E.Dcl. - 30969 - Sessão: 06/09/2016 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração de PAULO FERNANDO COLLAR TELLES contra o acórdão das fls. 202-207v. que, por unanimidade, desaprovou as contas do candidato relativas às eleições de 2012.

Refere, em síntese, que a decisão padece de “omissões relevantes para o deslinde do feito” (fls. 214-218).

Requer sejam recebidos e acolhidos os embargos para, “atribuindo-lhes efeitos modificativos, sanar as omissões existentes no acórdão embargado” ou “sejam dados por prequestionados todos os princípios e preceitos constitucionais e dispositivos legais expressamente invocados, bem como todos os demais fundamentos jurídicos de defesa, tudo para viabilizar a interposição de eventual Recurso Especial Eleitoral”.

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos são tempestivos. Opostos em 24.8.2016, quarta-feira, obedientes ao prazo a que alude a legislação, pois o acórdão embargado foi publicado no DEJERS em 19.8.2016, sexta-feira, conforme certidão da fl. 208.

Omissão. Alegada ausência de análise de precedentes judiciais

Fundamentalmente, o embargante entende omisso o acórdão porque não teria feito alusão expressa a julgados indicados nas razões de defesa. Tais precedentes dariam guarida à tese esposada no recurso, no sentido de que seriam “nulas as intimações não realizadas em nome do advogado constituído pela parte, quer sejam estas pessoalmente ou por meio do Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, sendo irrelevante a intimação pessoal da parte”.

Entende que o art. 489, combinado com o art. 1.022, parágrafo único, II, ambos do CPC/2015, “desautorizam a ausência de manifestação no acórdão embargado sobre jurisprudência invocada, o que caracteriza violação ao art. 275 do Código Eleitoral, implicando cerceamento de defesa e negativa de prestação jurisdicional”.

Aduz que “não obstante a clareza da matéria de defesa, o acórdão silenciou a respeito da mesma, inclusive em relação a jurisprudência, cujo enfrentamento é obrigatório”, afirmando ainda que “a jurisprudência que fundamentou o acórdão não se contrapõe à jurisprudência invocada pelo embargante, relativamente à intimação sobre irregularidades apontadas em parecer técnico e do MPE, vez que diz da necessidade de intimação sobre novos apontamentos de irregularidades e impropriedades, sobre as quais não foi oportunizada manifestação, o que corrobora com a matéria de defesa”.

Requer efeitos infringentes, mediante o acolhimento dos embargos.

À análise.

O CPC/2015 trouxe nova disciplina aos embargos de declaração também para os feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, como cediço. E o novo esquadro normativo exige, para seu manejo, o domínio de técnicas até então não utilizadas na prática jurídica brasileira.

Dado o caráter novidadeiro, é natural que seja necessário um certo tempo de maturação, de acertamento das situações, para que o melhor resultado seja obtido. Tal fenômeno não ocorre tão somente no relativo aos institutos jurídicos, mas, sim, a todo e qualquer fato da vida.

No caso, mais especificamente, o embargante parece entender que o acórdão não teria realizado a devida distinção entre os precedentes por ele indicados e a situação dos autos, objeto de julgamento. Em suma, tudo indica que entende omissa a decisão por não ter sido utilizada a técnica do distinguishing, trazida do direito anglo-saxão, notoriamente um sistema jurídico baseado na construção jurisprudencial. O distinguishing, de fato, vem prestigiado no art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015:

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.

(Grifei.)

Pois bem. A referida distinção depende de demonstração – esse o termo utilizado pela legislação. Tal demonstração não há de ser, necessariamente, expressa; ela pode ser de origem lógica, ou seja, quando da mera leitura do acórdão é possível depreender-se que os arestos invocados pela parte não se prestam como paradigmas para a decisão em formação.

Esse o caso.

Transcrevo trecho do julgado:

[…]

Em seu recurso, o candidato argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que não teria ocorrido a intimação do procurador constituído para manifestar-se acerca de documentos e atos processuais que lhe foram desfavoráveis e que teriam sido utilizados na fundamentação da sentença. Cita, especificamente, a Promoção feita pelo Ministério Público de primeiro grau (fls. 143-144), o despacho judicial que deferiu a remessa de ofício à Receita Federal para obter dados sobre as doações feitas ao candidato PAULO FERNANDO COLLAR TELLES (fl. 146) e as informações que foram dadas pela Receita Federal (fl. 151).

Conforme refere a Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer (fl. 196): “É reconhecido jurisprudencialmente que a falta de abertura de prazo para o candidato manifestar-se sobre documento novo que conduziu à rejeição de suas contas caracteriza cerceamento de defesa e, por conseguinte, acarreta nulidade da sentença”.

De fato, não há controvérsia sobre isso. A falta de acesso à documentação nova pela parte acarreta a nulidade do que tenha sido decidido.

No entanto, não foi o que ocorreu nos presentes autos. Isso porque, após a juntada da Promoção feita pelo Ministério Público de primeiro grau (fls. 143-144), do despacho judicial que deferiu a remessa de ofício à Receita Federal (fl. 146) e das informações que foram dadas pela Receita Federal (fl. 151) o candidato foi intimado (fl. 153), tanto que levou o processo em carga e manifestou-se às fls. 154 e 155.

E, neste ponto, adoto trecho do bem lançado parecer ministerial: “Como se não bastasse, o candidato – que é advogado –, após intimado, apresentou manifestação (fls. 154/155), na qual refuta a tese ministerial, sustentando inexistência de legislação no sentido de exigir que os apoiadores e simpatizantes da campanha eleitoral declarem valores doados junto à Receita Federal. Faz-se necessário atentar para o fato de que, embora o candidato - que é advogado -, nessa oportunidade, tenha atuado em causa própria, assinando a petição, tal circunstância não acarreta nulidade. Se fosse do interesse do candidato, bastaria ele ter recorrido a seu advogado, para que esse formulasse manifestação acerca dos documentos e peças supracitadas. A ciência acerca dos atos e informações existiu, o que impede a configuração do cerceamento de defesa”.

O candidato insurge-se porque, após sua manifestação (fls. 154-155), sobreveio o relatório de exame de prestação de contas (fls. 171-172), o qual embasou a sentença judicial. No entanto, impende ressaltar que o relatório técnico não se baseou em nenhuma informação ou fato novo, ao contrário, toda a documentação utilizada como substrato para a conclusão técnica foi submetida à apreciação da parte, nos exatos termos do que dispõe o art. 48 da Resolução TSE n. 23.376/12:

Art. 48. Emitido relatório técnico que conclua pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade de manifestação ao candidato, ao partido político ou ao comitê financeiro, o Juízo Eleitoral abrirá nova vista dos autos para manifestação em 72 horas, a contar da intimação.

Dessa forma, não há falar em inobservância do devido processo legal ou da ampla defesa, uma vez que o candidato Paulo Fernando Collar Telles teve acesso a todos os documentos e informações juntados ao seu processo de prestação de contas.

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência. Colaciono decisões do TRE do Espírito Santo e do Tribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. RESOLUÇÃO TSE N. 23.376/2012. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO APÓS O RELATÓRIO CONCLUSIVO. POSSIBILIDADE. JUNTADA DE DOCUMENTOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS NA FORMA DEFINITIVA. DOCUMENTO ESSENCIAL. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. PRECEDENTE. IMPOSSIBILIDADE DE RECEBER-SE A CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL.

1. Somente é necessário intimar o candidato do relatório conclusivo se nele forem apontadas irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais manifestação anterior não lhe tenha sido oportunizada.

2. Já intimada a parte para sanar a irregularidade, opera-se a preclusão, o que impossibilita a juntada de documentos em sede de Embargos Declaratórios.

3. Após a Resolução TSE n. 23.376/2012, a ausência de documentos essenciais (art. 40) enseja o julgamento de contas não prestadas (art. 51, inc. IV, al. “c”.

4. Extratos bancários sem valor legal são imprestáveis à prestação de contas (art. 40, §8º).

5. O impedimento de obter a certidão de quitação até o final da legislatura é consequência automática do julgamento de contas não prestadas (art. 53, inc. I).

6. Recurso a que se nega provimento.

(TRE/ES. Recurso n. 591-48.2012.6.08.0021, Relatora Juíza Rachel Durão Correia Lima, 15.4.2013.) (Grifei.)

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2012.

1. Não configura cerceamento de defesa a ausência de intimação para se manifestar sobre o parecer conclusivo quando nele não se aponta outras falhas senão aquelas às quais o candidato já havia sido intimado e os documentos e argumentos por ele apresentados foram considerados como insuficientes para afastar as irregularidades anteriormente detectadas.

2. A ausência de recibos eleitorais e de notas fiscais constitui, em regra, irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas do candidato. Precedentes: AgR-REspe n. 2450-46, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 25.11.2013; AgR-REspe n. 6469-52, rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 9.10.2012.

3. É inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade se não há, no acórdão regional, elementos que permitam mensurar se os valores relativos às falhas identificadas são ínfimos em comparação com o montante dos recursos arrecadados na campanha.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 138076, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE, tomo 145, de 07.8.2014, pág. 166.) (Grifei.)

Assim, não há falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que o candidato Paulo Fernando Collar Telles teve acesso a toda a documentação juntada ao processo, sendo oportunizada, igualmente, sua manifestação, obedecido o devido processo legal.

Com essas considerações, afasto a preliminar por nulidade da sentença.

[...]

Ou seja, o acórdão nitidamente fundamentou a rejeição da preliminar na ausência de novo documento nos autos e na circunstância de que o prestador de contas, advogado, laborou em causa própria ao se manifestar. Decorre, daí, por demonstração lógica, o afastamento das decisões apontadas pelo então recorrente.

E não poderia ser diferente, pois os julgados evocados não se prestam, de fato, ao caso posto. Aliás, como bem asseverado pelo embargante, esses nem sequer conflitam com os precedentes integrantes da decisão guerreada, eis que julgaram casos cuja base fática difere, e muito, da situação posta sob análise nos presentes autos. Nessa linha, note-se que os julgamentos indicados pelo recorrente tratavam de nulidade da intimação da sentença (RE n. 4479 TRE-PA; RE n. 149282 TRE-PA), ou de não intimação relativamente à falha apontada no relatório final sem que houvesse sido apontada no relatório preliminar (PET n. 4243 TRE-RO; PC n. 40553 TR-RN; RE n. 7457 TRE-MT; RE n. 40214, TRE-AL; RE n. 89196, TRE-AL; RE n. 52858, TRE-MG, REL n. 137091, TRE-RN; RE n. 6152, TRE-GO; RE 5664, TRE-GO) ou, ainda, de hipóteses em que a intimação deve ocorrer por meio do diário de justiça eletrônico do estado e em nome do advogado constituído pela parte (RPREST n. 55686, TRE-SC).

E, repito, aqui os fatos que se diferenciaram são (1) a manifestação do próprio embargante, constante às fls. 154-155, em que assina e se intitula “requerente e advogado”; e (2) a inexistência de fato novo a ensejar nova manifestação da parte.

Inexistente omissão, nota-se a irresignação do embargante com o deslinde do processo, olvidando-se do fundo da causa, na qual a sua prestação de contas foi apresentada com uma série de irregularidades.

Finalmente, ressalvo apenas que os embargos de declaração, como instrumentos da dialética processual, são absolutamente louváveis: se o julgador emite decisão omissa, contraditória, obscura, as partes têm nos declaratórios a oportunidade de se fazerem ouvir, e o magistrado, por seu turno, a chance de aparar arestas, corrigir, aperfeiçoar as suas razões de decisão.

Salutar diálogo.

Contudo, não procede a exigência posta aqui pelo embargante - sob pena de inviabilizar a prestação jurisdicional -, no sentido de que cada um dos precedentes aleatoriamente indicados nas razões de recurso, sem um mínimo de esmiuçamento de identidade com o caso em análise, deveria ser objeto de distinguishing. Imagine-se um prestador de contas que apresente, em suas razões de recurso, dezenas, centenas de ementas que não guardam relação direta com a respectiva situação, e pugne exigir desta Corte a diferenciação individualizada de cada um deles.

Tal exegese do art. 489 do CPC/2015 não é razoável.

Finalmente, quanto ao pedido de prequestionamento, registro que o art. 1.025 do Código de Processo Civil considera “incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos.