RE - 8849 - Sessão: 07/11/2016 às 16:00

RELATÓRIO

Os autos veiculam recurso eleitoral interposto pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB de Tramandaí em face da sentença que julgou improcedente a representação ajuizada contra LUIZ CARLOS GAUTO DA SILVA e FLÁVIO CORSO JÚNIOR. A sentença, ainda, reconheceu a ilegitimidade passiva do PARTIDO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PDT e do PARTIDO PROGRESSISTA – PP.

O PMDB de Tramandaí aduz, preliminarmente, a nulidade da sentença, pois teria sido proferida sem a juntada aos autos do mandado de citação do representado Flávio Corso Júnior. Na questão de fundo, diz que houve a divulgação de propaganda eleitoral antecipada por meio de adesivos nos carros dos candidatos a prefeito – Luiz Carlos Gauto da Silva e vice-prefeito – Flávio Corso Júnior - com o slogan TRAMANDAÍ MERECE MAIS e a sigla do Partido (PP) no automóvel do primeiro. Refere que não há necessidade de pedido explícito de voto, bastando que a mensagem seja passada de forma subliminar. Alega que o pedido de voto é claro: se Tramandaí Merece Mais é porque o atual prefeito e pré-candidato à reeleição fez pouco, passando aos eleitores outra opção de voto. Quanto à ilegitimidade passiva dos partidos PDT e PP, afirma que os pré-candidatos a prefeito e vice-prefeito são filiados, respectivamente, ao PDT e PP, tendo colado em seus automóveis o adesivo alusivo à campanha eleitoral.

Com as contrarrazões, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo.

Nulidade da sentença

Preliminarmente, afasto a prefacial suscitada de nulidade da sentença por ausência de juntada do mandado de citação de Flávio Corso Júnior no processo.

Compulsando os autos, verifico que o representado apresentou defesa tempestiva e está com procurador regularmente constituído na representação, não havendo qualquer irregularidade ou nulidade a ser pronunciada, esta última, aliás, dependente de demonstração de prejuízo, que inexiste na espécie.

Ademais, eventual arguição de nulidade caberia ao titular do direito suscitar e não ao autor da representação, ora recorrente.

No mérito, a controvérsia cinge-se a determinar a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada.

Antes da análise das particularidades do caso, anoto que a Lei n. 13.165/15 alterou significativamente a definição de propaganda eleitoral antecipada. Com a mutação legislativa, a regulação pertinente assim se apresenta para as Eleições 2016:

Lei n. 9.504/97

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. (Grifei.)

Conforme leciona Rodrigo López Zilio, na obra Direito Eleitoral (5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, pp. 339-340), a opção legislativa veio para afastar o conceito até então adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral na definição de propaganda antecipada, indicando tendência liberalizante em relação às condutas. Vejamos:

O critério do legislador foi conferir um caráter de licitude aos principais elementos do conceito de propaganda eleitoral antecipada adotado pelo TSE (candidatura postulada; ação política que pretende desenvolver; razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública; Recurso Especial Eleitoral nº 16.183 – Rel. Min. Eduardo Alckmin – j. 17.02.2000), desde que não haja pedido explícito de voto. É nítida a opção legislativa pela antecipação dos atos de campanha eleitoral, já que os atos de convencimento do eleitor – com exaltação das qualidades pessoais, referência à candidatura, pedido de apoio político, divulgação das ações políticas desenvolvidas e a desenvolver – podem ocorrer a qualquer tempo (mesmo antes do início do período previsto para a propaganda eleitoral). Essa tendência liberalizante adotada pelo legislador deve alavancar um leque extremamente largo de condutas de promoção pessoal, referências elogiosas a pré-candidatos e anúncio de candidaturas futuras ainda antes do início do período eleitoral, [...]

Como bem observado pelo doutrinador, antes dessa modificação do texto normativo, o TSE havia pacificado jurisprudência no sentido de que a menção à candidatura postulada, ação política que pretende desenvolver, razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública eram elementos caracterizadores da propaganda extemporânea (Recurso Especial Eleitoral n. 16.183 – Rel. Min. Eduardo Alckmin – j. 17.02.2000).

Entretanto, pela dicção legal atual, justamente esses elementos outrora considerados suficientes à caracterização da propaganda eleitoral subliminar ou implícita, expressamente foram excluídos do conceito de propaganda eleitoral.

Do ponto de vista semântico, o texto não deixa qualquer dúvida: não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e as condutas descritas nos incisos I a VI do art. 36-A da Lei das Eleições.

Assim, cabe aqui novamente trazer as lições de Umberto Eco no sentido de que, diante do que diz o texto, não pode o intérprete abandoná-lo e começar sua compreensão do marco zero. Não existe interpretação, nem para o leitor crítico, nem para o semântico, que possa abandonar o sentido léxico do texto. Primeiro fala o texto, depois o intérprete. Todo e qualquer ato de liberdade por parte do leitor só pode vir depois, e não antes, da aplicação da restrição preliminar do sentido literal dos termos lexicais. Depois de um texto ser produzido, é possível fazê-lo dizer muitas coisas, mas é impossível fazê-lo dizer o que não diz (ECO, Umberto. Los límites de la interpretación: palabra en el tiempo. Traducción Helena Lozano. Barcelona: Lúmen, 1992).

Nessa linha de intelecção, o texto não afirma ser possível inferir que o candidato implícita ou subliminarmente realizou propaganda eleitoral antecipada, porque a norma não disse isso.

Amparando essa posição, o colendo TSE, em sua primeira manifestação acerca do tema, ou seja, a nova redação do caput do art. 36-A da Lei 9.504/97, conferida pela Lei 13.165/2015, em voto da relatoria do Min. Luiz Fux, assim se pronunciou:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. (LEI DAS ELEIÇÕES, ART. 36-A). DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM EM FACEBOOK. ENALTECIMENTO DE PARTIDO POLÍTICO. MENÇÃO À POSSÍVEL CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE VOTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE JUSFUNDAMENTAL DE INFORMAÇÃO. ULTRAJE À LEGISLAÇÃO ELEITORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se – e suas exteriorizações (informação e de imprensa) – ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades.

2. A proeminência da liberdade de expressão deve ser trasladada para o processo político-eleitoral, mormente porque os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato eletivo.

3. A ratio essendi subjacente ao art. 36, caput, da Lei das Eleições, que preconiza que a propaganda eleitoral somente será admitida após 15 de agosto do ano das eleições, é evitar, ou, ao menos, amainar a captação antecipada de votos, visando a não desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerar o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometer a própria higidez do prélio eleitoral.

4. A ampla divulgação de ideias fora do período eleitoral propriamente dito se ancora em dois postulados fundamentais: no princípio republicano, materializado no dever de prestação de contas imposto aos agentes eleitos de difundirem atos parlamentares e seus projetos políticos à sociedade; e no direito conferido ao eleitor de acompanhar, de forma abrangente, as ideias, convicções, opiniões e plataformas políticas dos representantes eleitos e dos potenciais candidatos acerca dos mais variados temas debatidos na sociedade, de forma a orientar a formação de um juízo mais consciente e responsável, quando do exercício de seu ius suffragii.

5. A propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral, de maneira que, não ocorrendo in concrecto quaisquer ultraje a essa axiologia subjacente, a mensagem veiculada encerrará livre e legítima forma de exteriorizar seu pensamento dentro dos limites tolerados pelas regras do jogo democrático.

6. O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (i) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (ii) mitigar o efeito da (inobjetável) assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (iii) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral.

7. A menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, nos termos da redação conferida ao art. 36-A pela Lei n. 13.165/2015, não configuram propaganda extemporânea, desde que não envolvam pedido explícito de voto.

8. No caso sub examine,

a) O Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, por maioria, deu parcial provimento a recurso eleitoral, reduzindo ao mínimo legal multa aplicada ao Recorrente pelo Juízo da 52ª Zona Eleitoral, ante o reconhecimento de propaganda eleitoral extemporânea, em virtude de “[ter] public[ado], em seu perfil no Facebook, uma imagem contendo sua fotografia e, ao lado, a seguinte mensagem: “PSB/MG - O melhor para sua cidade é 40!” (fls. 116).

b) Aludida mensagem, a despeito de enaltecer determinado partido político e de indicar possível candidatura, não configura propaganda eleitoral extemporânea vedada pela legislação de regência, como supõe o aresto vergastado.

c) É que, com o fim das doações empresariais e com o reduzido tempo de campanha eleitoral, impõe-se que os pretensos candidatos, no afã de difundir suas propostas e de enaltecer suas qualidades pessoais, logrem buscar formas alternativas de conexão com o seu (futuro) eleitorado, de modo que me parece natural que eles se valham de publicações em posts e de mensagens nas mídias sociais (facebook, twitter etc.) para tal desiderato.

d) A veiculação de mensagens pelas mídias sociais, dada a modicidade de seus custos, harmoniza-se com a teleologia que presidiu tanto a proscrição de financiamento por pessoas jurídicas quanto a Minirreforma Eleitoral: o barateamento das campanhas eleitorais, característica que as tornam inaptas a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito.

e) A Justiça Eleitoral, se reprimir a implementação de métodos alternativos de divulgação de propostas e plataformas políticas (com excessiva restrição ao uso das mídias sociais), contribuirá negativamente para o esvaziamento integral do período democrático de debates (para alguns, denominado de pré-campanha), instituído pela Lei nº 13.165/2015, na medida em que aniquilará, sem qualquer lastro constitucional ou legal, a interação que deve ocorrer entre os pretensos candidatos e os cidadãos, de ordem a produzir odioso chilling effect nos pretensos candidatos, tamanho o receio de verem suas mensagens e postagens qualificadas como propaganda extemporânea.

f) Como consectário, incentiva-se o aparecimento dos cognominados candidatos-surpresa – aqueles que exsurgem às vésperas do pleito, estimulando um arranjo que, decerto, antes de fortalecer, amesquinha a democracia.

g) O desenho institucional que potencializa e leva a sério o regime democrático requer que seja franqueado maior espaço de difusão de ideias, projetos políticos e opiniões sobre os mais diferentes temas, sobre as qualidades pessoais de pretensos candidatos e sobre os planos de governo futuro, visando a propiciar maior controlabilidade social por parte dos demais players do prélio eleitoral.

h) A exposição por largo período de tempo – sem pedido expresso de voto, o que é vedado por lei – permite que essas ideias sejam testadas no espaço público: se, por um lado, forem falsas ou absurdas, a oposição poderá contraditá-las e a população estará mais bem informada; se, por outro lado, forem boas soluções alvitradas, a oposição terá de aperfeiçoar suas propostas e projetos e o cidadão será, mais uma vez, beneficiado.

i) Destarte, a mensagem veiculada não acarretou prejuízo à paridade de armas, pois qualquer eventual competidor poderia, se assim quisesse, proceder da mesma forma, divulgando mensagens sobre seus posicionamentos, projetos e qualidades, em igualdade de condições, principalmente por tratar-se de propaganda de custo diminuto, inapta a ocasionar interferência indevida do poder econômico no pleito;

9. Recurso especial provido.

(RESPE 51-24.2016.6.13.0052 – Julgado na sessão de 18.10.2016)

No caso, a controvérsia está em analisar se a utilização de adesivos com o slogan TRAMANDAÍ MERECE MAIS e a sigla PP, agremiação à que pertence o candidato a prefeito, caracteriza propaganda eleitoral antecipada.

Ainda, registro que, apesar de a inicial ter referido também a realização de propaganda eleitoral antecipada por meio de postagens nas redes sociais, o apelo apenas se insurge em relação aos adesivos, por isso a análise a eles se limitará.

Observo que, nos adesivos em questão, não há referência expressa a qualquer nome de pré-candidato ou mesmo de partido político.

Dessarte, nem mesmo há como sustentar a existência de propaganda eleitoral dissimulada, porquanto não se verificam a identificação da ação política que se pretende desenvolver e as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública.

Assim, tendo em vista o conteúdo do slogan em debate e a referência apenas à sigla do partido ao qual pertence o prefeito (PP), evidentemente não se está diante de propaganda eleitoral antecipada.

De igual forma, correta a sentença ao reconhecer a ilegitimidade do PDT e do PP de Tramandaí, pois não há nenhum elemento que, de forma direta ou indireta, possa a eles atribuir a responsabilidade pela publicidade.

Dessa forma, não há como acolher o recurso, pois não se faz presente nenhum dos caracteres configuradores da propaganda eleitoral antecipada.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter integralmente a sentença recorrida.