RE - 12179 - Sessão: 14/09/2016 às 14:00

Muito respeitando o criterioso voto do juiz relator, penso que existem circunstâncias distintivas, as quais justificam a negativa de provimento ao recurso interposto por VERGÍLIO MATIAS DA ROSA.

Essencialmente, o recorrente liderou com outrem esbulho ou invasão do prédio da Receita Federal em Palmeira das Missões. Foi denunciado por dano qualificado e pelo crime pelo qual foi condenado, e os fatos correspondentes ao crime de dano integraram-se ao crime pelo qual foi condenado. Tais fatos, aliados à condenação criminal, tornam o recorrente inelegível, o que se concilia com a finalidade da lei, ao eleger as espécies criminais incompatíveis com a eleição para cargo público. Salvo melhor juízo, é incompatível que alguém que lidere invasão a prédio público, que mantém ocupado por cerca de um dia, manifestamente prejudicando o serviço público, pretenda agora concorrer e eleger-se vereador.

A meu juízo é um mau exemplo à democracia.

A classificação penal da sentença e do acórdão condenatórios são necessariamente relevantes, e a eles se podem integrar elementos de ponderação típicos ao Direito Eleitoral, de que é exemplo o acórdão do TSE mencionado pelo Ministério Público. Aqui, o recorrente liderou esbulho no prédio da Receita Federal que ocupou por cerca de um dia, lesando as atividades do órgão e também o patrimônio, mesmo que, criminalmente, tenha sido condenado pelo crime que o foi, ao qual se integra o esbulho e a deterioração do patrimônio público, além das atividades do órgão.

As circunstâncias do caso e a interpretação dos juízes tendem à divergência dos julgamentos judiciais, como são divergentes o voto do eminente Desembargador Paulo, que reconheço e elogio, e o meu.

O art. 1º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90 assim estabelece:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena.

Por seu turno, o crime cometido pelo recorrente (art. 265 do Código Penal – contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços públicos – crime contra a incolumidade pública) está assim previsto no Código Penal:

Art. 265 - Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Parágrafo único - Aumentar-se-á a pena de 1/3 (um terço) até a metade, se o dano ocorrer em virtude de subtração de material essencial ao funcionamento dos serviços.

Na espécie, é incontroverso que o recorrente já cumpriu a pena respectiva, de 01 (um) ano de reclusão, substituída por restritiva de diretos de prestação de serviços à comunidade, tendo sido declarada extinta a sua punibilidade em 25.02.2016 (fls. 30-39 e 46-48).

O julgamento da ação penal em que ocorrida a condenação ora em exame, em grau de recurso, restou assim ementado:

PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ART. 146 DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA - ART. 265 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.

1. Aplicável o prazo prescricional de 02 (dois) anos, nos termos da redação do art. 109, inc. VI, do Código Penal, vigente à época do fato. Transcorrido lapso superior ao anteriormente referido entre a data do fato e do recebimento da denúncia, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime de constrangimento ilegal.

2. A ação delituosa consiste em atentar contra a segurança, tornando incerta ou insegura a prestação dos serviços, ou contra o funcionamento destes, de modo que possa perturbar sua real atividade com o risco de paralisação. Atentar contra a segurança é fazer insegura a operação de serviços, tornando-o perigoso; atentar contra o funcionamento é colocar o serviço em risco de paralisação.

3. Comprovadas a autoria e a materialidade, sendo o fato típico, antijurídico e culpável, e considerando, ainda, a inexistência de causas excludentes de ilicitude e de culpabilidade, deve ser mantida a condenação pela prática do delito do art. 265 do Código Penal.

4. Substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito nos termos do art. 44, § 2º do Código Penal.

5. Apelação parcialmente provida tão somente quanto ao reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

(TRF4ª Região – Apelação Criminal n. 0001759-89.2007.404.7118/RS – Rel. Des. Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO – J. Sessão de 12.11.2014.)

Da sentença condenatória do juízo originário, a 1ª Vara Federal de Carazinho, destaco ainda o seguinte trecho, o qual ressalta os pormenores da ação delitiva em tela, inclusive detalhando o arrombamento à agência da Receita Federal liderado pelo ora recorrente (fls. 46-56):

[…]

No caso, há prova de que a invasão perpetrada no dia 16/08/2007 causou a destruição de uma fechadura da porta de entrada e o deslocamento de uma persiana (fotos de fls. 05 e 06).

[…]

O objeto jurídico da norma é a incolumidade pública, especificamente visando proteger a continuidade dos serviços de utilidade pública. A norma em comento traz a possibilidade de utilização de interpretação analógica quando emprega a expressão “ou qualquer outro (serviço) de utilidade pública”.

No caso, é claro que o dolo do réu, ao liderar manifestação com a finalidade específica de invadir órgão público, estava voltado à interrupção do funcionamento desse serviço como forma de pressionar as autoridades competentes e sensibilizá-las à situação dos envolvidos. E essa intenção de praticar o delito em comento fica evidenciada pela tentativa de Vergílio de obrigar Alexandre a assinar um manifesto em favor do movimento que defendia, e por elementos objetivos, como a ocupação da agência da Receita Federal de Palmeira das Missões por várias horas, durante todo o horário de expediente (das 13h até às 20h30min) e com o ingresso nessa repartição de grande número de pessoas (por volta de 500), fatores esses que denotam a plena consciência de que a conduta resultaria, invariavelmente, na interrupção da prestação dos serviços por parte daquele órgão público.

Assim, tanto subjetiva como objetivamente é inquestionável o dolo e autoria do réu quanto à prática do delito descrito.

Nesse passo, tomo a liberdade de transcrever parcialmente o teor da denúncia aviada pelo Ministério Público junto à primeira instância federal (fl. 27), verbis:

[…]

Fato 3 – Atentado contra o funcionamento de serviço de utilidade pública

No dia 16 de agosto de 2007, na agência da Receita Federal do Brasil no Município de Palmeira das Missões/RS, os denunciados, PAULO ASSIS FARIAS DE OLIVEIRA e VERGÍLIO MATIAS DA ROSA, em comunhão de esforços e desígnios, juntamente com mil manifestantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que não restaram identificados, atentaram contra o funcionamento de serviço de utilidade pública.

Com efeito, na data do fato, os manifestantes do MPA, liderados pelos enunciados, ao realizarem manifestações em frente à agência da Receita Federal no Município de Palmeira das Missões, constrangeram os funcionários desta instituição a abrirem as portas para que entrassem, mediante grave ameaça de que não aberta a porta haveria uma invasão. Contudo, cumprindo o dever legal de proteção ao patrimônio público, os funcionários públicos obstaram a entrada dos manifestantes, todavia, estes arrombaram a porta de entrada, invadindo a agência.

Com a invasão dos manifestantes, o serviço público realizado pela Receita Federal do Brasil restou perturbado, ocasionando sua paralisação. Ademais, verificável a presença de dolo dos denunciados, tendo em vista que no momento da ameaça de invasão à repartição pública, com sua posterior consumação, tinham consciência que este ato ocasionaria paralisação do serviço, prejudicando os usuários do mesmo.

A materialidade e a autoria do delito de atentado contra o funcionamento de serviço de utilidade pública consubstanciam-se no Relatório de Diligências do Núcleo de Operações da Delegacia de Polícia Federal em Santo Ângelo/RS (fls. 03/08), no Boletim de Ocorrência nº 561056/2007 (fls. 20/21), na Representação Fiscal para Fins Penais nº 13030.000088/2007-39 (fls. 24/30), e nos termos de depoimentos dos funcionários da Receita Federal da agência de Palmeira das Missões, ALEXANDRE e LUCIMARI (fls. 38/41).

[…]

Assim, embora o delito de atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública esteja inserido no Título VIII (Dos Crimes Contra a Incolumidade Pública) do Código Penal, a circunstância de ter sido cometido na agência da Receita Federal de Palmeira das Missões – isto é, em edifício público – o inclui entre os crimes contra o patrimônio público a que faz referência o art. 1º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90.

A meu juízo, trata-se, em verdade, de análise da subsunção à previsão relativa aos crimes perpetrados contra o patrimônio público, e não aos crimes contra a Administração Pública. De qualquer sorte, consigne-se, ambos integram o rol da referida al. “e” do inc. I do art. 1º da LC n. 64/90.

Como bem observou o Ministro Nilson Neves, no âmbito do Recurso Especial Eleitoral n. 14.073, 1°.10.1993, ao se tratar da inelegibilidade do art. 1°, inc. I, al. “e”, da LC n° 64/90, "(...) a objetividade jurídica desses crimes é resguardar a normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da administração (...)".

Nesse sentido, destaco o seguinte aresto do TSE em caso análogo, relativo a mesma espécie de crime, capitulada no Título VIII do Código Penal, já carreado pelo Procurador Regional Eleitoral em seu parecer:

Registro de candidatura. Vereador. Inelegibilidade. Art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90.

1. Nos termos do art. 1º, I, e, da LC nº 64/90 torna-se inelegível, pelo prazo de três anos, contados do cumprimento da pena, o candidato condenado por crime contra o patrimônio público.

2. Embora o delito de incêndio esteja inserido no Título VIII - dos Crimes Contra a Incolumidade Pública - do Código Penal, a circunstância de ter sido cometido no fórum da cidade, isto é, em edifício público, o inclui entre os crimes contra o patrimônio público a que faz referência o art. 1º, I, e, da Lei Complementar nº 64/90.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE – AgR-REspe n. 30252 – Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES – PSESS - Publicado em Sessão, Data 12.11.2008.)

Desse modo, ainda que o crime cometido pelo candidato esteja previsto no Código Penal, no título referente aos crimes contra a incolumidade pública, a circunstância de o ato atentatório à segurança e ao funcionamento de serviço de utilidade pública ter sido praticado em agência da Receita Federal do Brasil, isto é, em prédio público, e com execução de atos atentatórios ao patrimônio, o insere na categoria dos crimes contra o patrimônio público a que faz referência o art. 1º, inc. I, al. “e”, da Lei Complementar n. 64/90.

Não se trata, esclareço, de ignorar a jurisprudência deste Tribunal quanto à inaplicabilidade de interpretação extensiva no tocante às hipóteses da alínea “e” em discussão. Não é disso que se trata.

Como acima demonstrado, as circunstâncias do caso evidenciam que o emprego de violência e a danificação de bem imóvel integrante do patrimônio público constituem como que circunstâncias elementares do tipo penal, revelando ação coordenada para tanto – e coordenada pelo ora recorrente – o que, em última análise, permite concluir que, em verdade, atingiu-se igualmente o bem jurídico consubstanciado no “patrimônio público”.

É dizer, mesmo que para fins penais a capitulação legal objeto da cominação tenha sido outra, ao examinar os pormenores da conduta empregada deparamos com um agir que revela atos atentatórios ao patrimônio público, a ensejar, para fins eleitorais, a incidência da norma referente às inelegibilidades.

Outra não é a direção do parecer do Procurador Regional Eleitoral, o qual ainda bem frisou a reprovabilidade da conduta sob a ótica de quem almeja assumir função pública, especificamente de cargo de vereador no Legislativo de Palmeira das Missões (fls. 99-101v.):

[…] Ademais, como bem gizado pelo órgão ministerial de origem (fl. 27), “...o crime cuja prática o candidato restou condenado e pelo qual cumpriu pena atentou contra a segurança do serviço de utilidade pública, especificamente contra o funcionamento da agência da Receita Federal no Município de Palmeira das Missões.

Merece destaque que tal ação delituosa, coordenada e dirigida pessoalmente pelo candidato, incluiu arrombamento da porta de entrada, invasão daquela repartição, ameaça a funcionários públicos e paralisação dos serviços daquele órgão fazendário, com notório prejuízo aos usuários e, também, à própria Fazenda Pública Federal!”

[…]

Assim, o caso dos autos conforma clara hipótese de inelegibilidade, na medida em que o pretenso candidato não preenche os requisitos de vida pregressa compatíveis com a moralidade e probidade administrativas para o exercício do mandato, nos termos do art. 1º, inc. I, “e”, da Lei Complementar n. 64/90.

Resta configurada, pois, a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, alínea “e”, item 1, da Lei Complementar n. 64/90, motivo pelo qual deve ser desprovido o recurso e, consequentemente, mantido o indeferimento do pedido de registro do recorrente. [...]

E, ainda, agrego do parecer do agente ministerial:

Por fim, o indulto que beneficiou o recorrente limita-se ao afastamento dos efeitos primários da condenação, sendo mantidos os efeitos secundários, neles inserida a inelegibilidade, conforme precedente oriundo do colendo TSE, cuja ementa abaixo se reproduz:

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDULTO PRESIDENCIAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL. ANOTAÇÃO. CADASTRO ELEITORAL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O indulto presidencial não equivale à reabilitação para afastar a inelegibilidade decorrente de condenação criminal, o qual atinge apenas os efeitos primários da condenação a pena, sendo mantidos os efeitos secundários.

2. Havendo condenação criminal hábil, em tese, a atrair a inelegibilidade da alínea e do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, não há ilegalidade no lançamento da informação nos assentamentos eleitorais do cidadão (art. 51 da Res.-TSE nº 21.538/2003).

3. A teor da jurisprudência do TSE, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são aferíveis no momento do registro de candidatura, sendo inoportuno antecipar juízo de valor sobre a matéria fora daquela sede.

4. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(Recurso em Mandado de Segurança n. 15090, Acórdão de 04.11.2014, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 225, Data 28.11.2014, Página 59-60.)

 

Por via de consequência, uma vez que o recorrente terminou de cumprir a pena imposta no ano de 2016, encontra-se inelegível para o presente pleito.

Dessarte, dentro desse contexto, a negativa de provimento ao recurso, com a manutenção da decisão combatida, é medida que se impõe.

VOTO, pois, por negar provimento ao recurso, confirmando a sentença que indeferiu o registro de candidatura de VERGÍLIO MATIAS DA ROSA ao cargo de vereador, no município de Palmeira das Missões.