RE - 21197 - Sessão: 13/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso eleitoral (fls. 18-20) interposto por BOLIVAR ANTÔNIO PASQUAL contra decisão (fls. 15-16) do Juiz da 61ª Zona Eleitoral - Farroupilha - que, nos autos de Exceção de Suspeição, julgou improcedente o pedido formulado em face da Promotora Eleitoral JEANINE MOCELLIN (fls. 19-20).

Apresentadas contrarrazões (fls. 22-24), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pela negativa de provimento ao recurso (fls. 26-28).

É o breve relatório.

 

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, adentro na questão de fundo.

Cuida-se de recurso interposto por Bolivar Antônio Pasqual, candidato ao cargo de prefeito de Farroupilha pela coligação Todos Juntos (PMDB / PP / PTB / PSDB / PR / PSC / DEM / PPS), contra decisão do Juiz da 61ª Zona - Farroupilha - que, nos autos da Exceção de Suspeição subjacente, julgou improcedente o pedido formulado em face da Promotora Eleitoral atuante junto à 61ª ZE, Jeanine Mocellin.

Os fundamentos da pretensão foram assim delineados (fls. 19-20):

O Recorrente reafirma inteiramente os argumentos e fundamentos expendidos à arguição.

A subscritora da impugnatória de fls. 62/65, ao invés de se abster, emitiu opinião pública antecipada e indevida acerca da candidatura do Recorrente em 7 de novembro de 2015. Foi a ponto de fazê-lo em programa de rádio local tecendo considerações e afirmando, para todos os ouvintes, em bom tom, a sua convicção acerca da INELEGIBILIDADE do Recorrente.

A expressão “neste caso pegaria”, audível aos 02:05 da gravação, expressa a convicção daquela servidora em relação ao ora Recorrente conforme facilmente se ouve ao endereço eletrônico http://www.spacofm.com.br/index.php/noticias/show/id/15318-bolivar-pasqual-tera-dificuldades-para-conseguir-concorrer-em-2016,-explica-promotora que corresponde à gravação em CD ora anexada (doc. 3).

Evidentemente que a locução emitida pela excepta no contexto da entrevista caracteriza não apenas uma prévia como ENFÁTICA emissão de opinião pública e de parecer. [...]

A decisão combatida, por seu turno, assim dispôs (fls. 15-16):

Indefiro a arguição de suspeição.

Com efeito, escutei o CD juntado aos autos (fl. 07). Em nenhum momento, na entrevista, a promotora Jeanine afirmou que Bolivar Antonio Pasqual não poderia concorrer, mas sim que havia a possibilidade de que não pudesse concorrer, por conta da existência contra ele de ação de improbidade administrativa, com condenação transitada em julgado. A promotora acresceu na entrevista que a elegibilidade seria analisada por ocasião do registro da candidatura.

O “neste caso pegaria”, dito pela promotora Jeanine, no contexto da entrevista, não caracteriza prévia emissão de opinião pública ou de parecer. Ao contrário, na entrevista, é de clareza objetiva que a elegibilidade seria analisada por ocasião do registro da candidatura. Afirmar que alguém possa vir a ser reconhecido como inelegível não se confunde com afirmar que alguém é inelegível.

A promotora apenas esclareceu aos ouvintes a existência de uma condenação contra Bolivar Antonio Pasqual e os possíveis efeitos daquela condenação. Não vejo como atribuir a esta conduta a emissão antecipada e indevida de opinião pública.

Ao contrário, faz parte da essência do Ministério Público zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais; assim estabelecido no art. 127, “caput”, da Constituição Federal: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

A promotora alertou acerca da possibilidade de inelegibilidade e de que a questão seria analisada caso houvesse a candidatura de Bolivar Antonio Pasqual. Não houve emissão antecipada de opinião; e, em decorrência, não verifico que seja parte interessada.

Ao contrário, a sua conduta (alertar sobre a possibilidade de inelegibilidade) se insere dentro das incumbências atribuídas pela CF ao Ministério Público no sentido de promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais.

Com razão o magistrado de primeira instância, pois não há nos autos elemento que indique a suspeição da agente ministerial Jeanine Mocellin.

O recorrente tomou como base o art. 145, inc. IV, do Código de Processo Civil, que arrola como causa para suspeição do juiz o “interesse no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”, para concluir que ao caso deve ser aplicado o disposto no art. 148 daquele mesmo estatuto, o qual reza que “aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição ao membro do Ministério Público”.

Tive acesso ao áudio que embasa a exordial, consistente em entrevista dada por Jeanine à emissora de rádio local em período prévio à fase de registros de candidatura. Dela, o que se nota é a emissão de opinião da entrevistada em juízo hipotético, descrevendo o que poderia acontecer para o caso de ser reconhecida, pela Justiça Eleitoral, a existência de inelegibilidade oriunda de determinado processo judicial.

Não por acaso, no início da entrevista, ao ser questionada pelo entrevistador se Bolivar Antônio Pasqual teria condições de concorrer no próximo pleito, a entrevistada começa dizendo que “eu não tenho certeza disso”, perfilando as razões, de ordem técnica, que poderiam levar a Justiça Eleitoral a restringir o direito eleitoral passivo do interessado, assim como o de outros que se encontram em situação análoga.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, não há falar em suspeição quando não esteja evidenciado o comprometimento ou a parcialidade com a questão posta em juízo (Exc n. 29866 – Rel. Desa. Elaine Harzheim Macedo – J. Sessão de 22.01.2013 / Exc n. 2272 – Rel. Drª Lusmary Fátima Turelly da Silva – J. Sessão de 12.02.2014).

Colho, ainda, nessa toada, os seguintes arestos:

PROCESSUAL PENAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. REJEIÇÃO LIMINAR. ENTREVISTA CONCEDIDA AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. PREJULGAMENTO INEXISTENTE. PEDIDO DE CELERIDADE. AUSÊNCIA DE CONDUTA INDEVIDA.

I - O reconhecimento da suspeição, por significar o afastamento do juiz natural da causa, exige que fique evidenciado um prévio comprometimento do julgador para decidir o processo em determinada direção, a fim de favorecer ou prejudicar uma das partes, situação inocorrente na espécie.

II - As entrevistas concedidas buscaram tão somente demonstrar e esclarecer a existência de provas suficientes para a decretação da prisão preventiva, sem que isso possa significar qualquer prejulgamento da causa.

III - A solicitação a uma colega para que determinado processo - que repercutirá em causa diversa da qual o solicitante é relator - seja julgado de forma célere, não traduz interesse indevido na solução da causa, mas sim comprometimento com a prestação jurisdicional justa e adequada. Agravo regimental desprovido.

(STJ – AgRg na ExSusp 120 / DF – AGRAVO REGIMENTAL NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO 2013/0044673-1 – Rel. Min. FELIX FISCHER – CE – CORTE ESPECIAL – DJe 15.3.2013.)

 

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO QUALIFICADO.

ANULAÇÃO DO PROCESSO CRIMINAL POR SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

1. “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia” (Súmula n. 234/STJ). Precedente do STF: RHC 83.991/MG, DJ 07.5.2004.

2. O fato de membro do Ministério Público informar o rumo das investigações por meio de entrevista jornalística, mesmo que de forma enfática, não se encaixa nas hipóteses de suspeição, que, por força do art. 258 do Código de Processo Penal, encontram-se elencadas no art. 254 do referido diploma legal.

3. Não há que se falar em inépcia da peça acusatória que contém a exposição do fato criminoso, as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas, permitindo ao acusado o exercício da ampla defesa, atendendo ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.

4. Por fim, segundo pacífico magistério jurisprudencial, em sede de habeas corpus, só é possível trancar ação penal em situações muito especiais, seja porque o fato narrado não constitui crime, seja porque é evidente e indiscutível a negativa de autoria, ou quando já

estiver extinta a punibilidade, que são as hipóteses de rejeição da denúncia, nos termos do art. 43 do Código de Processo Penal.

5. Ordem denegada.

(STJ – HC 38087 / SP – HABEAS CORPUS 2004/0126201-7 – Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – DJ 20.6.2005.)

Quanto mais não fosse, nos autos em que suscitada a suspeição, correspondente ao Requerimento de Registro de Candidatura do ora recorrente, a agente ministerial ora recorrida atuou como “parte”, e não como fiscal da ordem jurídica, na medida em que propôs Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura em face do ora recorrente – o que realça o interesse do Ministério Público em fazer valer, de forma objetiva, a legislação referente às inelegibilidades, ou condições de elegibilidade, em sede eleitoral.

Nesses termos, de relevo transcrever a resposta dada pela ora excepta nestes autos (fls. 9-11):

[…] Com efeito, a manifestação impugnada cingiu-se à informação (diga-se de passagem, pública e notória) de que o excipiente foi condenado por ato de improbidade administrativa em processo com sentença transitada em julgado (processo autuado na origem sob o n. 048/1.08.0002395-1) muito antes da referida entrevista e que tais peças foram encaminhadas ao Gabinete Eleitoral para análise, juntamente com as peças relativas a outros candidatos possíveis e que, eventualmente e a depender dos prazos, o candidato poderia sim encontrar-se inelegível.

Aliás, cabe referir que o dispositivo legal no qual o excipiente embasa a sua pretensão, consistente em afastar-se esta agente ministerial do processo eleitoral (inciso IV do artigo 145 do Novo Código de Processo Civil) claramente não se aplica ao caso em que o Ministério Público atua como parte, na medida em que, em tal situação, evidentemente, o Parquet possui interesse no julgamento do processo. Interesse processual, obviamente, e não pessoal.

Francamente, seria no mínimo estranho que o autor da ação não tivesse interesse na procedência da causa por ele ajuizada.

Mesmo assim, verifica-se claramente da entrevista que fundamenta o pedido de acolhimento suspeição que a agente signatária em nenhum trecho afirmou direta ou indiretamente ter interesse na ação de impugnação de registro de candidato que eventualmente fosse interposta, tendo, inclusive, deixado claro que a análise das condições de elegibilidade do ora excipiente seria realizada no momento oportuno, afirmando ao final da entrevista que o período de suspensão dos direitos políticos do excipiente (sanção aplicada no processo referido acima) alcançaria o pleito municipal de 2016.

Quanto ao mais, a manifestação desta agente ocorreu em nível hipotético, deixando-se claro, naquela ocasião, como já referido, que a incompatibilidade do requerente seria analisada quando da abertura do prazo de impugnação das candidaturas.

Logo, a manifestação não revelou qualquer causa que conduzisse à suspeição desta agente, mesmo porque não restou antecipado qualquer juízo de valor a respeito de qual seria a atuação ministerial quando do período oportuno.

Obviamente, se em razão da condenação por improbidade administrativa e do consequente período de suspensão dos direitos políticos do candidato, o excipiente não estivesse em condição de ser eleito, a impugnação do registro do candidato decorreria de obrigação funcional e não de mera opção pessoal.

Importante frisar que, para a configuração da suspeição alegada pelo excipiente (artigo 145, IV, do NCPC) exige a existência de interesse pessoal no julgamento do processo, sendo que o alegado interesse pessoal da agente signatária não restou comprovado pelo excipiente, já que fundamenta o pedido unicamente na entrevista mencionada na inicial.

E o ônus da prova da circunstância capaz de configurar a suspeição obviamente cabia ao excipiente.

[…]

Por fim, causa espanto a impugnação do excipiente neste expediente, porque, recentemente, esta agente oficiou, como custos legis, em ação deduzida por partidos políticos contra o candidato Bolívar Antônio Pasqual (Representação 33-51.2016.6.21.0061), ação esta cujo objeto era o impedimento daquele de figurar como pré-candidato. Naquela oportunidade, o Ministério Público Eleitoral manifestou-se favoravelmente ao ora excipiente (cópia em anexo).

E, obviamente, por ocasião da manifestação da agente signatária naquela representação, ocorrida em junho de 2016, o excipiente já tinha conhecimento da entrevista que agora utiliza para arguir a suspeição.

Ou seja, a suspeição desta agente é tratada 'a La Carte', conforme a conveniência do interessado.

(Grifos no original.)

Outra não é a direção do parecer do Procurador Regional Eleitoral, cujos fundamentos agrego às razões de decidir (fls. 26-28):

[…] Da oitiva do CD juntado aos autos, contendo o teor da referida entrevista (fl. 07), não se verifica a hipótese de suspeição arguida pelo recorrente, senão vejamos.

Naquela ocasião, a Promotora de Justiça Eleitoral limitou-se a informar que o pretenso candidato BOLIVAR ANTONIO PASQUAL possui condenação por ato de improbidade administrativa em processo transitado em julgado, e que a análise das condições de elegibilidade daquele seria examinada em momento oportuno.

Afirmou, outrossim, a Promotora de Justiça Eleitoral que o período de suspensão dos direitos políticos do recorrente (sanção que fora aplicada no processo que julgou a ação por ato de improbidade administrativa) alcançaria o pleito municipal de 2016.

Assim, não há falar em emissão de opinião pública antecipada em desfavor do pretenso candidato BOLIVAR ANTÔNIO PASQUAL, uma vez que a Promotora de Justiça Eleitoral apenas esclareceu, informou aos ouvintes sobre a existência de condenação por ato de improbidade administrativa – que, diga-se de passagem, é dado acessível ao público em geral, não albergado por sigilo, - com as possíveis consequências da aplicação das sanções impostas naquele feito relativamente à pretensa candidatura do recorrente ao pleito de 2016, também fato objetivo, uma vez que adstrito a questões formais, e não envolvem prévio juízo meritório.

Não se extrai da conduta noticiada qualquer referência a pré-julgamento de caso concreto, ou de afirmação desabonatória à reputação do candidato requerente. Tanto que ressalvou que “...a análise das condições de elegibilidade daquele seria examinada em momento oportuno.”

A prévia menção do procedimento a ser observado na seara eleitoral, quando presente fato envolvendo condenação por improbidade, como o fez a Promotora de Justiça Eleitoral excepta, não pode lhe acarretar qualquer consequência sancionatória, na medida que inexistiu pré-julgamento de caso concreto, mas simples referência e esclarecimento a respeito de dados procedimentais decorrentes daquela hipótese.

Andou bem a sentença, portanto, que entendeu que a Promotora de Justiça Eleitoral agiu dentro de suas atribuições de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, na forma do art. 127, caput, da Constituição Federal.

Portanto, dentro desse contexto, a negativa de provimento ao recurso, com a manutenção da decisão recorrida, é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.