RE - 9138 - Sessão: 08/11/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO SOCIAL CRISTÃO de Cidreira contra a sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2014, impondo-lhe a penalidade de suspensão, com perda, do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 01 (um) ano, aplicável somente após o cumprimento de eventuais sanções da mesma espécie já em andamento, com base no art. 48, § 2º, c/c o art. 51, parágrafo único, ambos da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 89-90).

Em suas razões recursais, o partido busca a aprovação da sua contabilidade ou a aprovação com ressalvas, reduzindo-se o período da sanção imposta, com amparo nos princípios da insignificância e da proporcionalidade (fls. 94-101).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que arguiu, em preliminares, a nulidade da sentença pela ausência de citação dos dirigentes partidários para integrarem o feito e a intempestividade recursal. No mérito, opinou pelo desprovimento do recurso, mantendo-se integralmente a sentença (fls. 109-120).

É o sucinto relatório.

 

VOTOS

Dr. Jamil Andraus Hanna Bannura  (relator):

O Ministério Público Eleitoral suscitou, em seu parecer (fls. 109-120), preliminares de nulidade da sentença, em virtude de (a) ausência de citação dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) para integrarem a demanda, em confronto com a normativa prevista nas Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15, e (b) intempestividade recursal.

Entendo que, inicialmente, deve ser enfrentada a preliminar de intempestividade recursal, pois, uma vez intempestivo, nem mesmo a matéria sobre eventuais irregularidades do procedimento é devolvida ao Tribunal.

Assim, passando à análise da tempestividade do recurso, entendo que a irresignação merece ser conhecida, pois respeitado o prazo recursal, nos moldes definidos pelo Código de Processo Civil.

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral em 16.6.2016 (fl. 92), quinta-feira, e o recurso interposto em 21.6.2016 (fl. 94), terça-feira.

Contando-se o tríduo legal (art. 53, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14) na forma do art. 219 do CPC, com a suspensão do prazo no final de semana, a terça-feira, de fato, foi o último dia para interposição do recurso.

Anoto que a Resolução TSE n. 23.478/16, no seu art. 7º, caput, estabelece que “o disposto no art. 219 do Novo Código de Processo Civil não se aplica aos feitos eleitorais”. No entanto, entendo que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, ao disciplinar tal matéria em confronto com norma legal expressa, ultrapassou o seu poder regulamentar.

É reconhecido o poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral, a ele atribuído pela legislação eleitoral para expedir “as instruções que julgar convenientes à execução deste Código” (art. 23, inc. IX, do CE), “todas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos previamente, em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito” (art. 105 da Lei n. 9.504/97) e “instruções para a fiel execução desta Lei” (art. 61 da Lei n. 9.096/97).

Verifica-se, pelo teor dos dispositivos acima descritos, que o poder normativo foi conferido ao TSE na exata medida de sua competência para gerir os pleitos eleitorais, limitando-se à fiel execução das normas do Código Eleitoral, da Lei Eleitoral e da Lei dos Partidos Políticos, preenchendo vazios normativos e minudenciando regras legais pertinentes às eleições.

Ao TSE não é conferida competência constitucional para atuar em pé de igualdade com o Poder Legislativo, órgão vocacionado à criação de direitos e obrigações, a quem é constitucionalmente conferida a competência para inovar no ordenamento jurídico, por meio da edição das leis.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca dos limites da competência regulamentar do TSE, negando à Justiça Eleitoral o poder de editar normas que caminhem no sentido contrário às opções legislativas.

Ao julgar a constitucionalidade da Resolução TSE n. 23.396/13, a qual impôs autorização prévia do Judiciário para instauração de inquérito policial, a Suprema Corte reconheceu o excesso regulamentar do TSE, como se verifica pela seguinte ementa:

Resolução nº 23.396/2013, do Tribunal Superior Eleitoral. Instituição de controle jurisdicional genérico e prévio à instauração de inquéritos policiais. Sistema acusatório e papel institucional do Ministério Público. 1. Inexistência de inconstitucionalidade formal em Resolução do TSE que sistematiza as normas aplicáveis ao processo eleitoral. Competência normativa fundada no art. 23, IX, do Código Eleitoral, e no art. 105, da Lei nº 9.504/97. 2. A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado, as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com os princípios da isonomia e do devido processo legal. Precedentes. 3. Parâmetro de avaliação jurisdicional dos atos normativos editados pelo TSE: ainda que o legislador disponha de alguma margem de conformação do conteúdo concreto do princípio acusatório – e, nessa atuação, possa instituir temperamentos pontuais à versão pura do sistema, sobretudo em contextos específicos como o processo eleitoral – essa mesma prerrogativa não é atribuída ao TSE, no exercício de sua competência normativa atípica. 4. Forte plausibilidade na alegação de inconstitucionalidade do art. 8º, da Resolução nº 23.396/2013. Ao condicionar a instauração de inquérito policial eleitoral a uma autorização do Poder Judiciário, a Resolução questionada institui modalidade de controle judicial prévio sobre a condução das investigações, em aparente violação ao núcleo essencial do princípio acusatório. 5. Medida cautelar parcialmente deferida para determinar a suspensão da eficácia do referido art. 8º, até o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade. Indeferimento quanto aos demais dispositivos questionados, tendo em vista o fato de reproduzirem: (i) disposições legais, de modo que inexistiria fumus boni juris; ou (ii) previsões que já constaram de Resoluções anteriores do próprio TSE, aplicadas sem maior questionamento. Essa circunstância afastaria, quanto a esses pontos, a caracterização de periculum in mora. (STF, ADI 5104 MC, Relator:  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 21.5.2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29.10.2014 PUBLIC 30.10.2014.)

Elucidativa a decisão proferida pelo Ministro Luis Roberto Barroso, da qual extraio a seguinte passagem:

[…] ainda que o poder regulamentar possa autorizar, em alguma medida, o desenvolvimento de conteúdos que não sejam tratados de forma analítica na legislação, disso certamente não decorre que o TSE esteja autorizado a introduzir inovações substantivas na atual forma de concretização do princípio acusatório.

Também o Ministro Ricardo Lewandowski, na mesma oportunidade, reconheceu a submissão do poder normativo do TSE a balizas legais:

O poder regulamentar e normativo da Justiça Eleitoral é fundamental para o bom andamento das eleições e execução da legislação eleitoral, mas deve ser exercido dentro de certas balizas formais e materiais. Assim, as resoluções eleitorais só podem ser expedidas segundo a lei, secundum legem, ou para suprir alguma lacuna normativa, praeter legem, sem contudo inovar em matéria legislativa ou contrariar dispositivo legal, contra legem.

Mesmo ao apreciar a constitucionalidade da Resolução TSE n. 22.610/07, que disciplina o procedimento para a ação de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária, o Supremo reconheceu o seu caráter transitório e o contexto excepcional em que foi editada, pois manterá sua vigência somente para viabilizar a efetividade do princípio da fidelidade partidária enquanto não houver norma legal regulando a matéria. Reproduzo a ementa da decisão:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. [...] 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo. 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepcional e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a observância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar. 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.(ADI 3999, Relator:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 12.11.2008, DJe-071 DIVULG 16.4.2009 PUBLIC 17.4.2009 EMENT VOL-02356-01 PP-00099 RTJ VOL-00208-03 PP-01024.)

No caso sob análise, a legislação eleitoral não possui regra específica sobre a contagem contínua e ininterrupta dos prazos processuais, à exceção daquela estabelecida no art. 16 da LC n. 64/90, a qual disciplina pontualmente os prazos no registro de candidatura durante o período eleitoral (os prazos a que se referem o art. 3º e seguintes desta lei complementar são peremptórios e contínuos e correm em secretaria ou cartório e, a partir da data do encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados).

De acordo com o entendimento firmado pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral sob a égide do CPC/73, “a aplicação das regras do Código de Processo Civil ocorre de maneira subsidiária quando ausente disciplina própria para a matéria no processo eleitoral (AgR-AI n. 6809/SP, Rel. Min. Caputo Bastos, de 11.4.2006)” (AgRg no RESPE n. 178, Relatora Min. Luciana Lóssio, DJE: 09.9.2014), entendimento que veio a ser legalmente confirmado por meio do art. 15 do novo Código de Processo Civil, segundo o qual “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Assim, a nova sistemática dos prazos processuais introduzida pelo CPC/15, estabelecendo a sua contagem apenas em dias úteis, deve ter aplicação aos processos eleitorais, por inexistir norma legal eleitoral em sentido contrário. A Resolução TSE  n. 23.478/16, ao impedir a aplicação dessa nova sistemática aos feitos eleitorais, negou vigência à opção legislativa e adotou um sistema de contagem de prazos desassistido de respaldo legal.

É conhecida a importância do valor celeridade para os feitos eleitorais, todavia, a busca pela presteza jurisdicional, por meio do poder normativo do TSE, deve ser realizada dentro das balizas legais, não sendo permitido à Justiça Eleitoral adotar critérios contrários ao ordenamento. Ademais, a suspensão dos prazos processuais aos sábados, domingos e feriados, notadamente fora do período eleitoral, não atrasam o andamento dos processos, nem influenciam para eventual perda do objeto das representações.

Dessa forma, resta imperioso reconhecer a ilegalidade da regra fixada no caput do art. 7º da Resolução TSE n. 23.478/16, mantendo-se a contagem dos prazos processuais nos feitos eleitorais somente nos dias úteis, conforme estabelece o art. 219 do CPC.

Faço, ainda, uma ressalva final quanto à contagem dos prazos processuais durante o período eleitoral: o art. 219 do CPC define que, na contagem dos prazos em dias, computar-se-ão somente os dias úteis, estabelecendo a suspensão dos prazos nos finais de semana e feriados. Ocorre que, durante o período eleitoral, todos são dias úteis para a Justiça Eleitoral, a qual funciona permanentemente, inclusive aos sábados, domingos e feriados, conforme sinaliza o art. 16 da LC n. 64/90, sendo contínuos e ininterruptos os prazos nesse período.

Veja-se, portanto, que é plenamente possível assegurar a celeridade processual com respeito ao ordenamento jurídico, interpretando-se os termos da lei em conformidade com as peculiaridades desta Justiça especializada, sem negar vigência às opções legislativas.

Dessa forma, a aplicação do art. 219 do CPC aos feitos eleitorais, desde que interpretado à luz das especificidades da Justiça Eleitoral, não inviabiliza a celeridade processual necessária à atuação desta especializada, de forma que os prazos processuais iniciados em 15 de agosto de 2016 ou encerrados em 16 de dezembro deste ano (período no qual a Justiça permanece aberta aos sábados, domingos e feriados, conforme estabelece o art. 5º, da Resolução TSE n. 23.462/15) devem ser contínuos e ininterruptos, pois todos são dias úteis para a Justiça Eleitoral. Fora desse período, os prazos suspendem-se aos sábados domingos e feriados.

Reconheço, portanto, a tempestividade do recurso.

 

Prosseguindo a análise recursal, suscita o Ministério Público a nulidade da sentença em virtude da ausência de citação dos responsáveis partidários (presidente e tesoureiro) para integrarem a demanda, em confronto com a normativa prevista nas Resoluções TSE n. 23.432/14 e n. 23.464/15.

 Esta Corte – a meu ver, acertadamente – concluiu pela natureza de direito material das normas da Resolução  TSE n. 23.464/15, que determinam a citação dos responsáveis pelas contas das agremiações partidárias.

Tais regras, embora disponham sobre a legitimidade dos responsáveis para figurarem como partes no processo de prestação de contas, trazem consigo verdadeira norma de direito material, na medida em que estabelecem uma responsabilidade solidária dos dirigentes partidários inexistente em exercícios anteriores à 2015.

O entendimento firmado nesta Corte foi bem explicitado na Prestação de Contas n. 129-89, da qual se extrai a seguinte ementa:

Prestação de contas anual. Partido político. Art. 34, § 4º, I, da Resolução TSE n. 23.432/14. Exercício financeiro 2013. Prefacial afastada. Manutenção apenas do partido como parte no processo. A aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14 não alcança a responsabilização dos dirigentes partidários, por se tratar de matéria afeta a direito material. Previsão inserida no caput do artigo 67 da aludida resolução, estabelecendo que as normas de natureza material somente se aplicam às prestações relativas aos exercícios financeiros a partir de 2015. A falta de movimentação financeira não afasta a obrigação da agremiação partidária de apresentar a sua prestação de contas. Ausência de peças essenciais à análise da contabilidade leva ao julgamento de não prestadas as contas. Suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, em observância ao estabelecido no art. 47 da Resolução TSE n. 23.432/14. Contas não prestadas.

(Prestação de Contas n. 12989, Acórdão de 23.2.2016, Relatora DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 33, Data 26.2.2016, Página 2-3.)

Contudo, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, em reiteradas decisões monocráticas, tem reformado as sentenças proferidas por esta Corte, determinando a inclusão dos responsáveis no feito, sob o fundamento de que as normas determinantes de sua citação possuem natureza processual e incidem imediatamente aos processos que ainda não tenham sido julgados, conforme estabelece o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Reproduzo a seguinte passagem da decisão proferida pelo Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sobre o tema:

Tal regra, ao contrário do que entendeu o TRE/RS, tem cunho eminentemente processual, porquanto aptidão de determinado sujeito para assumir o posto, seja de autor ou de réu, relaciona-se com normas instrumentais, não se subordinando ao mérito das contas. Assim, nos termos do art. 65, § 1º, do referido diploma normativo, aplica-se a processos de outros exercícios financeiros ainda não julgados.

(RESPE n. 670, Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE - 06.10.2016.)

No mesmo sentido, foram proferidas outras decisões: Agravo de Instrumento n. 11508 (Decisão monocrática, Relator: Min. Luiz Fux, DJE: 24.10.2016); Recurso Especial Eleitoral n. 6008 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 26.09.2016); e RESPE n. 11253 (Decisão monocrática, Relator: Min. Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, DJE – 15.09.2016).

Dessa forma, embora esteja convencido do acerto das decisões proferidas por este Tribunal Regional, entendo adequado o realinhamento das sentenças com o entendimento que vem se formando no egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a finalidade de evitar maiores tumultos processuais e morosidade na resolução de mérito das contas partidárias.

DIANTE DO EXPOSTO, acolho a preliminar suscitada pelo douto Procurador Regional Eleitoral, para anular o feito desde a citação do partido para apresentar defesa sobre o parecer conclusivo, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que sejam citados os responsáveis pelas contas.

 

(Após votar o relator, pediu vista o Des. Paulo Afonso. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)