razão de existência, dada a razoabilidade nítida de se exigir daqueles que se pretendem candidatos, representantes de dada comunidade, um tempo maior de domicílio na circunscrição do que dos eleitores, os representados.

O domicílio na circunscrição exigido para o exercício da capacidade eleitoral passiva, portanto, é de um ano (art. 9º da Lei n. 9.504/97), enquanto que para o exercício da capacidade eleitoral ativa é de 150 dias, conforme o art. 91 da Lei n. 9.504/97:

Art. 91. Nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição.

Parágrafo único. A retenção de título eleitoral ou do comprovante de alistamento eleitoral constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade por igual período, e multa no valor de cinco mil a dez mil UFIR.

Trago, na linha do exposto, recente julgado desta Corte:

Recurso. Registro de candidatura. Impugnação. Cargo de vereador. Condição de elegibilidade. Domicílio eleitoral. Art. 14, § 3º, inc. IV, da Constituição Federal e art. 9º da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Insurgência contra decisão do juízo originário que acolheu impugnação ministerial e indeferiu o registro de candidatura, em virtude da ausência de domicílio eleitoral no prazo legal.

Alistamento da eleitora, perante a Justiça Eleitoral, providenciado apenas em 05.10.2015, após a data limite prevista no art. 12 da Resolução TSE n. 23.455/15. Circunstâncias pessoais, de caráter individual, não são oponíveis diante de norma de proteção ao interesse público, de matriz constitucional.

A não comprovação do domicílio eleitoral pelo prazo mínimo de um ano antes da eleição, no local onde pretenda disputar a vaga, desatende condição de elegibilidade e inviabiliza o registro pretendido.

Provimento negado.

(RE n. 111-49. Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Publicado em sessão, em 09.09.2016.)

O princípio da isonomia, portanto, não restou desobedecido. Ao contrário; foi valorizado, na medida em que aplicado o prazo mínimo de domicílio eleitoral de, pelo menos, um ano antes do pleito, na respectiva circunscrição, a todos os pretensos candidatos.

Dou por prequestionados o art. 14, § 3º, da CF; os art. 4º e 8º da LC n. 64/90; os arts. 9º e 91 da Lei n. 9.504/97, e os arts. 11, § 1º, IV, 12, 15 e 45, da Resolução TSE n. 23.455/15.

A sentença é de ser mantida, pelos próprios fundamentos.

Com essas considerações, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso de BRUNA RIBEIRO GONÇALVES CUNHA e, portanto, pela manutenção do indeferimento da chapa majoritária da COLIGAÇÃO #HERVAL PARA TODOS (PDT/PTB/PMDB/PSB), havido mediante impugnação do Ministério Público Eleitoral.