RE - 2814 - Sessão: 24/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por MELISSA SILVA DE PAULA contra sentença exarada pelo Juízo da 163ª Zona Eleitoral – Rio Grande – que julgou procedente a representação formulada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, reconhecendo que a recorrente veiculou propaganda eleitoral paga na internet e condenando-a ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (fls. 27-28).

Em suas razões (fls. 29-33), a recorrente argumenta que o impulsionamento pago da página ocorreu apenas nos dias 13 e 14 de agosto, tendo sido suspenso logo que a pré-candidata tomou conhecimento de que a conduta era legalmente proibida. Ao final, pugna pela reforma da sentença para que seja julgada improcedente a representação em face das medidas adotadas e da desproporcionalidade entre a transgressão e a penalidade.

Com contrarrazões (fls. 34 e verso), os autos forma com vistas à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 36-39v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois obedecido o prazo de 24 horas previsto no art. 35 da Resolução TSE n. 23.462/15.

No mérito, a Lei n. 13.165/15 alterou a redação do art. 36-A da Lei das Eleições, o qual passou a considerar, de maneira clara, que somente o pedido ostensivo de voto poderá configurar propaganda eleitoral irregular antes do período permitido por lei.

Dessa forma, não constitui propaganda eleitoral antecipada, inclusive via internet, desde que não haja pedido expresso de votos, a menção à provável candidatura, a exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato, a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, dentre outras circunstâncias.

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral confirmou referida compreensão da norma, como se verifica pela ementa extraída do julgado:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. (LEI DAS ELEIÇÕES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se – e suas exteriorizações (informação e de imprensa) – ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.

2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo.

3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral.

4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii.

5. A propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral, de maneira que, não ocorrendo in concrecto quaisquer ultraje a essa axiologia subjacente, a mensagem veiculada encerrará livre e legítima forma de exteriorizar seu pensamento dentro dos limites tolerados pelas regras do jogo democrático.

6. O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (i) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (ii) mitigar o efeito da (inobjetável) assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (iii) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral.

7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei nº 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto.

8. No caso sub examine,

a) O Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, por maioria, deu parcial provimento a recurso eleitoral, reduzindo ao mínimo legal multa aplicada ao Recorrente pelo Juízo da 52ª Zona Eleitoral, ante o reconhecimento de propaganda eleitoral extemporânea, em virtude de “[ter] public[ado], em seu perfil no Facebook, uma imagem contendo sua fotografia e, ao lado, a seguinte mensagem: “PSB/MG - O melhor para sua cidade é 40!” (fls. 116).

b) Aludida mensagem, a despeito de enaltecer determinado partido político e de indicar possível candidatura, não configura propaganda eleitoral extemporânea vedada pela legislação de regência, como supõe o aresto vergastado.

c) É que, com o fim das doações empresariais e com o reduzido tempo de campanha eleitoral, impõe-se que os pretensos candidatos, no afã de difundir suas propostas e de enaltecer suas qualidades pessoais, logrem buscar formas alternativas de conexão com o seu (futuro) eleitorado, de modo que me parece natural que eles se valham de publicações em posts e de mensagens nas mídias sociais (facebook, twitter etc.) para tal desiderato.

d) A veiculação de mensagens pelas mídias sociais, dada a modicidade de seus custos, harmoniza-se com a teleologia que presidiu tanto a proscrição de financiamento por pessoas jurídicas quanto a Minirreforma Eleitoral: o barateamento das campanhas eleitorais, característica que as tornam inaptas a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito.

e) A Justiça Eleitoral, se reprimir a implementação de métodos alternativos de divulgação de propostas e plataformas políticas (com excessiva restrição ao uso das mídias sociais), contribuirá negativamente para o esvaziamento integral do período democrático de debates (para alguns, denominado de pré-campanha), instituído pela Lei nº 13.165/2015, na medida em que aniquilará, sem qualquer lastro constitucional ou legal, a interação que deve ocorrer entre os pretensos candidatos e os cidadãos, de ordem a produzir odioso chilling effect nos pretensos candidatos, tamanho o receio de verem suas mensagens e postagens qualificadas como propaganda extemporânea.

f) Como consectário, incentiva-se o aparecimento dos cognominados candidatos-surpresa – aqueles que exsurgem às vésperas do pleito, estimulando um arranjo que, decerto, antes de fortalecer, amesquinha a democracia.

g) O desenho institucional que potencializa e leva a sério o regime democrático requer que seja franqueado maior espaço de difusão de ideias, projetos políticos e opiniões sobre os mais diferentes temas, sobre as qualidades pessoais de pretensos candidatos e sobre os planos de governo futuro, visando a propiciar maior controlabilidade social por parte dos demais players do prélio eleitoral.

h) A exposição por largo período de tempo – sem pedido expresso de voto, o que é vedado por lei – permite que essas ideias sejam testadas no espaço público: se, por um lado, forem falsas ou absurdas, a oposição poderá contraditá-las e a população estará mais bem informada; se, por outro lado, forem boas soluções alvitradas, a oposição terá de aperfeiçoar suas propostas e projetos e o cidadão será, mais uma vez, beneficiado.

i) Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito;

9. Recurso especial provido.

(TSE, RESPE 51-24, Rel. Min. Luiz Fux, publicação: 18.10.2016.)

Na espécie, da análise dos documentos de fls. 10, 23 e 24, constata-se que Melissa Silva de Paula, em pré-candidatura ao cargo de vereador de Rio Grande, patrocinou o impulsionamento da divulgação de sua página no Facebook, titulada “Melissa de Paula PCdoB Rio Grando RS”, veiculando a seguinte mensagem de abertura:

Melissa de Paula PCdoB 65 Fundadora da CTF Casa de Ester na luta pela abertura de casa de acolhimento a mulheres dependentes químicas, que sofrem violência doméstica e por políticas sociais à famílias carentes. Curte a página! Obrigadooo

Revela-se que, em sua substância, a divulgação traz o nome utilizado para a urna, o número e a sigla da agremiação partidária, bem como menção às políticas públicas nas quais atuante a então pretendente candidata. Observa-se, contudo, a ausência de pedido expresso de votos, afastando a sua caracterização como propaganda eleitoral extemporânea.

Nesse quadro, a despeito de o conteúdo da mensagem encontrar supedâneo no art. 36-A, caput, da Lei das Eleições, a conduta não se revela adequada quanto à escolha do seu instrumento de divulgação, qual seja, a postagem patrocinada em página do Facebook.

Ainda que suas possibilidades de constituição tenham sido bastante elastecidas pela alteração normativa, as pré-campanhas não poderão servir de palco para práticas não autorizadas pela legislação ao argumento da liberdade de expressão e de informação.

Outrossim, não se poderá alçar ao ainda aspirante a candidato, cujo pedido de votos é vedado, uma liberdade mais ampla em seus atos de promoção do que aquela conferida ao concorrente a cargo eletivo devidamente registrado no período próprio de campanha.

Dessa forma, as divulgações eleitorias efetivadas no período de pré-candidatura não podem esquivar-se à fiscalização e ao controle da Justiça Eleitoral, que deve aferir a compatibilidade de suas substâncias e instrumentos de divulgação com os preceitos da legislação eleitoral.

Nesse trilhar, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Eleitorais agasalhou o entendimento de que devem ser aplicadas àquelas formas de propaganda toleradas pelo novel art. 36-A da Lei das Eleições, relativas à propalação da pré-candidaturas, as mesmas vedações legais impostos no período próprio de propaganda eleitoral, iniciado em 16 de agosto de 2016.

A ilustrar, cito seguintes julgados de outras Cortes Regionais:

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA - ANO ELEITORAL - USO DE "OUTDOOR" FORA DO PERÍODO ELEITORAL PARA DIVULGAÇÃO DE ATOS PARLAMENTARES - LEI N. 9504/1997, ART. 36-A, IV, E ART. 39, § 8º - FORMA VEDADA.

As formas de propaganda vedadas durante o processo eleitoral também são vedadas no período da pré-campanha, mesmo que as mensagens veiculadas sejam permitidas pelo art. 36-A, e seus incisos, da Lei 9504/97, e submetem o pré-candidato às mesmas sanções previstas para os casos de infração às regras da propaganda eleitoral.

(TRE-SC; RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS n. 2975, Acórdão n. 31311 de 11.7.2016, Relator HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 121, Data 19.7.2016, Página 6.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. PRELIMINAR DE BIS IN IDEM AFASTADA. É POSSÍVEL A PUNIÇÃO PARA CADA ATO DE PROPAGANDA IRREGULAR ISOLADAMENTE CONSIDERADO. MÉRITO: AFIXAÇÃO DE PLACAS CONTENDO A SUPOSTA DIVULGAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA. INOCORRÊNCIA. A MENÇÃO À PRÉ-CANDIDATURA E SUA DIVULGAÇÃO, INSTITUÍDAS PELA LEI Nº 13.165/2015, NÃO AUTORIZAM A VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA EM SI MESMA VEDADA NO PERÍODO ELEITORAL. HIPÓTESE NÃO ALBERGADA PELAS NORMAS PERMISSIVAS DO ART. 36-A DA LEI DAS ELEIÇÕES. PROPAGANDA IRREGULAR CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.

(TRE-SP; RECURSO n. 839, Acórdão de 07.7.2016, Relator CARLOS EDUARDO CAUDURO PADIN, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 14.7.2016.)

Consoante a compreensão jurisprudencial, o art. 36-A da Lei n. 9.504/97 não oferta uma ampla e incondicional possibilidade de promoção na pré-campanha. Ao contrário, o dispositivo traça as estreitas hipóteses de exclusão da extemporaneidade da divulgação eleitoral, porém não descaracteriza a natureza de propaganda eleitoral, ínsita às hipóteses.

Desse modo, a norma não comporta uma leitura isolada, mas deve ser interpretada de maneira sistemática com os demais preceitos que condicionam ou proíbem a propaganda eleitoral em geral.

Portanto, a utilização da postagem patrocinada no Facebook, visando aumentar o número de pessoas impactadas pela mensagem para além do círculo pessoal do seu autor, ainda que no contexto de pré-campanha, transgride a previsão do art. 57-C, caput, que veda a utilização de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet.

A conduta é ainda proscrita pelo teor do art. 23, § 3º, da Resolução TSE n. 23.457/07, in verbis:

Art. 23. Na Internet é vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput).

(…).

§ 3º A divulgação de propaganda e de mensagens relativas ao processo eleitoral, inclusive quando provenientes de eleitor, não pode ser impulsionada por mecanismos ou serviços que, mediante remuneração paga aos provedores de serviços, potencializem o alcance e a divulgação da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo.

Esse posicionamento recebeu amparo deste Tribunal, em precedente assim ementado:

Recurso. Representação. Propaganda eleitoral patrocinada e antecipada na internet. Art. 57-C da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação quanto à sentença de improcedência da representação por propaganda irregular na rede social.

Propaganda eleitoral patrocinada no Facebook. O termo "patrocinado", localizado imediatamente abaixo do nome do pré-candidato, revela a contratação da publicidade, configurando modalidade de campanha eleitoral paga na internet, em infringência ao art. 23 da Resolução TSE n. 23.457/15. Contratação que tem por finalidade o efeito multiplicador do número de acessos à postagem. As propagandas vedadas durante o processo eleitoral também são proibidas no período da pré-campanha.

Imposição da multa prevista no art. 23, § 2º, da citada Resolução.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 32197, Acórdão de 17.10.2016, Relator DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

Diante de tal contexto, quanto ao mérito, impõe-se a manutenção da bem -lançada sentença, que, atendendo aos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade, acertadamente fixou a penalidade pecuniária no patamar mínimo legal.

No tocante aos requerimentos do parecer ministerial, no sentido de que se determine que o valor gasto com a postagem seja contabilizado no limite de gastos de campanha e que a despesa seja incluída na prestação de contas eleitoral, entendo que não devem ser deferidos.

A representação por propaganda irregular não é o meio adequado para a análise de questões afetas à contabilidade eleitoral. A arrecadação e os gastos na campanha constituem matéria com disciplina própria, prevista na Resolução TSE n. 23.463/15, que deve ser conhecida e processada no bojo da apropriada prestação de contas eleitorais, cujo julgamento compete originariamente ao juiz eleitoral da circunscrição do candidato.

ANTE O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença recorrida.