RE - 4284 - Sessão: 08/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos interpostos por VANDERLEI KUCNER e RICARDO MOUSQUER, candidatos a vice-prefeito e prefeito, respectivamente, no Município de Porto Vera Cruz, contra a decisão do Juiz Eleitoral da 102ª Zona que indeferiu o registro de candidatura da chapa formada pelos recorrentes, por entender não cumprido o prazo mínimo de filiação previsto no estatuto do Partido Trabalhista Brasileiro relativamente ao candidato a vice-prefeito, Vanderlei Kucner.

Em suas razões, aviadas com o mesmo teor nos processos de cada um dos recorrentes, sustentam, sinteticamente: a) a derrogação do art. 20 da Lei n. 9.096/95; b) o preenchimento do prazo de 6 meses de filiação partidária estabelecido no art. 9º da Lei n. 9.504/97; c) que o estatuto do PTB previa o prazo de 1 ano de filiação partidária, pois era esse o estabelecido na Lei 9.504/97; d) que a promulgação da Lei n. 13.165/15, que reduziu o prazo de filiação para 6 meses, ocorreu apenas em 29.9.2015, inviabilizando alteração estatutária ainda em 2015; e) que o art. 12 da Resolução TSE 23.455/15 violou o art. 105 da Lei n. 9.504/97; f) que houve a edição da Resolução PTB/CEN n. 78/2016, em 02.3.2016, dispondo sobre a adequação do estatuto do PTB ao prazo mínimo de 6 meses, sendo ratificada pelo Diretório Nacional em 14.4.2016; g) que não é cabível o controle jurisdicional acerca de matéria interna corporis. Requereram o provimento dos apelos.

Em ambos os processos, em juízo de retratação, as sentenças foram mantidas por seus próprios fundamentos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento dos recursos.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos.

Passo a analisar, inicialmente, o RE 42-84.2016.6.21.0102 – Vanderlei Kucner, candidato a vice-prefeito, pois o indeferimento de sua candidatura inviabilizou a outorga da chapa, única e indivisível, levando à decisão desfavorável do pedido de registro do candidato a prefeito, Ricardo Mousquer.

A controvérsia destes autos tem como matriz a novíssima redação do art. 9°, caput, da Lei n. 9.504/97, dada pela Lei n. 13.165/15, de 29.9.2015, a denominada minirreforma eleitoral.

Com efeito, a redação anterior do artigo mencionado estabelecia como requisito para o candidato concorrer às eleições o prazo mínimo de filiação partidária de, pelo menos, um ano antes do pleito.

A redação atual desse dispositivo legal prevê:

Art. 9º Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. (Grifei.)

O art. 20 da Lei n. 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) faculta às agremiações a possibilidade de fixar prazos maiores em seus estatutos. O parágrafo único, por sua vez, veda a alteração desse período no ano da eleição:

Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidária superiores aos previstos nesta Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.

Parágrafo único. Os prazos de filiação partidária, fixados no estatuto do partido, com vistas a candidatura a cargos eletivos, não podem ser alterados no ano da eleição.

Ressalto que, antes da redução do prazo de 1 ano de filiação partidária, os estatutos partidários apresentavam três diretivas distintas quanto ao prazo: a) reprisavam o texto legal; b) eram omissos; c) remetiam à lei. Nenhum, absolutamente nenhum estatuto das 35 siglas registradas no TSE previa prazo superior ao mínimo legal.

O caso do Partido Trabalhista Brasileiro não se diferencia da regra, pois o art. 23, § 1º, de seu estatuto estabelecia o prazo de 1 ano de filiação, justamente a previsão legal antes da mudança legislativa.

Pois bem, com a redução do período legal para 6 meses, algumas agremiações não lograram promover, tempestivamente, alterações em seus estatutos, quer pela vedação em ano eleitoral, quer pela forma exigida pela legislação, Registro Civil de Pessoa Jurídica e posterior registro no TSE.

Em relação ao PTB, a adequação estatutária apenas efetivou-se por meio da Resolução PTB/CEN 78/2016, sendo esta referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Essa a síntese da controvérsia: incidente o prazo de filiação partidária previsto no estatuto (1 ano) ou o legal (6 meses)?

Inegável que os partidos políticos são agrupamentos sociais com formação ideológica definida e com o escopo de conquista do poder estatal, sendo entes essenciais à postulação de mandatos eletivos por meio das filiações partidárias, como previsto no art. 14, § 3º, inc. V, da Constituição da República.

Na dicção do Min. Celso de Mello, eles atuam como corpos intermediários, posicionando-se, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. Os partidos políticos não são órgãos de estado e nem se acham incorporados ao aparelho estatal. Constituem, no entanto, entidades revestidas de caráter institucional, absolutamente indispensáveis à dinâmica do processo governamental.

A natureza jurídica dos partidos políticos vem esclarecida no art. 17, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, que os define como pessoas jurídicas de direito privado, assegurando-lhes autonomia para fixar suas diretrizes internas, prevendo uma relação de direitos e deveres para com seus filiados, além de externalizar seus objetivos e seu programa de atuação, assim como as normas de fidelidade e disciplina partidárias.

Por certo que essa autonomia não é ilimitada, guardando balizas na observância das condicionantes dadas pelos legisladores constitucional e ordinário, os quais, entretanto, não podem se imiscuir em questões interna corporis da agremiação.

O controle judicial sobre os partidos políticos está restrito à verificação do cumprimento da lei e dos requisitos constitucionais.

Nessa perspectiva, se a própria agremiação aprova em convenção e postula a candidatura de eleitor que possui o prazo mínimo legal de filiação partidária (6 meses), não cabe à Justiça Eleitoral, sob pena de indevida interferência na liberdade de organização partidária, obstar o registro, sob o falacioso argumento de que houve desrespeito a normas do estatuto, cuja observância a própria agremiação relativizou.

A regra de permitir-se que o partido possa indicar prazo superior ao previsto em lei é de segurança para a própria agremiação. Se ele mesmo não demonstra interesse em limitar, não vislumbro razões para que esta Justiça Especializada promova tal intervenção contra a manifestação do interessado e destinatário da proteção.

Nesse sentido, a jurisprudência é firme no sentido de que normas estatutárias que disciplinam filiação partidária caracterizam-se como matéria interna corporis:

CONSULTA. DEPUTADO FEDERAL. EDIÇÃO DE NORMAS PARTIDÁRIAS. QUESTÃO INTERNA CORPORIS. MATÉRIA NÃO ELEITORAL. ART. 23, XII, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO CONHECIMENTO.

1. A edição de normas limitadas ou restritas a respeito de filiação partidária é matéria interna corporis dos partidos políticos, não cabendo a esta Justiça especializada responder sobre a questão (Precedentes: Consultas n. 1.451, Rel. Min. Caputo Bastos; 1.251, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ de 20.6.2006; 1.106, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.10.2004).

Essa interpretação vai ao encontro do princípio democrático, consagrado no art. 1º da Constituição da República, que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político, materializado no art. 17 da Carta Magna.

Compreender de outra forma representaria privilegiar uma norma de proteção partidária contra seus próprios e declarados interesses.

A atual conjuntura, na qual diversas agremiações postularam o registro de candidatos que possuíam menos de 1 ano de filiação, assim como demonstraram esforços para adequarem seus estatutos à lei, que exige prazo menor (6 meses), não permite acolher a tese ministerial, sob pena de estarmos protegendo o partido de si mesmo, o que não se afigura consentâneo com o sistema.

Interpretar em sentido contrário significaria alijar a candidatura de diversos nomes com fulcro na presunção de que os partidos, ao não modificarem seus estatutos, desejavam candidatos com prazo de filiação superior a seis meses.

Dita presunção está divorciada da realidade, máxime pela evidente intenção do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB de adequar seu estatuto ao prazo legal, como prova a Resolução PTB/CEN 78/2016, referendada pelo diretório nacional em 14.4.2016.

Não bastasse, os efeitos de eventual procedência da impugnação não teriam nenhuma relevância positiva no contexto eleitoral, porquanto excluiriam candidatos por motivo estritamente formal e de interesse interna corporis.

Acrescento, ainda, que o impedimento de alteração de prazos de filiação em ano eleitoral é também uma garantia aos filiados da sigla, no sentido de obstaculizar o estabelecimento de regras mais duras às vésperas do processo eleitoral. No caso posto, a lógica é inversa, pois a própria lei diminuiu o período de filiação e o partido manifestou de forma inequívoca seu animus de adotar o prazo legal.

Como a matéria suscitou divergência de entendimentos, procedi à pesquisa jurisprudencial e verifiquei que já há diversas sentenças prolatadas que sufragam o entendimento aqui esposado.

Peço vênia para citar os precedentes: RCAND 51-16.2016.6.19.0033 – Santa Maria Madalena/RJ; 9812/2016 – Aparecida do Taboado/MS; 20445 – Juiz de Fora/MG; 14322 - Rolim de Moura/RO. No Rio Grande do Sul, o RCAND 44-49.2016.6.21.0039, originário do Município de Rosário do Sul.

Dessarte, tendo em conta a inequívoca intenção do legislador de tornar mais acessível a candidatura, reduzindo o prazo mínimo legal para a filiação partidária, e o manifesto intento do PTB, por meio da Resolução PTB/CNE n. 78/2016, no sentido de permitir a candidatura ao filiado há pelo menos seis meses antes da eleição, tenho por atendido o prazo mínimo de vínculo partidário pelo candidato Vanderlei Kucner, pois sua filiação ocorreu em 20.11.2015, dentro do período estabelecido pela novel redação do art. 9º da Lei n. 9.504/97.

RE 43-69.2016.6.21.0102 - RICARDO MOUSQUER (candidato a prefeito).

Corolário do deferimento da candidatura de Vanderlei Kucner (candidato a vice-prefeito), e inexistindo outras causas obstativas ao deferimento da candidatura de Ricardo Mousquer, é de ser provido o seu apelo para igualmente deferir seu registro e, consequentemente, o da chapa majoritária.

Ante o exposto, dou provimento aos recursos de VANDERLEI KUCNER, candidato a vice-prefeito, ao efeito de deferir o registro de sua candidatura e, por via de consequência, DEFERIR a chapa formada com RICARDO MOUSQUER, candidato a prefeito, cujo registro de candidatura igualmente se DEFERE, nos termos do art. 49 da Resolução TSE n. 23.455/15.

É o voto.