RE - 12119 - Sessão: 09/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo Eleitoral da 52ª Zona, São Luiz Gonzaga, que julgou improcedentes impugnações oferecidas pelo recorrente e, também, por um cidadão, e deferiu o registro de candidatura de VICENTE DIEL para que concorra ao cargo de vice-prefeito, afastando a incidência de causas de inelegibilidade previstas no art. 1º, I, alíneas “e” e “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

Nas razões recursais, sustenta:

(1) em relação à inelegibilidade prevista na alínea “e”, deve subsistir a condenação da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do RS, muito embora haja decisão monocrática do Supremo Tribunal Federal pela concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário de revisão criminal, via ação cautelar ajuizada pelo recorrido;

(2) em relação à inelegibilidade prevista na alínea “g”, aduz que a rejeição das contas caracteriza-se pela irregularidade insanável, apresentando “nota de improbidade”, e sustenta que os atos praticados são graves. Ainda posiciona-se no sentido de que o parecer prévio do Tribunal de Contas “representa muito mais que um mero instrumento técnico opinativo que se presta unicamente a subsidiar o julgamento político por parte do Poder Legislativo”.

Requer o prequestionamento “da efetiva aplicação” do art. 1º, I, alíneas “e” e “g” da Lei Complementar n. 64/90, bem como o conhecimento e provimento do recurso, para indeferir o registro de candidatura do recorrido, mediante o juízo de procedência da impugnação.

Com as contrarrazões, os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que lançou parecer pelo provimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 3 (três) dias, previsto no art. 52, §1º, da Resolução 23.455/15.

Conheço da irresignação, pois preenchidos os demais requisitos de admissibilidade. A preliminar arguida, pelo recorrido, nas contrarrazões, no sentido de que o recurso do MPE não teria rebatido os argumentos da sentença, não merece acolhida. A peça recursal esmiúça as razões de ajuizamento e vai além, ao estabelecer nítida relação dialética com a decisão de 1º grau, de modo que atende aos requisitos contidos no art. 1.010 do CPC/2015.

Afasto, portanto, a preliminar.

Ao mérito.

Das condições de elegibilidade.

Inicialmente, e de ofício, trato das condições de elegibilidade do recorrido VICENTE DIEL. Isso porque, embora a magistrada de origem tenha deferido o pedido de registro de candidatura, não há menção expressa às circunstâncias, as quais diferem substancialmente. Como cediço, a presença das condições de elegibilidade não equivale à ausência de inelegibilidades. Ambas as situações devem ser aferidas para a identificação da capacidade eleitoral passiva do cidadão.

E a convicção que firmo é no sentido de cumprimento, pelo recorrido, das condições de elegibilidade. Em acesso ao sistema interno da Justiça Eleitoral, é possível visualizar a informação do Cartório da 52ª Zona Eleitoral, sediado em São Luiz Gonzaga, dando conta de que o pedido de registro de VICENTE DIEL foi acompanhado de:

1) escolha em convenção, conforme ata do partido;

2) declaração atual de bens, assinada pelo candidato;

3) fotografia do candidato, conforme art. 27, III, da Resolução TSE n. 23.455/2015;

4) comprovante de escolaridade;

5) adequação de idade mínima para ocupação do cargo;

6) nacionalidade brasileira;

7) cópia do documento oficial de identificação;

8) verificação e validação do nome, número, cargo, partido, sexo, e qualidade técnica da fotografia a constar na urna eletrônica;

9) autorização mediante assinatura no requerimento de registro de candidatura;

10) domicílio eleitoral na circunscrição há, pelo menos, um ano a contar da data da eleição;

11) quitação eleitoral;

12) filiação partidária até 02.04.2016;

13) situação regular no cadastro eleitoral;

14) apresentação das certidões judiciais requeridas.

Diante de tal quadro, indico expressamente e de ofício que VICENTE DIEL cumpre as condições de elegibilidade.

Das inelegibilidades.

O Ministério Público Eleitoral recorre de sentença do Juízo da 52ª ZE que, fundamentalmente, entendeu não incidentes duas causas de inelegibilidade relativamente ao pedido de candidatura de VICENTE DIEL, em ação de impugnação de registro de candidatura – AIRC, a saber:

1) art. 1º, I, “e”, da LC n. 64/90 – condenação criminal proferida por órgão judicial colegiado – no caso concreto, decisão da 4ª Câmara do TJ-RS que condenou VICENTE DIEL pela prática do delito previsto no art. 95 da Lei n. 8.666/93;

2) art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/90 – rejeição das contas relativas ao exercício de cargo público, por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível da autoridade competente – no caso concreto, rejeição das contas do ano de 2009, prestadas na qualidade de prefeito, pela Câmara de Vereadores de São Luiz Gonzaga, via Decreto Legislativo n. 227, de 06.05.2016, após parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.

Ao exame.

1) da condenação criminal – alínea “e”, I, do art. 1º da LC n. 64/90

Inicialmente, transcrevo os termos legais:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:  (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

O Parquet eleitoral entende o recorrido inelegível, em decorrência de condenação criminal transitada em julgado, em processo no qual se reconheceu a prática de crime contra a administração pública.

Contudo, impõe-se, desde já, reconhecer o acerto da sentença.

Isso porque, ainda que VICENTE DIEL tenha sido condenado criminalmente por órgão colegiado do Poder Judiciário (fato incontroverso), há decisão do Supremo Tribunal Federal na qual foi concedido efeito suspensivo relativamente aos efeitos da referida condenação. O documento, constante à fl. 71, refere expressamente a Justiça Eleitoral. Trata-se de decisão monocrática do Ministro Luiz Fux, nos autos da Ação Cautelar n. 3.754/RS, proferida em 23.02.2015:

DECISÃO: Conforme decisão liminar retro, restou suspenso o título condenatório contra o paciente, razão pela qual a suspensão alcança, também, os efeitos acessórios da condenação.

Assim, reitero a decisão anterior e determino expedição de ofício ao órgão da Justiça Eleitoral para comunicar a suspensão da condenação contra o autor até o julgamento final desta ação cautelar. (Grifei.)

Ou seja, até o julgamento final da referida ação cautelar (ajuizada, saliento, sob a vigência do CPC/1973), não podem subsistir os efeitos da condenação criminal sofrida pelo recorrido nos autos no processo n. 70017422346 do TJ/RS, ao contrário do sustentado pelo recorrente. Repito que há expressa determinação no sentido da suspensão, direcionada, inclusive, à Justiça Eleitoral.

Ainda, sob outro prisma, não incide, na espécie, o art. 26-C da LC n. 64/90, como deseja a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer.

Veja-se o teor do comando:

Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

§ 1o Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

§ 2o Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

§ 3o A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Como se nota, o art. 26-C da LC n. 64/90 normatiza a possibilidade de que o Tribunal ad quem, em grau de recurso, conceda o efeito suspensivo, desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão.

O dispositivo, assim, regula as condições de concessão de suspensão dos efeitos da condenação no bojo de recurso, não sendo possível entender que tais requisitos também seriam exigíveis ao trâmite de ação autônoma.

Indico que VICENTE DIEL obteve a suspensão dos efeitos da condenação em ação cautelar ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, de maneira que seria descabida a imposição dos requisitos do art. 26-C da LC n. 64/90 quando a própria norma determina que eles serão exigíveis apenas por ocasião da apreciação de recurso. A aplicação do 26-C da LC n. 64/90, portanto, deve realmente se dar em seus estritos termos, não podendo incidir sobre o poder geral de cautela inerente a todo e qualquer magistrado, sobretudo se ocorrente em ação autônoma, como o caso que ora se trata.

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral:

PODER DE CAUTELA GERAL - ARTIGO 26-C DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990 - ALCANCE. O que previsto no artigo 26-C da Lei Complementar nº 64/1990 não exclui a eficácia de pronunciamento judicial, presente o poder de cautela amplo ínsito ao Judiciário.

O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 32121 - Brasília/DF. Acórdão de 23.04.2013. Relator Min. MARCO AURÉLIO MELLO, Publicação: DJE, Data 01.08.2013, Página 166.) (Grifei.)

 

Inelegibilidade. Condenação à suspensão de direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa. Suspensão.

1. Se estiverem anulados ou suspensos os efeitos da decisão que rejeitou as contas do candidato, não incide a inelegibilidade prevista na alínea l do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90.

2. O disposto no art. 26-C da LC nº 64/90, inserido pela LC nº 135/2010, não afasta o poder geral de cautela conferido ao juiz pelo art. 798 do CPC nem transfere ao Plenário a competência para examinar, inicialmente, pedido de concessão de medida liminar, ainda que a questão envolva inelegibilidade. Precedente.

3. Reconhecida a suspensão dos efeitos da decisão condenatória, o pedido de registro deve ser deferido sob condição, já que a sua manutenção fica vinculada ao julgamento do respectivo recurso ordinário ou mesmo da revogação da medida cautelar, nos termos dos art. 26-C, § 2º, da LC nº 64/90.

Agravo regimental não provido.

O Tribunal, por unanimidade, desproveu o agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 68767/SP. Acórdão de 30.10.2012. Relator Min. ARNALDO VERSIANI. Publicado em Sessão, Data 30.10.2012.)

Dessarte, não incidente a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “e”, da Lei n. 64/90, em virtude do mencionado efeito suspensivo concedido nos autos da Ação Cautelar n. 3.754/RS.

2) da rejeição das contas pela Câmara de Vereadores

A dicção legal é a seguinte:

Art. 1º. São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

g - os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

 

O Ministério Público Eleitoral também recorre pelo fato (incontroverso) de que VICENTE DIEL teve suas contas desaprovadas pela Câmara de Vereadores de São Luiz Gonzaga, via Decreto Legislativo n. 227, de 06.05.2016, após a emissão de parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, constante às fls. 94-96.

A d. magistrada a quo "entendeu por bem afastar a incidência da inelegibilidade devido a uma incongruência do sistema normativo”, que não garantiria ao recorrido as devidas oportunidades de defesa, por ocasião da apreciação das contas de gestão perante o Tribunal de Contas do Estado do RS.

Ocorre que, no ponto, assiste razão ao recorrente, mormente ao aduzir que tanto no ambiente das Cortes de Contas, quanto nas Casas Legislativas, os procedimentos de análise dos atos de gestão, como os que ora se está a tratar, são permeados pelos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Daí, muito embora não se trate de processos judiciais, deve-se partir da premissa que foram oportunizados a VICENTE DIEL os meios de defesa constitucional e legalmente previstos ao agente político, não sendo possível supor tenha havido ferimento ao exercício do direito de defesa, sem que sejam demonstradas cabalmente, circunstâncias objetivas para tanto. Note-se, nessa linha, que a própria dicção legal indica a exceção para que a decisão técnica (do Tribunal de Contas) ou política (da Câmara de Vereadores) não seja levada em consideração, pois indica que “salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”, os agentes públicos enquadrados na alínea “g” serão considerados inelegíveis.

Nessa toada, para a análise da incidência do art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/90, mister que a análise das circunstâncias do julgamento das contas seja aprofundada. Senão, vejamos.

De início, e ao que importa de momento, o teor do decreto legislativo que desaprovou as contas de VICENTE DIEL, relativas ao cargo de prefeito no ano de 2009, é o seguinte (fl. 19): "Art. 1º. Ficam rejeitadas as contas do prefeito municipal Vicente Diel relativas ao exercício financeiro de 2009".

E, nas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral pretende fazer incidir o art. 1º, I, “g” da LC n. 64/90, o qual determina recair inelegibilidade sobre aqueles que tiverem suas contas, referentes ao exercício de cargos ou funções públicas, rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

Essas as circunstâncias de exame, para além da obediência aos postulados da ampla defesa e do contraditório, como já asseverado.

Dai, conforme precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, “g” da LC n. 64/90, mas somente aquelas que preencherem, cumulativamente, os requisitos constantes na norma, quais sejam: i) decisão do órgão competente; ii) decisão irrecorrível no âmbito administrativo; iii) desaprovação devido à irregularidade insanável; iv) irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa; v) prazo de oito anos contados da decisão não exaurido; vi) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário (REspe n. 531807/MG, julgado em 19.03.2015, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJE de 03.06.2015, páginas 18-19).

E, dos elementos dos autos, pode-se perceber que a decisão advém do órgão competente, pois houve a edição de Decreto Legislativo, n. 227, em 06.05.2016 (fl. 19), após a emissão de parecer prévio de parte do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 94-96), manifestação essa que não tem contra si recurso pendente.

Igualmente, não há notícia de que a edição do Decreto Legislativo tenha sofrido suspensão ou anulação de parte do Poder Judiciário, bem como é nítido o não exaurimento do prazo de 8 (oito) anos da data da decisão. Vide que o próprio exercício de gestão desaprovado é do ano de 2009, em que VICENTE ocupava o cargo de prefeito. A partir daí, a decisão do TCE/RS tem data de 14.08.2013 e foi publicada em 12.09.2013, e o decreto legislativo, como já ressaltado, foi publicado em 06.05.2016.

Resumidamente, portanto, pairam controvérsias apenas sob dois aspectos. Dito de outro modo, importa perquirir se a rejeição das contas do ano de 2009, da gestão de VICENTE DIEL como prefeito, ocorreu "devido à irregularidade insanável e, também, por irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa".

As principais irregularidades apontadas pelo TCE/RS foram as seguintes, inclusive conforme asseverado pelo Ministério Público Eleitoral:

a) ausência de normativo que oriente a administração, registro, controle e movimentação de bens patrimoniais;

b) não especificação das atribuições dos cargos em comissão e funções gratificadas;

c) pagamento de horas extraordinárias, em desvirtuamento do instituto criado para atender situações excepcionais e temporárias;

d) termo de parceria com OSCIP;

e) ausência de lei local acerca da qualificação da OSCIP; e

f) ausência de licitação para firmar termo de parceria.

Cumpre fixar, inicialmente, que a sanabilidade das irregularidades dos itens “a”, “b”, “d” e “e” é clara, decorrente da natureza dos próprios apontamentos. Explico.

Ao indicar “ausência de normativo”, “não especificação”, “ausência de lei local” e “termo de parceria com OSCIP”, o TCE/RS indicou ao então prefeito VICENTE DIEL a necessidade de providências a serem tomadas.

E, uma vez praticados tais atos, automaticamente os apontamentos não mais subsistiriam, inexistindo prejuízo ao erário ou vantagem indevida a serem reparados. O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul indicou um caminho a ser trilhado a partir de então, mais adequado e alinhado à legalidade. Assim que obedecido, as irregularidades estariam nítida e automaticamente sanadas.

Não podem, portanto, ser considerados “insanáveis”, para fins do disposto no art. 1º, I, “g”, da LC n. 64/90: a) ausência de normativo que oriente a administração, registro, controle e movimentação de bens patrimoniais; b) não especificação das atribuições dos cargos em comissão e funções gratificadas; d) termo de parceria com OSCIP, e e) ausência de lei local acerca da qualificação da OSCIP.

Resta a análise dos itens “c” (pagamento de horas extraordinárias, em desvirtuamento do instituto criado para atender situações excepcionais e temporárias) e “f” (ausência de licitação para firmar termo de parceria), ainda que, para esta relatora, a questão da sanabilidade de tais práticas possa ocorrer, em tese, mediante o ressarcimento ao erário de valores eventualmente mal versados.

Sigo.

Transcrevo ponto do relatório do parecer prévio do Tribunal de Contas do RS, fl. 95, o qual trata do item “c”, pagamento de horas extras em desvirtuamento do instituto: "2.5. Diversos servidores percebem habitualmente o pagamento de horas extraordinárias, em desvirtuamento do intuito criado para atender situações excepcionais e temporárias".

Não há no parecer técnico, contudo, maior detalhamento acerca das circunstâncias da habitualidade da prática irregular, ou da dimensão do desvirtuamento do instituto da prestação de serviço extraordinário. Aqui, impõe-se estabelecer uma cisão conceitual importante, e também válida para o item “f”, ausência de licitação para firmar termo de parceria: nem toda ilegalidade configura improbidade. Trago, nessa linha, a lição de Fábio Medina Osório: “somente os atos que, além de ilegais, se mostrarem frutos de desonestidade ou inequívoca e intolerável incompetência do agente público, devem ser considerados configuradores de improbidade administrativa". (Teoria da Improbidade Administrativa, RT. São Paulo, 2013, 3ªed).

Nessa linha: de fato, e o parecer técnico é bastante objetivo, houve pagamento de horas extras de forma não condizente com os preceitos legais. Contudo, para que tal prática possa ser considerada ato doloso de improbidade administrativa, seriam necessários esclarecimentos bem mais aquilatados, inexistentes nos autos.

Entendo, portanto, que embora ilegal, a prática elencada no item “c” não configura ato doloso de improbidade administrativa, para os fins da LC n. 64/90.

Circunstâncias semelhantes envolvem o tópico “f”, como já asseverado. A ausência de licitação poderia, em tese, configurar ato doloso de improbidade administrativa. Nessa linha, a jurisprudência indicada pela Procuradoria Regional Eleitoral.

Mas, ao caso dos autos: o TCE/RS apontou ausência de licitação para firmar termo de parceria com a OSCIP “Associação Damas de Caridade”, para que referida entidade operacionalizasse programas relativos à área da saúde, sendo que foi identificada ofensa formal à Constituição Federal, pelo modo indevido de provimento dos agentes de saúde, e a possibilidade de dano ao erário foi vislumbrada em “eventuais demandas trabalhistas” (grifei).

Dessarte, penso que em tais circunstâncias o ato ilegal não pode ser considerado doloso de improbidade administrativa, pois ainda que considerado o dolo genérico, como sedimentado pela jurisprudência do TSE, carece de elementos nos autos para que se possa afirmar a conduta como dolosamente ímproba, tanto que o TCE/RS entendeu por advertir o gestor “para que sejam adotadas providências, sem embargo da repercussão negativa do apontamento no exame das referidas contas, porque até o momento não foram tomadas as medidas cabíveis pela Administração Municipal, em especial a regulamentação da contratação dos agentes e profissionais de saúde (...)”.

Além das irregularidades apontadas pelo Ministério Público Eleitoral no 1º grau, a Procuradoria Regional Eleitoral indica a “utilização de ônibus adquirido com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB pela Secretaria de Saúde, em violação à Lei Federal n. 11.494/2007”, e apresenta jurisprudência (AgRg em RO n. 51817), julgado no qual o TSE indica que a “rejeição de contas, por irregularidade na aplicação dos recursos do FUNDEF, atual FUNDEB, é apta a atrair a inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar n. 64/90”, tese da qual não se discorda.

O que importa salientar sobremaneira é: se tal circunstância é apta, ela pode ser, também, inapta a atrair a inelegibilidade. O sopesamento de tal aptidão é realizado diante do caso concreto, da prova dos autos, tanto que no julgado acima referido a Corte Superior traz, também na ementa, a ressalva de que “sobretudo porque, na espécie, houve, além da aplicação de multa, a determinação de ressarcimento ao erário”, situação não esclarecida no parecer prévio constante nesses autos, referentemente a essa específica irregularidade.

Tal linha é seguida pelo TSE e, também, pelo STJ:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE EM PROCEDIMENTO DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃOCONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Recurso Especial manifestado contra acórdão que, por não vislumbrar a presença de dolo ou culpa na conduta dos réus, manteve sentença que julgou improcedente o pedido, em Ação Civil Pública, na qual o Ministério Público Federal postula a condenação dos agravados pela prática de ato de improbidade administrativa, consubstanciado na ilegalidade de procedimento de inexigibilidade de licitação para a contratação de serviço de avaliação de imóveis de propriedade do ora agravante. II. No caso, o agravante alega, em síntese, que "desde a origem, vem sustentando a desnecessidade de se perquirir acerca do elemento volitivo para a caracterização do ato improbidade, a atrair a aplicação da Lei 8.249/92, vez que, no seu entendimento, a lei respectiva, ao caracterizar como ato de improbidade a dispensa indevida da licitação, gera uma presunção absoluta de ilicitude da conduta" (fl. 3.167e). III. Em se tratando de improbidade administrativa, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "a improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10"

(STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, DJe de 28/09/2011.)

Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe de 10.10.2014; STJ, REsp 1.273.583/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02.9.2014, dentre outros.

A título de desfecho, tenho por fundamental ressaltar que casos como o ora posto impõem à Justiça Eleitoral a análise de contextos probatórios não construídos nos lindes desta especializada, o que traz a tarefa adicional de compreensão contextual da seara técnica (Tribunais de Contas) e políticas (Câmaras de Vereadores), sob pena de aquilatar demasiadamente as ilegalidades e, forma desavisada, configurá-las como ato doloso de improbidade administrativa para as exclusivas finalidades da Lei das Inelegibilidades.

A solução mais consentânea, nessa linha, passa pela observância dos diversos aspectos que tangenciam a administração dos recursos públicos, impondo sanções na medida das ilegalidades praticadas.

No caso, não vislumbro a presença de ato doloso de improbidade administrativa nas práticas ilegais, apontadas pelo TCE/RS, e cometidas por VICENTE DIEL enquanto prefeito de São Luiz Gonzaga, em 2009. Os atos desobedeceram às leis, é bem verdade, mas não foi possível identificar a presença do elemento volitivo de improbidade, sequer sob sua forma genérica.

Finalmente, dou por prequestionado o art. 1º, I, alíneas “e” e “g”, da Lei Complementar n. 64/90.

Pelo exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a decisão que DEFERIU o registro de VICENTE DIEL ao cargo de vice-prefeito.