RE - 55127 - Sessão: 13/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ROZELI DA SILVA contra decisão do Juízo Eleitoral da 1ª Zona – Porto Alegre – que indeferiu o pedido de registro de candidatura da recorrente, em razão da falta de filiação partidária pelo prazo mínimo exigido no estatuto do partido político (fl. 53-v.).

A recorrente sustenta, sinteticamente: a) que o art. 20 da Lei n. 9.096/95 foi derrogado; b) que o estatuto do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB sempre estabeleceu como prazo de filiação o interregno mínimo previsto na legislação eleitoral; c) houve a edição de resolução pelo partido, adequando o prazo de filiação ao estabelecido na Lei n. 13.165/15. Requereu o provimento do apelo (fls. 55-85).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 99-102v.).

É o relatório.

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, conforme estabelece o art. 52, § 1º, da Resolução n. 23.455/15 do Tribunal Superior Eleitoral.

A controvérsia destes autos tem como matriz a novíssima redação do art. 9°, caput, da Lei n. 9.504/97, dada pela Lei n. 13.165/15, de 29.9.2015, a denominada minirreforma eleitoral.

Com efeito, a redação anterior do artigo mencionado estabelecia o prazo de um ano antes do pleito como mínimo de filiação partidária.

A redação atual desse dispositivo legal prevê:

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. (Grifei.)

O art. 20 da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) faculta ao partido estabelecer prazos maiores em seus estatutos. O parágrafo único, por sua vez, veda a alteração desse período no ano da eleição:

Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.

Parágrafo único. Os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição.

Observo que, antes de sua redução, os estatutos partidários apresentavam três diretivas distintas quanto ao prazo: a) reprisavam o texto legal; b) eram omissos; c) remetiam à lei. Nenhum, absolutamente nenhum estatuto das 35 siglas registradas no TSE previa prazo superior ao mínimo legal.

O caso do Partido Trabalhista Brasileiro não se diferencia da regra, pois o art. 23, § 1º, de seu estatuto estabelecia o prazo de 1 ano de filiação, justamente o prazo legal antes da mudança legislativa.

Pois bem, com a redução do período legal para 6 meses, algumas agremiações não lograram promover, tempestivamente, alterações em seus estatutos, quer pela vedação em ano eleitoral, quer pela forma exigida pela legislação, Registro Civil de Pessoa Jurídica e posterior registro no TSE.

Em relação ao PTB, a adequação estatutária apenas se realizou por meio da Resolução PTB/CEN 78/2016, sendo esta referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Esta a síntese da controvérsia: incidente o prazo de filiação partidária previsto no estatuto (1 ano) ou o legal (6 meses)?

Inegável que os partidos políticos são agrupamentos sociais com formação ideológica definida e com o escopo de conquista do poder estatal, sendo entes essenciais à postulação de mandatos eletivos por meio das filiações partidárias, como previsto no art. 14, § 3º, inc. V, da Constituição da República.

Na dicção do Min. Celso de Mello, eles atuam como corpos intermediários, posicionando-se, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. Os partidos políticos não são órgãos de estado e nem se acham incorporados ao aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas de caráter institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental.

A natureza jurídica dos partidos políticos vem esclarecida no art. 17, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, que os define como pessoa jurídica de direito privado, assegurando-lhes autonomia para fixar suas diretrizes internas, prevendo uma relação de direitos e deveres para com seus filiados, além de externalizar seus objetivos e seu programa de atuação, assim como as normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Por certo que essa autonomia não é ilimitada, guardando balizas na observância das condicionantes dadas pelos legisladores constitucional e ordinário, os quais, entretanto, não podem se imiscuir em questões interna corporis da agremiação.

O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei e dos requisitos constitucionais.

Nessa perspectiva, se a própria agremiação aprova em convenção e postula a candidatura de eleitora que possui o prazo mínimo legal de filiação partidária (6 meses), não cabe à Justiça Eleitoral, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária, obstar o registro, sob o falacioso argumento de que houve desrespeito a normas do estatuto, cuja observância a própria agremiação relativizou.

A regra de permitir-se que o partido possa indicar prazo superior ao previsto em lei é de segurança para a própria agremiação. Se ele mesmo não demonstra interesse em limitar, não vislumbro razões para que esta Justiça Especializada promova tal intervenção, contra a própria manifestação do interessado e destinatário da proteção.

Nesse sentido, a jurisprudência é firme no sentido de que normas estatutárias que disciplinam filiação partidária caracterizam-se como matéria interna corporis:

CONSULTA. DEPUTADO FEDERAL. EDIÇÃO DE NORMAS PARTIDÁRIAS. QUESTÃO INTERNA CORPORIS. MATÉRIA NÃO ELEITORAL. ART. 23, XII, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A edição de normas limitadas ou restritas a respeito de filiação partidária é matéria interna corporis dos partidos políticos, não cabendo a esta Justiça especializada responder sobre a questão (Precedentes: Consultas n. 1.451, Rel. Min. Caputo Bastos; 1.251, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 20.6.2006; 1.106, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.10.2004).

Essa interpretação vai ao encontro do princípio democrático, consagrado no art. 1º da Constituição da República, que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político, materializado no art. 17 da Carta Magna.

Compreender de outra forma parece-me pretender dar efetividade a uma norma de proteção partidária contra seus próprios e declarados interesses.

A atual conjuntura, na qual diversas agremiações postularam o registro de candidatos que possuíam menos de 1 ano de filiação, assim como demonstraram esforços para adequar seus estatutos à lei, que exige prazo menor (6 meses), não permite acolher a tese ministerial, sob pena de estarmos protegendo o partido de si mesmo, o que não se afigura consentâneo com o sistema.

Interpretar em sentido contrário significaria alijar a candidatura de diversos nomes, com fulcro numa presunção de que os partidos, ao não modificarem seus estatutos, desejavam candidatos com prazo de filiação superior a seis meses.

Dita presunção está completamente divorciada da realidade, máxime pela evidente intenção do PTB em adequar seu estatuto ao prazo legal, como prova a Resolução PTB CEN 78/2016, referendada pelo diretório nacional em 14.04.2016.

Não bastasse, os efeitos de eventual procedência da impugnação não têm nenhuma relevância positiva no contexto eleitoral, porquanto excluirão candidatos por motivo estritamente formal e de interesse interna corporis.

Acrescento, ainda, que o impedimento à alteração de prazos de filiação em ano eleitoral é também uma garantia aos filiados da agremiação, no sentido de obstaculizar o estabelecimento de regras mais duras às vésperas do processo eleitoral. No caso posto, a lógica é inversa, pois a própria lei diminuiu o período de filiação e o partido manifestou de forma inequívoca seu animus de adotar o prazo legal.

A Corte enfrentou recentemente a questão no julgamento do RE 42-84, de relatoria do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, sendo pertinente a transcrição da ementa do relevante precedente então fixado:

Recursos. Registro de candidatura. Julgamento conjunto. Chapa majoritária. Prefeito e vice. Filiação partidária. Estatuto Partidário. Art. 20 da Lei n. 9.096/95. Art. 9º da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação contra decisão a quo, que indeferiu o registro da chapa majoritária formada pelos recorrentes, ao entendimento de não comprovada a filiação partidária no prazo mínimo previsto no estatuto da agremiação, relativamente ao candidato ao cargo de vice-prefeito.

Controvérsia quanto ao prazo de filiação partidária exigido para a habilitação à disputa do certame. A nova redação do art. 9º, caput, da Lei das Eleições reduziu o período legal de um ano para seis meses, acarretando dissonância com alguns textos estatutários que reprisavam a norma legal anterior.

Providenciada a adequação do estatuto ao prazo legal, referendada pelo diretório nacional, porém em data conflitante ao disposto no parágrafo único do art. 20 da Lei n. 9.096/95, que veda a alteração em ano de eleição. O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei, entretanto, não pode a Justiça Eleitoral imiscuir-se em matéria interna corporis, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária.

Evidenciado o interesse da agremiação em permitir a candidatura de correligionário com filiação efetivada pelo menos seis meses antes da eleição e, considerando que a intenção do legislador, com a redução do prazo mínimo legal, foi tornar mais acessível a candidatura, resta imperioso reconhecer atendido o vínculo partidário do recorrente, postulante a cargo eletivo, a fim de deferir o registro da chapa majoritária.

Provimento.

Por fim, cumpre mencionar que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul foi comunicado, por intermédio da Mensagem-Circular n. 224/2016 – SEDAP/CPADI/SJD, que o Tribunal Superior Eleitoral “por unanimidade, deferiu o pedido, concedendo liminar para dar eficácia à alteração estatutária pretendida pelo PTB nos termos sugeridos pela Res.-PTB/CEN n. 78 […] nos termos do voto do Relator (acórdão pendente de formatação/assinatura/publicação).”

Dessarte, tendo em conta a inequívoca intenção do legislador em tornar mais acessível a candidatura, reduzindo o prazo mínimo legal para a filiação partidária, e o manifesto intento do PTB, por meio da Resolução PTB/CNE n. 78/2016, no sentido de permitir ao filiado a candidatura, se filiado há pelo menos seis meses antes da eleição, tenho por atendido o prazo mínimo de vínculo partidário pelo candidato, pois sua filiação ocorreu em 01.03.2016, dentro do prazo estabelecido pela novel redação do art. 9º da Lei n. 9.504/97.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para deferir o registro de candidatura.