RC - 495 - Sessão: 30/08/2016 às 17:00

Pedindo vênia à culta e proba Juíza, Dra. Gisele, com o mais profundo respeito, ouso divergir das conclusões por ela trazidas quando de seu julgamento.

Entendo que a preliminar de cerceamento de defesa suscitada em razão do indeferimento do pedido de perícia no arquivo de áudio deve ser acolhida.

A verdade é que a base do processo se assenta na degravação do som da reunião, capturado clandestinamente por MARIA BEATRIS BOENO LINO GALLAS, confessadamente de partido opositor ao do prefeito em exercício, que para tanto se valeu de equipamento de propriedade do partido concorrente, emprestado por ZENO ALOÍSIO KRINDGES, que confirmou tais fatos em depoimento ao juízo. Ademais, foi ela, se não a responsável direta, uma das principais pessoas a insistir para que tivesse vindo o prefeito a participar da reunião em que realizou a gravação.

Ocorre que, em depoimento judicial, ADAIR JOSÉ TROTT declarou: “eu posso afirmar pro senhor com certeza que essa gravação, ela não tá completa”. No mesmo sentido, RENZO THOMAS, na instrução judicial, afirmou que: “Essa gravação foi totalmente editada.”.

Também em sede de defesa, os réus pugnaram para que a gravação fosse periciada a fim de que se atestasse sobre a sua autenticidade e integridade, especialmente quanto à possibilidade de edições e cortes. O que foi renovado em sede de alegações finais e novamente aduzido na preliminar recursal ora em análise.

Por outro lado, o magistrado a quo indeferiu a produção da prova pericial requerida. Entendeu por sua completa imprestabilidade, não vislumbrando qualquer resultado útil na realização de tal prova.

Não vejo acerto nessa decisão. Examinando o acervo probatório, vislumbro elementos concretos a embasar dúvida fundada sobre a fidedignidade e autenticidade do conteúdo da mídia, tornando indispensável a realização de perícia.

A sentença conferiu validade à gravação ambiental ao argumento de que as testemunhas, de modo uníssono, confirmaram que a reunião durou o tempo alusivo ao áudio, o que “anula enfaticamente a possibilidade de alteração digital do arquivo”.

Examinados os depoimentos judicias em seu conjunto, porém, evidenciam-se desencontros quanto ao tempo de duração da reunião. Veja-se que Maria Beatris Boeno Lino Gallas disse que o tempo de duração da reunião foi de uma hora, com mais meia hora com a presença dos acusados. Já Cláudia Eleanai Machado afirmou que durou cerca de 40 minutos. Por sua vez, Cirlei Follmann não lembrou o tempo de duração do encontro.

O tempo de gravação, entretanto, é de apenas 31 minutos e 27 segundos, não se podendo depreender a integridade do material a partir de tais circunstâncias.

Cabe analisar o contexto em que se realizou a reunião de 20 de agosto de 2012, em que havia uma indisposição da maioria dos participantes em face da administração capitaneada pelo Prefeito Adair, porquanto contratados via convênio firmado entre o município e a Associação Hospitalar de Caridade de Serro Azul, o que gerou insegurança e apreensão nos servidores, que a esse respeito sabatinaram Adair, desde a sua chegada no local, sem que sobre isso tivesse havido gravação.

Aduzo, ainda, que tive muita dificuldade em conseguir confirmar, com segurança, várias das transcrições extraídas da escuta do CD. Faltam trechos dos diálogos, outros são incompreensíveis. E fiquei com fundadas suspeitas de que efetivamente pode ter sido editada, ou ter sofrido cortes, de modo a comprometer a veracidade dos trechos transcritos e tomados como razões de decidir.

Basta examinar-se quando a gravação repete "estou falando que comprou casa, comprou casa ...". Essa repetição não se deu naturalmente, e a sensação – com todo o respeito, utilizo o exemplo somente para fins didáticos – é como se estivesse um ‘gago’ falando, destoando totalmente do restante contexto da fala, que é calma, pausada, elucidativa e coerente.

Só este fato, por si só, denota a necessidade da realização da perícia, porque seguramente aí há um corte na gravação, que é entremeada, ao fundo, com outros sons que dificultam a integral percepção dos conteúdos dos diálogos tidos como verdadeiros.

Dessa forma, nos autos, há elementos concretos e idôneos a sustentar a conclusão de que a perícia é crucial ao deslinde da causa, sendo ela o principal pilar das razões de decidir pela condenação, donde a ausência de perícia técnica, única prova apta e legal para dar plena validade ao efetivo conteúdo da gravação, mostra-se imprescindível e é capaz de causar relevante prejuízo à defesa. Ademais, o deferimento da perícia está amparado no atendimento ao devido processo legal plasmado pelo contraditório, a ampla defesa e em preceito constitucional – art. 5º, inc. LV, e arts. 9º e 10º do NCPC.

Sob outro enfoque, deve-se considerar que, de modo geral, o crime previsto no art. 301 do Código Eleitoral não deixa elemento material quando praticado verbalmente, reservando-se, nesses casos, grande relevância à prova testemunhal na reconstituição dos fatos. Contudo, na hipótese, a infração penal deixou um vestígio sensível evidente: o som capturado na gravação de áudio em torno da qual gravitam os demais elementos probatórios dos autos.

A lei processual penal deixa clara a obrigatoriedade de realização do corpo de delito – nada mais do que os vestígios palpáveis deixados pela infração penal -, efetuado por perícia técnica, sendo suprível por outras fontes probatórias tão somente quando impossível esse exame direto, de acordo com os arts. 158, 167 e 564, inc. III, al. “b”, todos do Código de Processo Penal.

De fato, diante da violência e drasticidade das possíveis consequências penais, não é aceitável a utilização da prova testemunhal para aferir, de maneira alternativa, elementos passíveis de verificação com base científica pela perícia técnica.

Cabe mais uma vez enfatizar que não se está falando de gravação carreada aos autos por órgão público com atribuição de investigação criminal, mas sim de áudio produzido unilateralmente por particular, notória adversária política dos réus.

Também não se trata de perícia de voz, visando confirmar as identidades dos interlocutores que, inclusive, não se controvertem. Defere-se, aqui, perícia de áudio com a finalidade de atestar a genuinidade e intangibilidade do arquivo, o qual, diga-se, no atual estado da tecnologia, poderia ser facilmente manipulado por qualquer interessado com o uso de um editor de som adequado.

A ausência dessa análise técnica constitui nulidade sanável, que pode ser suprida pela oportuna determinação de realização do exame pericial. Assim, não é adequado, desde já, ao contrário do requerido pela defesa, eventual absolvição por insuficiência de prova da materialidade da infração penal.

Com essas observações, estou acolhendo a preliminar para deferir a realização da pretendida perícia na gravação de áudio, com vistas a apurar sua autenticidade, integridade e fidedignidade em face dos diálogos transcritos no processo, mormente porque colhida por adversária política dos denunciados, com equipamentos pertencentes ao partido opositor, que a manteve em seu poder por relevante espaço de tempo antes de ser encaminhada ao crivo do Ministério Público Eleitoral.

ANTE O EXPOSTO, voto no sentido de acolher a preliminar de cerceamento de defesa para desconstituir a sentença e determinar a realização da prova pericial, renovando-se os atos instrutórios a partir do término da inquirição das testemunhas de acusação e defesa.

 

(Após votar a relatora, afastando a matéria preliminar, determinando a cisão do feito em relação à Tânia e Renzo, e negando provimento ao  recurso de Adair, votou o Des. Marchionatti, acompanhando a relatora quanto à preliminar e, no mérito, aguardando a vista pedida pelo Dr. Jamil. Abriu a divergência o Dr. Silvio, no sentido de acolher a preliminar de cerceamento de defesa. Aguardam o voto-vista os demais membros. Julgamento suspenso.)