RE - 1591 - Sessão: 02/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA - PP de Mato Queimado contra sentença (fls. 88-9v) que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014 e aplicou a penalidade de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de seis meses, em virtude da existência de falhas contábeis, ausência de assinatura nos livros contábeis e recebimento de recursos de fonte vedada, proveniente de detentor de cargo eletivo na prefeitura de Mato Queimado.

Em suas razões (fls. 93-101), sustenta que a ausência do demonstrativo de receitas e despesas, de fluxo de caixa, de notas explicativas e a ausência de assinatura nos livros contábeis caracterizam-se como meras falhas formais, não ensejando, assim, a desaprovação das contas. Além disso, entende inaplicável, no caso, o disposto no art. 45, inc. IV da Resolução n. 23.432/14 do TSE, haja vista que os recursos de fonte vedada foram auferidos em período anterior à entrada em vigor da referida resolução. Requer a reforma da sentença, a fim de que as contas sejam aprovadas.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral suscitou as preliminares de nulidade do feito por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa, bem como em face da falta de intimação do Ministério Público Eleitoral junto à origem sobre a sentença que julgou as contas. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso e majoração do prazo de suspensão de quotas do Fundo Partidário para um ano.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e merece ser conhecido.

Cumpre analisar as preliminares suscitadas pela Procuradoria Regional Eleitoral:

a) Preliminar de nulidade do feito por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou preliminar de nulidade da sentença em face da ausência de observância das disposições previstas nas Resoluções TSE n. 23.432/14 e 23.464/15, que preveem a citação dos dirigentes partidários em caso de parecer técnico ou ministerial pela desaprovação das contas.

De acordo com o Parquet, em que pese o juízo à fl. 76 tenha determinado a citação do órgão partidário e de seus responsáveis, apenas o partido foi citado (fl. 77). Além disso, na sentença, foi expressamente consignado que os dirigentes partidários foram excluídos do feito, não sendo considerados como parte.

Sobre a questão, saliento que, até meados deste ano, prevalecia neste Tribunal o entendimento no sentido de que as novas regras relativas à participação dos dirigentes partidários como partes nos processos de contas partidárias (art. 31, caput, e art. 38, caput, da Resolução TSE n. 23.432/14 e art. 31, caput, e art. 38, caput, da Resolução TSE n. 23.464/15) não poderiam ser imediatamente aplicáveis aos processos em tramitação, devendo ser consideradas apenas para as prestações de contas relativas aos exercícios financeiros de 2015 em diante.

Para este Tribunal, a nova regra que prevê a legitimidade dos responsáveis para figurarem como partes no processo de prestação de contas é norma de direito material, na medida em que estabelece uma responsabilidade solidária dos dirigentes partidários, instituto inexistente na normatização anterior, quando a responsabilidade dos dirigentes era apenas supletiva e subsidiária (art. 34, § 1º, da Resolução TSE n. 21.841/04).

 

Entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento de recursos especiais interpostos pela Procuradoria Regional Eleitoral contra as decisões desta Corte que adotaram o referido entendimento tem, paulatinamente e em reiteradas decisões, reformado os acórdãos desta Casa, determinando a inclusão dos responsáveis no feito, sob o fundamento de que as normas determinantes de sua citação possuem natureza processual e incidem imediatamente aos processos que ainda não tenham sido julgados, conforme estabelece o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15. Confira-se:

Tal regra, ao contrário do que entendeu o TRE/RS, tem cunho eminentemente processual, porquanto aptidão de determinado sujeito para assumir o posto, seja de autor ou de réu, relaciona-se com normas instrumentais, não se subordinando ao mérito das contas. Assim, nos termos do art. 65, § 1º, do referido diploma normativo, aplica-se a processos de outros exercícios financeiros ainda não julgados (TSE, RESPE n. 670, Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 06.10.2016)

Com idêntico entendimento, as seguintes decisões do TSE: Agravo de Instrumento n. 11508 (Decisão monocrática, Relator: Min. Luiz Fux, DJE: 24.10.2016); Recurso Especial Eleitoral n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.9.2016); RESPE n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.9.2016) e RESPE n. 11253 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e  Benjamin, DJE – 15.9.2016).

Dessa forma, o juízo a quo, ao deixar de citar os responsáveis para manifestação sobre as contas e, posteriormente, excluí-los do feito, obedeceu à orientação jurisprudencial até então adotada nesta Corte.

Saliento que, apesar de o TRE-RS ter decidido readequar seu posicionamento sobre a matéria de acordo com a orientação do Tribunal Superior Eleitoral, a partir do julgamento do RE n. 35-87, da relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti, na sessão de 10.11.2016, tal alinhamento pode ocorrer somente nos processos ainda não julgados e desde que não importe e reformatio in pejus, situação que ocorreria na hipótese dos autos, dado que apenas o Partido Progressista - PP de Mato Queimado recorreu postulando a reforma da sentença que desaprovou as contas.

Então, com muita vênia à posição adotada pela Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que a anulação da sentença para incluir os responsáveis significa prejuízo ao recorrente, pois a falta de citação daqueles não gera nulidade absoluta.

Sobre o tema, merece transcrição o bem-lançado voto divergente do Des. Paulo Vaz, nos autos do RE 91-38, da relatoria do Dr. Jamil Bannura, cujo julgamento foi iniciado nesta Corte e aguarda pedido de vista:

Acrescento, ainda, que no Código Eleitoral, art. 219, há norma expressa disciplinando que na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo.

Logo, a nulidade dos atos no processo eleitoral só será declarada se houver prejuízo. Por isso, para que o ato seja extinto em virtude da desconformidade com a lei, há a necessidade dessa desconformidade ter trazido prejuízo ao processo eleitoral que, no caso, não houve.

Essa orientação trazida no art. 219 do Código Eleitoral é aplicada de modo irrestrito, cedendo espaço até mesmo quando alegado cerceamento de defesa, como demonstra recentíssimo aresto do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. SENTENÇAS PROFERIDAS EM REPRESENTAÇÕES POR PROPAGANDA IRREGULAR. FALTA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CIÊNCIA DO DECISUM. MATÉRIA CONTROVERTIDA. DESPROVIMENTO. 1. Autos recebidos no gabinete em 14.9.2016. 2. Exceção de pré-executividade é cabível apenas quando se puder conhecer de ofício da matéria impugnada e em hipóteses que não demandem análise probatória, requisitos que devem ser atendidos de modo simultâneo. Súmula 393/STJ e precedentes. 3. No caso, proveu-se o recurso especial para se determinar retomada de execução fiscal proposta em desfavor do partido agravante, porquanto inexiste prova inequívoca de que o Parquet não foi intimado de sentenças que originaram os títulos judiciais, proferidas em quatro representações por propaganda irregular. Precedente: decisum monocrático no AI 380-58/GO, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 2.2.2016. 4. Ademais, a decretação de nulidade de ato processual por cerceamento de defesa pressupõe efetivo prejuízo, a teor do art. 219 do Código Eleitoral e de precedentes desta Corte. 5. Na espécie, é incontroverso que o partido foi intimado das sentenças nas representações e que deixou transcorrer in albis o prazo recursal. 6. Agravo regimental não provido.

(TSE - RESPE: 38580 URUAÇU - GO, Relator: ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, Data de Julgamento: 29.9.2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 199, Data 17.10.2016, Página 39.)

 

Com o mesmo teor o art. 282 do NCPC, que preconiza a não decretação da invalidade de nenhum ato processual se o vício apontado não causar prejuízo aos fins da justiça do processo, se não violar o direito fundamental ao processo justo (STJ, 2ª Turma, REsp 725.984, rel. Min. Humberto Martins, j. 12.09.2006, p. 251).

Penso que a hipótese, para que se preserve a segurança jurídica, impõe sejam modulados os efeitos do novo entendimento jurisprudencial, devendo alcançar apenas os processos ainda não apreciados pelo órgão competente.

Trata-se de caso repetitivo e de interesse social, estando a modulação, portanto, ao abrigo da regra permissiva do art. 927, § 3°, do CPC: Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica (grifei).

A modulação da jurisprudência ou dos precedentes, vale lembrar, é uma técnica empregada pelos tribunais para evitar que a nova interpretação do direito que leva a cabo produza efeitos retroativos e alcance situações consolidadas ou casos judiciais pendentes ou já julgados. Tal flexibilização é comumente empregada para evitar que as reviravoltas jurisprudenciais (overruling) produzam efeitos prejudiciais às relações travadas pelos cidadãos, rompendo a confiança que depositaram, pautando suas vidas e negócios, na interpretação superada.

Embora seja recomendável a não banalização da modulação dos efeitos das decisões das instâncias ordinárias, ela não é vedada. Com efeito, disse o Min. Barroso, se na hipótese extrema de reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei, o STF admite a possibilidade de não se dar à decisão efeitos retroativos, com muito mais razão deverá admiti-la no desempenho da jurisdição ordinária, que não envolve a declaração de nulidade de qualquer norma em face da Constituição (BARROSO, Luís Roberto. Mudança na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária. Segurança Jurídica e Modulação dos Efeitos Temporais das Decisões Judiciais. Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/parecer_mudanca_da_jurisprudencia_do_stf.pdf. Acesso em: 23 nov. 2106).

Assim, as decisões judiciais, sejam as de interpretação ordinária do direito sejam as que contêm juízo de inconstitucionalidade, comportam modulação de seus efeitos temporais, que se faz mediante um critério de ponderação que levará em conta elementos normativos e fáticos, sopesados os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da moralidade.

Vale aqui lembrar de passagem que as garantias inerentes ao princípio da segurança jurídica não se destinam a proteger os indivíduos apenas contra os enunciados normativos e abstratos, antes de um ato de interpretação e aplicação que defina as normas efetivamente impostas, mas também contra as interpretações que os juízes possam conferir aos enunciados normativos, contra as normas concretas derivadas dos textos legais.

Afinal, disse o Min. Barroso, se a cada momento o Judiciário pudesse modificar o seu entendimento sobre a legislação em vigor e atribuísse às novas decisões efeitos normativos, instalar-se-ia absoluta insegurança jurídica. Nada do que ocorreu no passado poderia ser jamais considerado definitivo para os particulares, já que, a qualquer momento, a questão poderia ser revista por um novo entendimento do Judiciário (BARROSO, idem, ibidem).

Nessa medida, a mudança do precedente não pode causar surpresa injusta nem ocasionar um tratamento não isonômico entre pessoas que se encontram temporalmente em situações idênticas ou semelhantes.

Veja-se, por exemplo, que várias decisões de 1º grau apreciaram prestações de contas sem a inclusão dos dirigentes partidários, alinhando-se ao que esta Corte estava decidindo. Estavam todos eles em situações idênticas e semelhantes, recebendo o mesmo tratamento, de forma isonômica.

Inúmeras decisões transitaram em julgado sob a vigência daquele entendimento jurisprudencial, não se podendo, agora, porque a parte recorreu e teve o azar de seu recurso ser apreciado após a mudança de jurisprudência, ser penalizada.

Essa situação leva ao paradoxo de que o partido estaria em melhores condições jurídicas se não tivesse recorrido, pois não teria sido alcançado pelo novo entendimento.

Não é sistêmico.

Acrescento, a título de contribuição ao debate, algumas considerações acerca da natureza jurídica da responsabilidade dos dirigentes partidários

Tanto a Res. 23.432/14 como a 23.464/15 do TSE disciplinaram que suas disposições legais não atingiriam o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios de 2009 a 2014.

Portanto, o mérito deve ser analisado conforme a Res. 21.841/2004 do TSE, vigente à época do exercício de 2014, que estabelece em seu art. 34 que, primeiramente será notificado o partido para recompor o erário e, apenas se a agremiação não o fizer no prazo assinado, serão chamados os dirigentes partidários para cumprir a obrigação.

Com essas considerações, afasto a preliminar.

 

b) Preliminar de nulidade do feito por falta de intimação do Ministério Público Eleitoral junto à origem sobre a sentença que julgou as contas

A Procuradoria Regional Eleitoral também suscita a nulidade do feito por ausência de intimação do Parquet de piso sobre a sentença, nos seguintes termos:

Importante destacar que apenas o partido foi intimado da sentença de fls. 88-89, não tendo sido, dessa forma, oportunizada manifestação do Ministério Público Eleitoral.

Veja-se que a inexistência de intimação do Ministério Público enseja a invalidade dos atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado, sob pena de prejuízo, diante da ausência de oportunização para manifestação de interesse recursal.

Nesse sentido é o disposto no art. 279, §1º, do Código de Processo Civil:

Art. 279. É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

§1º Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministério Público, o juiz invalidará os atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.

§2º A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo.

Diga-se, ainda, que, a teor do disposto no art. 18, inciso II, alínea “h”, da LC nº 75/93 c/c art. 180 do Código de Processo Civil, a intimação do Ministério Público deverá ser pessoal, em qualquer grau de jurisdição, in verbis:

'Art. 18 São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: (…)

II - processuais:

(...)

h) receber intimação pessoalmente nos autos em qualquer processo e grau de jurisdição nos feitos em que tiver que oficiar.

(...)

Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, §1º.

(...)'

A prefacial merece ser acolhida, assistindo razão ao douto Procurador Regional Eleitoral.

A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei Complementar n. 75/1993) estabelece ser atribuição do Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral (art. 72).

No primeiro grau de jurisdição, serve como promotor eleitoral o membro do Ministério Público Estadual designado pelo respectivo procurador regional eleitoral, o qual exercerá suas funções perante os juízes e juntas eleitorais (art. 78 da LC n. 75/1993).

De acordo com o art. 179 do CPC, nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, como ocorre nos processos de prestação de contas de exercício financeiro dos partidos políticos, o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo.

Assim, o Parquet Eleitoral deveria ter sido intimado da sentença, possuindo legitimidade para interpor os recursos cabíveis.

 

Diante do exposto, VOTO no sentido de rejeitar a preliminar de nulidade por ausência de citação dos responsáveis pelas contas do partido e acolher a preliminar de nulidade do feito por falta de abertura de vista ao Ministério Público Eleitoral com atribuição perante o juízo a quo, sobre a sentença que julgou as contas, devendo os autos baixarem à origem para a devida intimação, restando prejudicado o exame do recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA - PP de Mato Queimado.