RE - 4987 - Sessão: 24/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O Município de Canoas interpõe recurso, com pedido de medida liminar, em face da sentença proferida pela Juíza Eleitoral da 66ª Zona de Canoas (fls. 21-23) que indeferiu, com fundamento no art. 73, VI, “b”, da Lei n. 9.504/97 pedido de autorização para divulgar as atividades atinentes à “24ª Semana Farroupilha de Canoas”, que será realizada entre os dias 13 e 20 de setembro de 2016.

Em suas razões, o recorrente defende que o material publicitário tão somente veicula as datas, os locais e a programação do evento e faz uso do brasão do município e do nome da Prefeitura de Canoas, sem qualquer referência a agentes públicos, pré-candidatos ou à Administração Municipal.

Defende que o caráter informativo, educativo e de orientação social da publicidade permite caracterizá-la como de utilidade pública, a justificar a excepcionalidade da propaganda institucional no período eleitoral. Aduz que o evento é “tradicionalíssimo”, de cunho cultural e cívico, que não “surgiu rapidamente” no calendário da cidade, pois realizado há 24 (vinte e quatro) anos.

Pondera que o fato de a Administração Municipal ter protocolizado outros três pedidos similares ao presente não poderia ter sido utilizado como fundamento para o indeferimento do pedido, sob pena de restringir o exercício do direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, da Constituição Federal). Sustenta, também, que a decisão recorrida desatendeu ao disposto no art. 489, § 1º, VI, do Código de Processo Civil, ao deixar de se manifestar com relação aos precedentes mencionados na peça inicial (fls. 27-39).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo indeferimento da liminar pleiteada e, no mérito, pelo desprovimento do recurso (fls. 46-49v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do prazo de 03 (três) dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral, motivo pelo qual dele conheço.

Passo a decidir.

A realização de publicidade institucional pelos agentes públicos durante o período eleitoral está disciplinada no art. 73, VI, “b”, da Lei n. 9.504/1997:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

[...]

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral. (Grifei.)

O dispositivo citado autoriza a propaganda institucional nos 03 (três) meses que antecedem as eleições somente em casos de grave e urgente necessidade pública, com o propósito de impedir que a máquina e os recursos públicos sejam utilizados em benefício de determinadas candidaturas, comprometendo a isonomia entre os concorrentes e, via de consequência, a legitimidade do pleito.

A interpretação desta norma, que tem natureza proibitiva, deve ser compatibilizada com o comando do art. 37, § 1º, da Constituição Federal, o qual admite a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos, desde que revestidos de caráter educativo, informativo ou de orientação social, e desvinculados de nomes, símbolos ou imagens que importem promoção pessoal de autoridades e servidores públicos.

O princípio da publicidade é fundamental ao Estado Democrático de Direito e à democracia representativa, por permitir que o funcionamento e as políticas adotadas pelos poderes públicos sejam conhecidos e fiscalizados pelos diferentes entes sociais.

A publicidade dos atos estatais viabiliza o exercício dos direitos fundamentais pelos cidadãos e a atuação positiva do Estado quanto à efetividade desses direitos, como é o caso da garantia dos direitos culturais e às ações de apoio e incentivo às manifestações dessa natureza (art. 215, caput, da Constituição Federal).

Logo, constatado o interesse público na propaganda institucional, sem verificar-se promoção pessoal indevida de autoridades ou servidores públicos, que importe efetivo prejuízo à isonomia entre os concorrentes ao pleito, inexiste óbice à divulgação da publicidade pelo ente estatal.

Na hipótese sob exame, a Prefeitura Municipal de Canoas pretende divulgar a “24ª Semana Farroupilha de Canoas”, a ser realizada entre os dias 13 e 20 de setembro de 2016, conforme material juntado nas fls. 11-19.

A iniciativa, como referido anteriormente, destina-se a proporcionar os meios de acesso da população à cultura, incluindo-se entre as competências comuns do ente municipal (art. 23, V, da Constituição Federal), devendo ser promovida por todas as gestões administrativas, independentemente de sua ideologia ou programa de governo. Há, portanto, interesse público na divulgação do evento atrelado à consecução dos fins sociais do Estado.

Como é de conhecimento notório, as comemorações farroupilhas há muito fazem parte da agenda cultural dos municípios deste Estado. A natureza do evento e a regularidade da sua realização há 24 (vinte e quatro) anos impedem que se lhe atribua o ineditismo típico de festividade promovida com a manifesta intenção de divulgar uma realização político-administrativa da gestão atual e, com isso, impactar favoravelmente os eleitores, conquistando sua preferência de voto por meio de ferramentas de divulgação da campanha às quais os demais candidatos não têm acesso.

Além disso, o material publicitário trazido aos autos não contém logotipo, lema ou slogans que vinculem a realização e a divulgação do evento à atual gestão ou às eleições municipais deste ano. Ao contrário, nele somente aparecem o brasão do Município de Canoas e a indicação da Prefeitura e da Secretaria Municipal da Cultura, ou seja, símbolo e nome do próprio ente estatal e de seu órgão, cuja utilização não é vedada pela Constituição Federal.

As cores utilizadas no material (verde, vermelho e amarelo) remetem diretamente à imagem da bandeira rio-grandense, sem qualquer apelo indireto ou subliminar que possa indicar marketing político em benefício dos gestores municipais que justifique a proibição da publicidade a fim de preservar o equilíbrio entre os candidatos.

As festividades e o material publicitário que o município pretende divulgar não possuem viés eleitoral, relacionando-se, antes disso, à manifestação tradicionalista de abrangência regional.

O processo eleitoral, destinado a garantir a efetivação dos direitos de cidadania, não pode obstaculizar o exercício dos demais direitos dos cidadãos e/ou dos deveres da Administração Pública, sendo natural que programações socioculturais como a Semana Farroupilha sejam divulgadas dentro da legalidade e da razoabilidade, sob pena de se impor à Administração Pública que nada faça em ano eleitoral (TSE – AgR-AI 95281 SP, Relator Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21.5.2015, DJE de 04.9.2015, p. 310-311).

Este Tribunal Regional Eleitoral, em decisão proferida na sessão de 15.8.2016, nos autos do Recurso Eleitoral n. 22-80, de relatoria da Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez, adotou esse entendimento, autorizando a propaganda institucional para a divulgação da “Feira do Livro” no Município de Canoas.

Na oportunidade, destacou-se que a vedação constante do art. 73, VI, “b”, da Lei n. 9.504/97 deve ser compatibilizada com o direito de a sociedade divulgar e ser informada sobre eventos de interesse público, em especial quando já incorporados às tradições locais e revestidos de caráter cultural e educativo. Segue a ementa do acórdão:

Recurso. Petição. Feira do livro. Art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97. Liminar deferida. Eleições 2016.

Pedido de autorização para divulgação publicitária de evento integrado ao calendário oficial do município, em sua 32ª edição. Não evidenciados elementos a caracterizar promoção de agentes públicos nem menção indevida a nomes ou símbolos da atual administração municipal. Caráter informativo da publicidade a resguardar o equilíbrio entre os candidatos nas eleições.

Confirmação da liminar. Deferimento do pedido.

Provimento.

Noto, ao final, que o recorrente não trouxe aos autos todas as faixas indicativas do evento, bem como o VT e a imagem correspondente ao banner randômico – destinados, respectivamente, à veiculação em TV de trem e no sítio oficial da prefeitura na internet – referidos na petição inicial.

Considero, entretanto, que a ausência da juntada desse material não impede que seja autorizada a sua divulgação pelo recorrente, desde que observados o padrão publicitário e o conteúdo utilizado no material apresentado nas fls. 11-19.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso para autorizar a publicidade institucional da “24ª Semana Farroupilha de Canoas” pelo Município de Canoas, nos termos da fundamentação.