RE - 2809 - Sessão: 12/12/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DA REPÚBLICA - PR de São Francisco de Assis interpõe recurso contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2014, aplicando-lhe a penalidade de suspensão de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 mês.

Em suas razões, o recorrente alega que o partido não obteve arrecadação financeira no exercício de 2014, pois havia recém se estruturado, permanecendo ativo por apenas 29 (vinte e nove) dias no referido ano, razão pela qual alega não ter aberto conta bancária. Requereu, dessa maneira, a reforma da sentença, a fim de que as contas sejam julgadas aprovadas, ainda que com ressalvas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que suscitou preliminar de nulidade por ausência de citação dos responsáveis partidários e, no mérito, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminar

Inicialmente, abordo a questão suscitada no parecer ministerial, relativa à inclusão dos dirigentes partidários no polo passivo da prestação de contas.

A matéria foi analisada recentemente por este Tribunal no julgamento do RE 91-38, da relatoria do Dr. Jamil Hanna Bannura, mas o recurso teve julgamento suspenso antes da proclamação do resultado em face de formulação de consulta ao TSE sobre a aplicação do art. 219 do novo CPC aos processos eleitorais, com proposição de contagem dos prazos processuais em dias úteis, desde que fora do período eleitoral.

Naquele feito, o Dr. Jamil destacou prefacial de conteúdo idêntico ao que ora se analisa, salientando que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em diversas decisões, está paulatinamente reformando acórdãos desta Corte para que sejam citados os dirigentes das agremiações nos processos de prestação de contas partidárias.

De fato, este Tribunal, ao se deparar com a nova disposição que determina a citação dos dirigentes partidários nos processos de prestação de contas, criada em 30 dezembro de de 2014 com a Resolução TSE n. 23.432/14, considerou inviável a aplicação imediata da nova regra às prestações de contas dos exercícios financeiros de 2014 e anteriores. A Resolução TSE n. 23.432/14 foi posteriormente revogada pela Resolução TSE n. 23.464/15, a qual reprisou a previsão de citação dos responsáveis.

Ponderou-se que a nova previsão se traduz em regra de direito material a repercutir diretamente no mérito das prestações de contas, uma vez que possibilita sejam o presidente e o tesoureiro do partido alcançados pela decisão que julgar os feitos, e que, quando do implemento dos exercícios financeiros anteriores a 2015, não existia tal previsão normativa, vigorando a disposição que previa apenas as legendas como partes.

Todavia, ao examinar a matéria, o TSE, por reiteradas decisões monocráticas, tem entendido que essa nova disposição é regra de direito processual que deve ser aplicada imediatamente aos processos de prestação de contas em tramitação.

Por esse motivo, o Dr. Jamil votou pela acolhida da preliminar suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral para o fim de anular o feito por falta de citação dos dirigentes do partido, considerando adequado o alinhamento das decisões deste Tribunal ao entendimento que vem se formando no TSE.

O Dr. Luciano André Losekann, igualmente, acompanhou a conclusão do relator, entendendo tratar-se de litisconsórcio necessário o existente entre os dirigentes e o partido, nas contas partidárias. Referiu, também, que o § 1º do art. 65 da Resolução TSE n. 23.464/15 (“§ 1º As disposições processuais previstas nesta resolução devem ser aplicadas aos processos de prestação de contas relativos aos exercícios de 2009 e seguintes que ainda não tenham sido julgados”) deve ser interpretado no sentido de que apenas os ritos processuais dos processos de prestações de contas definitivamente julgados e encerrados não podem ser readequados.

Em relação ao tema, o Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz prolatou voto divergente e rejeitou a preliminar de nulidade com base em judiciosas razões, as quais podem ser sintetizadas no argumento de que a falta de citação dos responsáveis pelo partido não gera nulidade absoluta, uma vez que o litisconsórcio não é necessário, e porque, após julgado o feito na primeira instância, eventual irregularidade procedimental estaria convalidada, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 65 da Resolução n. 23.464/15 do TSE. Além disso, ponderou que a responsabilidade dos dirigentes pelas contas da agremiação é subsidiária em relação à pessoa jurídica do partido, e não solidária, e apontou que a acolhida da preliminar importaria em reformatio in pejus, uma vez que a questão não foi suscitada perante o primeiro grau e que o feito foi levado a julgamento de segunda instância unicamente em face de recurso interposto pelo partido.

Por sua vez, o Des. Carlos Cini Marchionatti acompanhou o voto divergente do Des. Paulo Afonso no tocante à rejeição da prefacial de nulidade do processo por falta de citação dos dirigentes partidários.

Feitas essas considerações sobre a questão posta em debate, consigno que meu voto é pela rejeição da preliminar de nulidade do feito, pois entendo que a obrigação dos dirigentes partidários, recaída sobre as pessoas físicas do presidente e do tesoureiro da agremiação, é subsidiária em relação à agremiação, e não solidária, tal como ocorre em casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Extraio esse entendimento do próprio texto da Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95), que no § 13 do art. 37, dispositivo incluído pela Lei n. 13.165/15, que instituiu a Reforma Eleitoral de 2015, dispõe:

§ 13. A responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio do partido.

Ademais, o apelo dirigido a este Tribunal é exclusivo do partido. Houvesse interposição de recurso pelo órgão ministerial com atribuição na origem, a quem compete atuar nos processos de prestação de contas como fiscal da ordem jurídica, invocando tal nulidade, o deslinde poderia ser outro. Todavia, o processo subiu a esta Corte com estabilização da relação jurídico-processual, não sendo caso de declaração de nulidade, situação que só decorreria da constatação de nulidade absoluta, circunstância que não se configura na hipótese dos autos.

Tenho que a declaração de nulidade e a consequente baixa dos autos para reabertura da instrução nem sequer teria utilidade ao feito, pois a contabilidade foi reprovada em face da ausência de conta bancária e da falta de constituição dos livros contábeis Diário e Razão, havendo registro de que o partido não movimentou recursos em espécie.

Ou seja, não há sequer determinação de restituição de valores ao Fundo Partidário ou de recolhimento de qualquer quantia ao Tesouro Nacional.

As irregularidades são insanáveis e não poderiam ser afastadas com a citação dos dirigentes partidários para oferecimento de defesa, pois as falhas deveriam ter sido resolvidas no ano do exercício financeiro, 2014.

Na hipótese dos autos, deve prevalecer a regra geral do sistema de nulidades que condicionada sua declaração ao princípio do prejuízo, como bem referido pelo Dr. Paulo Afonso ao invocar o art. 219 do Código Eleitoral no voto proferido no julgamento do RE 91-38, já referido: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

No caso concreto, a citação dos responsáveis teria o condão de modificar o exame das contas, caso houvesse apuração de falhas que pudessem ser esclarecidas pelos dirigentes partidários ou de dívida que pudesse ser cobrada destes enquanto pessoas físicas.

Porém, considerando que a própria agremiação reconhece que não abriu conta bancária porque funcionou por 29 dias durante o exercício, e que não foi apontada, no exame, a necessidade de recolhimento de valores, porquanto nem sequer houve movimentação financeira, eventual declaração de nulidade não aproveitaria ao resultado útil do processo.

Tal raciocínio pode ser amparado pelo § 2º do art. 65 da Resolução n. 23.464/15 do TSE, o qual dispõe ficar a cargo do juiz ou relator do feito a decisão sobre a adequação do rito dos processos de prestações de contas, sem que sejam anulados ou prejudicados os atos já realizados.

Outro argumento que pesa contra a declaração da nulidade refere-se à preservação da segurança jurídica, pois até novembro deste ano o entendimento deste Tribunal considerava desnecessária a citação dos responsáveis partidários nos processos de prestação de contas relativos a exercícios anteriores à 2015. Essa diretriz jurisprudencial somente foi alterada a partir do julgamento do RE 35-87, de relatoria do Des. Carlos Cini Marchionatti, na sessão do dia 10.11.2016, data em que este Tribunal decidiu incluir os dirigentes partidários nos processos de prestação de contas originários da Corte, dos diretórios estaduais, que ainda não foram julgados.

Nesses termos, relativamente à preliminar suscitada, voto pelo afastamento da prefacial de nulidade do feito por falta de citação dos dirigentes partidários.

Destaco.

 

No mérito, a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

Para um partido político estabelecer-se em determinado município, é preciso obedecer às regras civis relativas à formação de pessoas jurídicas; contábeis, relativas às finanças partidárias; e eleitorais, relativas às normas dirigidas a todas as legendas partidárias.

No entanto, apesar de o Partido da República de São Francisco de Assis ter alegado a falta de movimentação de recursos em espécie durante o exercício financeiro de 2014, informando não possuir conta-corrente, estava a agremiação obrigada a ter suas finanças em ordem mesmo antes de sua implementação no município.

Embora a intempestividade das contas seja falha formal, a ausência de abertura de conta bancária e de constituição de livros contábeis são irregularidades graves que conduzem ao inevitável juízo de desaprovação das contas. Colaciono precedentes deste Tribunal:

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Arts. 10 e 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 21.841/2004. Exercício financeiro de 2010.

Aprovação no juízo originário.

1. Contas zeradas. A apresentação de contas sem movimentação afronta a norma de regência.

2. A ausência de abertura de conta bancária inviabiliza a verificação da destinação dos recursos movimentados pelo partido, comprometendo a regularidade e a transparência da demonstração contábil.

Omissões que ensejam a desaprovação das contas.

Suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário por quatro meses.

Provimento parcial.

(Recurso Eleitoral n. 4861, Acórdão de 26.11.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 220, Data 28.11.2013, Página 4.)

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral. Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 3350, Acórdão de 25.01.2016, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 29.01.2016, Página 4.)

 

Dessa forma, diante da existência de irregularidades insanáveis, a sentença recorrida merece ser mantida.

Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade do feito suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso.