RE - 1847 - Sessão: 14/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto pelo Diretório Municipal do PARTIDO PROGRESSISTA – PP de Bento Gonçalves, Carlos José Perizzolo e Enio de Paris contra sentença (fls. 80-2v) que julgou desaprovadas as suas contas referentes ao exercício de 2015 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 21.573,83 (vinte e um mil, quinhentos e setenta e três reais e oitenta e três centavos), relativo ao valor oriundo de fonte vedada, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14, e a suspensão da distribuição de novas cotas do Fundo Partidário pelo período de 01 (um) ano.

Os recorrentes interpõem recurso (fls. 84-9), alegando, em síntese, que foi negado ao partido seu direito à ampla defesa, ao passo que a prova testemunhal que pretendia produzir foi indeferida pelo juízo a quo. Nesse contexto, afirmam os recorrentes que os cargos arrolados na sentença não se enquadrariam no conceito de “autoridade”, porquanto seriam meros executores subordinados. Requerem, assim, a reforma da sentença, a fim de que as contas sejam aprovadas.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela anulação da sentença em função da ausência de intimação para alegações finais e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 92-8).

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo.

Preliminares

Inicialmente, abordo a questão suscitada pelo d. Procurador Regional Eleitoral de nulidade da sentença em função de ausência de intimação para alegações finais.

Com efeito, o art. 40 da Resolução n. 23.464/15 do TSE estabelece que encerrada a produção de provas, deve ser dada vista às partes para apresentação de alegações finais.

No caso, não houve produção de provas porque foi indeferido pelo juízo a quo e porque a matéria probatória depende exclusivamente de prova documental que, aliás, foi produzida pelo prestador às fls. 55-65 dos autos, quando trouxe o conteúdo ocupacional dos cargos.

Rejeito, portanto, a prefacial.

 

Sustenta o partido que lhe foi negado o direito à ampla defesa, ao passo que a prova testemunhal que pretendia produzir foi indeferida pelo juízo a quo, a qual confirmaria que os cargos demissíveis ad nutum não se enquadrariam no conceito de autoridades.

Não procede a irresignação da grei partidária, pois as atribuições dos cargos exercidos pelas pessoas enquadradas no conceito de autoridade pública, ou seja, que desempenham funções de chefia e assessoramento, trata-se de matéria cuja comprovação depende exclusivamente de prova documental como referido acima.

No ponto, ressalta-se novamente que o próprio partido juntou aos autos as atribuições dos cargos das pessoas enquadradas pela sentença no conceito de autoridade pública, conforme se infere dos documentos acostados às fls. 55-65.

E, quanto ao conceito de autoridade, a temática é exclusivamente de direito.

Logo, a preliminar de cerceamento de defesa não prospera.

Rejeitadas as preliminares, ao mérito.

 

Mérito

As contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, consistente em doações de pessoas que ocupam cargos públicos demissíveis ad nutum, ou seja, coordenador, chefe de gabinete, secretário e procurador, no montante total de R$ 21.573,83 (vinte e um mil, quinhentos e setenta e três reais e oitenta e três centavos).

Veja-se que, de acordo com as informações prestadas pelo partido, mormente aquelas acostadas às fls. 18-22, e confirmadas pelas informações acostadas à fl. 48, houve doação ao partido no total de R$ 21.573,83, oriunda de detentores de cargos em comissão.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

No conceito de autoridade pública, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido acórdão, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão-de-obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

A vedação decorre do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, e vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.03.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.03.2015, Página 02.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.) (Grifei.)

Segue a relação das pessoas que contribuíram e respectivo cargo (fls. 18-22):

Ivorlei Zenki, Coordenador, o valor de R$ 1.452,00; António Piroca, Coordenador, o valor de R$ 605,00; Dayane Rizzi Machado, Coordenador, o valor de R$ 913,00; Patricia Regina da Rold de Costa, Coordenadora, o valor de R$ 363,00; Cleusa Maria Marchetto Frainer, Coordenadora, o valor de R$ 1.331,00; Gilson Todeschini, Coordenador, o valor de R$ 913,00; Ana Maria Passaia, Coordenadora, o valor de R$ 913,00; Olga Cristina Biffi, Coordenadora, o valor de R$ 737,00; Silvia Bettinelli Manzoni, Coordenadora, o valor de R$ 830,00; Flávio Francisco Ferrari, Coordenador, o valor de R$ 1.485,00; Ilsa Antunes Duarte, Coordenadora, o valor de R$ 665,00; Evandro Luiz Mattana, Coordenador, o valor de R$ 467,00; Valcir Pedro Rigotti, Coordenador, o valor de R$ 833,00; Marcial Roges Pisoni, Coordenador, o valor de R$ 460,00; Diogo dos Santos, Chefe de Gabinete, o valor de R$ 83,00; Edson Flores Vargas, Coordenador, o valor de R$ 498,00; Neri Mazzochin, Secretário, o valor de R$ 330,00; Waldir Pedro Schu, Coordenador, o valor de R$ 88,89; Leandro Rodriguesde Freitas, Chefe de Gabinete, o valor de R$ 84,82; Jorge Lobo Pizzato, Coordenador, o valor de R$ 167,92;Clóvis Antonio Bedina, Coordenador, o avlor de R$ 160,00; Jéssica Ditadi, Chefe de Gabinete, o valor de R$ 166,00; Rosimir Fochi Gonçalves, Coordenador, o valor de R$ 168,20; Enio de Paris, Secretário, o valor de R$ 2.080,00; José Altarir Ronsani, Coordenador, o valor de R$ 1.620,00; Sidgrei Antônio Machado Spassini, Procurador, o valor de R$ 2.080,00; Valdir Possamai, Diretor, o valor de 2.080,00.

Correta, portanto, a sentença condenatória, devendo ser mantida a determinação de recolhimento do valor total recebido de R$ 21.573,83 ao Tesouro Nacional.

No tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de 1 ano, entretanto, a jurisprudência deste Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros fixados no § 3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos – suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, adotando-se os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral utiliza tais parâmetros a fim de verificar a adequação da sanção. Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 - consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.) (Grifei.)

No caso dos autos, o partido arrecadou a título de contribuições o total de R$ 35.794,83, dos quais R$ 21.573,83 são oriundos de fonte vedada, o que representa aproximadamente 60% do total de recursos arrecadados durante todo o exercício de 2015.

Apesar do montante significativo da irregularidade, não há indícios de má-fé da agremiação, nem o propósito de prejudicar a fiscalização das contas. Dessa forma, afigura-se adequada a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses.

Ante todo o exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso para reduzir a suspensão das quotas do Fundo Partidário para 3 meses, nos termos da fundamentação.