RE - 6596 - Sessão: 09/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por MÁRCIA BRAGA DA FONSECA, candidata a vereadora no Município de São Lourenço do Sul, contra a decisão do Juiz Eleitoral da 80ª Zona que indeferiu o registro de candidatura da recorrente por entender não cumprido o prazo mínimo de filiação previsto no Estatuto do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.

Em suas razões, prequestiona os seguintes dispositivos: art. 17, §1º, da Constituição e art. 3º da Lei n. 9.096/95; art. 45, inc. V do §1º, do art. 11 e art. 15 da Resolução TSE n. 23.455/15, art. 12 da Resolução TSE n. 23.455/15; e art. 17 do CPC. Sustenta, sinteticamente: a) a tempestividade do recurso; b) o recebimento do recurso em ambos os efeitos; c) o PTB sempre adotou o prazo legal mínimo de filiação para o registro de candidatura; d) a Lei n. 13.165/15 foi promulgada no término de 2015, não sendo possível atualizar o estatuto do partido; d) a adequação do estatuto à nova legislação não deve prejudicar a autonomia constitucional conferida às agremiações; e) a interpretação do Estatuto do PTB é matéria interna corporis, da qual não pode se imiscuir o Judiciário. Requer o provimento do apelo (fls. 126-57).

Apresentadas contrarrazões (fls. 164-5).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 168-71).

É o relatório.

 

 

 

VOTO

O recurso é tempestivo.

A controvérsia destes autos tem como matriz a novíssima redação do art. 9°, caput, da Lei 9.504/97, dada pela Lei 13.165/15, de 29.9.2015, a denominada minirreforma eleitoral.

Com efeito, a redação anterior do artigo mencionado estabelecia como prazo mínimo de filiação partidária, pelo menos, um ano antes do pleito.

A redação atual desse dispositivo legal prevê:

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. (Grifei.)

O art. 20 da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) faculta às agremiações a possibilidade de fixar prazos maiores em seus estatutos. O parágrafo único, por sua vez, veda a alteração desse período no ano da eleição:

Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.

Parágrafo único. Os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição.

Ressalto que antes da redução do prazo de 1 ano de filiação partidária, os estatutos partidários apresentavam três diretivas distintas quanto ao prazo: a) reprisavam o texto legal; b) eram omissos; c) remetiam à lei. Nenhum, absolutamente nenhum estatuto das 35 siglas registradas no TSE, previa prazo superior ao mínimo legal.

O caso do Partido Trabalhista Brasileiro não se diferencia da regra. O art. 23 §1º, de seu Estatuto, estabelecia o prazo de 1 ano de filiação, justamente o prazo legal antes da mudança legislativa.

Pois bem, com a redução do período legal para 6 meses, algumas agremiações não lograram promover, tempestivamente, alterações em seus estatutos, quer pela vedação em ano eleitoral, quer pela forma exigida pela legislação, Registro Civil de Pessoa Jurídica e posterior registro no TSE.

Em relação ao PTB, a adequação estatutária apenas se realizou por meio da Resolução PTB/CEN 78/2016, sendo esta referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Essa a síntese da controvérsia: Incidente o prazo de filiação partidária previsto no estatuto (1 ano) ou o legal (6 meses)?

Inegável que os partidos políticos são agrupamentos sociais com formação ideológica definida e com o escopo de conquista do poder estatal, sendo entes essenciais à postulação de mandatos eletivos por meio das filiações partidárias, como previsto no art. 14, § 3º, inc. V, da Constituição da República.

Na dicção do Min. Celso de Mello, eles atuam como corpos intermediários, posicionando-se, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. Os partidos políticos não são órgãos de estado e nem se acham incorporados ao aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas de caráter institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental.

A natureza jurídica dos partidos políticos vem esclarecida no art. 17, § 1º e § 2º, da Constituição Federal, que os define como pessoas jurídicas de direito privado, assegurando-lhe autonomia para fixar suas diretrizes internas, prevendo uma relação de direitos e deveres para com seus filiados, além de externalizar seus objetivos e seu programa de atuação, assim como as normas de fidelidade e disciplina partidária.

Por certo que essa autonomia não é ilimitada, guardando balizas na observância das condicionantes dadas pelo legislador constitucional e ordinário, os quais, entretanto, não podem se imiscuir em questões interna corporis da agremiação.

O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei e dos requisitos constitucionais.

Nessa perspectiva, se a própria agremiação aprova em convenção e postula a candidatura de eleitor que possui o prazo mínimo legal de filiação partidária (6 meses), não cabe à Justiça Eleitoral, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária, obstar o registro, sob o falacioso argumento de que houve desrespeito a normas do estatuto, cuja observância a própria agremiação relativizou.

A regra de se permitir que o partido possa indicar prazo superior ao previsto em lei é de segurança para a própria agremiação. Se ele mesmo não demonstra interesse em limitar, não vislumbro razões para que esta Justiça Especializada promova tal intervenção, contra a própria manifestação do interessado e destinatário da proteção.

Nesse sentido, a jurisprudência é firme no sentido de que normas estatutárias que disciplinam filiação partidária é matéria interna corporis:

CONSULTA. DEPUTADO FEDERAL. EDIÇÃO DE NORMAS PARTIDÁRIAS. QUESTÃO INTERNA CORPORIS. MATÉRIA NÃO ELEITORAL. ART. 23, XII, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A edição de normas limitadas ou restritas a respeito de filiação partidária é matéria interna corporis dos partidos políticos, não cabendo a esta Justiça especializada responder sobre a questão (Precedentes: Consultas n. 1.451, Rel. Min. Caputo Bastos; 1.251, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 20.6.2006; 1.106, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.10.2004).

Essa interpretação vai ao encontro do princípio democrático, consagrado no art. 1º, da Constituição da República, que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político, materializado no art. 17 da Carta Magna.

Compreender de outra forma, parece-me pretender dar validade a uma norma de proteção partidária contra seus próprios e declarados interesses.

A atual conjuntura, na qual diversas agremiações postularam o registro de candidatos que possuíam menos de 1 ano de filiação, assim como demonstraram esforços para adequarem seus estatutos à lei, que exige prazo menor (6 meses), não permite acolher a tese ministerial, sob pena de estarmos protegendo o partido de si mesmo, o que não se afigura consentâneo com o sistema.

Interpretar em sentido contrário, significaria alijar a candidatura de diversos nomes, com fulcro numa presunção de que os partidos, ao não modificarem seus estatutos, desejavam candidatos com prazo de filiação superior a seis meses.

Dita presunção está completamente divorciada da realidade, máxime pela evidente intenção do PTB em adequar seu estatuto ao prazo legal, como prova a Resolução PTB/CEN 78/2016, referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Não bastasse, os efeitos de eventual procedência da impugnação não têm nenhuma relevância positiva no contexto eleitoral, porquanto excluirá candidatos por motivo estritamente formal e de interesse interna corporis.

Acrescento, ainda, que a vedação de alterar os prazos de filiação em ano eleitoral é também uma garantia aos filiados da agremiação, no sentido de obstaculizar o estabelecimento de regras mais duras às vésperas do processo eleitoral. No caso posto, a lógica é inversa, pois a própria lei diminuiu o período de filiação e o partido manifestou de forma inequívoca seu animus de adotar o prazo legal.

Como a matéria suscitou divergência de entendimentos, procedi à pesquisa jurisprudencial e verifiquei que já há diversas sentenças prolatadas que sufragam o entendimento aqui esposado.

Peço vênia para citar os precedentes: RCAND 51-16.2016.6.19.0033 – Santa Maria Madalena/RJ; 9812/2016 – Aparecida do Taboado/MS; 20445 – Juiz de Fora/MG; 14322 - Rolim de Moura/RO. No Rio Grande do Sul, o RCAND 44-49.2016.6.21.0039, originário do Município de Rosário do Sul.

Mais recentemente, este Tribunal fixou a compreensão que ora estou a propor, com os fundamentos acima delineados, conforme se extrai:

Recursos. Registro de candidatura. Julgamento conjunto. Chapa majoritária. Prefeito e vice. Filiação partidária. Estatuto Partidário. Art. 20 da Lei n. 9.096/95. Art. 9º da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016.

Irresignação contra decisão a quo, que indeferiu o registro da chapa majoritária formada pelos recorrentes, ao entendimento de não comprovada a filiação partidária no prazo mínimo previsto no estatuto da agremiação, relativamente ao candidato ao cargo de vice-prefeito.

Controvérsia quanto ao prazo de filiação partidária exigido para a habilitação à disputa do certame. A nova redação do art. 9º, caput, da Lei das Eleições reduziu o período legal de um ano para seis meses, acarretando dissonância com alguns textos estatutários que reprisavam a norma legal anterior.

Providenciada a adequação do estatuto ao prazo legal, referendada pelo diretório nacional, porém em data conflitante ao disposto no parágrafo único do art. 20 da Lei n. 9.096/95, que veda a alteração em ano de eleição. O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei, entretanto, não pode a Justiça Eleitoral imiscuir-se em matéria interna corporis, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária.

Evidenciado o interesse da agremiação em permitir a candidatura de correligionário com filiação efetivada pelo menos seis meses antes da eleição e, considerando que a intenção do legislador, com a redução do prazo mínimo legal, foi tornar mais acessível a candidatura, resta imperioso reconhecer atendido o vínculo partidário do recorrente, postulante a cargo eletivo, a fim de deferir o registro da chapa majoritária.

Provimento.

(TRE/RS – 42-84.2016.6.21.0102 – Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – J. Sessão de 8.9.2016.)

Por fim, cumpre mencionar que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul foi comunicado, por intermédio da Mensagem-Circular n. 224/2016 – SEDAP/CPADI/SJD, que o Tribunal Superior Eleitoral, “por unanimidade, deferiu o pedido, concedendo liminar para dar eficácia à alteração estatutária pretendida pelo PTB nos termos sugeridos pela Res.-PTB/CEN n. 78 […] nos termos do voto do Relator (acórdão pendente de formatação/assinatura/publicação).”

Dessarte, tendo em conta a inequívoca intenção do legislador em tornar mais acessível a candidatura, reduzindo o prazo mínimo legal para a filiação partidária e o manifesto intento do PTB, por meio da Resolução PTB/CNE n. 78/2016, no sentido de permitir ao filiado a candidatura, se filiado há, pelo menos, seis meses antes da eleição, tenho por atendido o prazo mínimo de vínculo partidário pela candidata, pois sua filiação ocorreu em 10.11.2015, dentro do prazo estabelecido pela novel redação do art. 9º da Lei 9.504/97.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso de MÁRCIA BRAGA DA FONSECA, candidata a vereadora, ao efeito de deferir o registro de sua candidatura.