E.Dcl. - 5683 - Sessão: 24/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de embargos de declaração do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra o acórdão das fls. 60-62 que, por unanimidade, desaprovou as contas de JACQUES DOUGLAS KONZEN, relativas à candidatura nas eleições do ano de 2010, e determinou o recolhimento, ao Tesouro Nacional, do valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Refere (fls. 67-69) que a decisão é contraditória, ao fundamento de que o posicionamento tomado pela Corte, no sentido de não condicionar a quitação eleitoral ao efetivo recolhimento do valor, destoa de situação assemelhada na essência – a aplicação de multas eleitorais, ocasião em que a quitação eleitoral do multado é vinculada ao cumprimento da penalidade. Além, aduz que a expressão “apresentação de contas”, constante no § 7º do art. 11 da Lei n. 9.504/97, deve ser lida em sentido substancial, pois, do contrário, estar-se-ia a beneficiar o candidato faltoso. Entende violado o dever constitucional de prestação de contas e aponta que o entendimento do TSE, no sentido de que a mera apresentação das contas é suficiente à obtenção de quitação eleitoral, decorre de mudança de entendimento jurisprudencial.

Requer o conhecimento e provimento dos aclaratórios, com efeitos infringentes, para seja sanado o vício, condicionando-se a quitação eleitoral à apresentação regular das contas ou, pelo menos, ao recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 5.000,00, bem como o prequestionamento dos artigos mencionados.

Concedida oportunidade de manifestação a JACQUES DOUGLAS KONZEN, o prazo transcorreu in albis.

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos são tempestivos. Opostos em 01.08.2016, segunda-feira, dentro do prazo de três dias a que alude o art. 275 do Código Eleitoral (modificado pelo novo Código de Processo Civil), pois os autos foram remetidos em 27.07.2016, quarta-feira.

À análise.

A disciplina dos embargos de declaração sofreu modificação pelo Novo Código de Processo Civil, o qual expressamente fez repercutir as inovações no âmbito do direito processual eleitoral, modificando, via art. 1.067, a redação do art. 275 do Código Eleitoral:

Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III - corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1o.

 

Art. 1.067.  O art. 275 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)

 

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração nas hipóteses previstas no Código de Processo Civil.

(…)

Na espécie, o Parquet eleitoral sustenta haver contradição no acórdão, com os seguintes fundamentos:

1. Se a pendência de multa aplicada ao eleitor impede a obtenção de certidão de quitação eleitoral, com muito mais razão a existência de débito para com a Fazenda Nacional, reconhecido em processo de prestação de contas (em que há maior ofensa ao regime jurídico eleitoral), deve obstar a referida quitação;

2. Seriam penalidades que se assemelham, na essência. De um lado, multa aplicada em razão do descumprimento de um dever eleitoral e, de outro, obrigação de pagar quantia certa em razão do uso inadequado do dinheiro público;

3. A expressão “apresentação de contas”, constante no § 7º do art. 11 da Lei n. 9.504/97 deve ser interpretada em sentido substancial, reputando-se apresentadas as contas apenas quando, dos documentos juntados, seja possível inferir a origem e destino dos recursos, pois do contrário beneficia-se o candidato faltoso, que apresenta apenas “pró-forma” a prestação de contas, como meio de obtenção da quitação eleitoral;

4. Somente após a inclusão do § 7º no art. 11 da Lei n. 9.504/97, pela Lei n. 12.034/09, e a edição da Instrução TSE n. 1542-64.2011.6.0000, em 28.06.2012, que alterou a Resolução TSE n. 23.376/12, o TSE passou a entender que a simples apresentação de contas seria suficiente para a obtenção de quitação eleitoral, contrariando o entendimento albergado anteriormente, o qual seria mais consentâneo com o dever constitucional de prestação de constas.

Pois bem.

Inicialmente, traço breve panorama. JACQUES KONZEN foi candidato a cargo eletivo no ano de 2010, não apresentou tempestivamente suas contas, recebendo julgamento de não prestação. Apresentou-as em 29.04.2016, com a finalidade de regularização de sua situação perante a Justiça Eleitoral. De fato, obteve a quitação e, em conjunto, recebeu a determinação de que recolha R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao Tesouro Nacional, devido à verificação de irregularidades relativas a receitas oriundas do Fundo Partidário.

Assim foi julgado, determinando-se o recolhimento do valor, em nítida evolução jurisprudencial, pois até então esta Corte entendia inviável a determinação de recolhimento, em se tratando de contas julgadas não prestadas.

Todavia, não se condiciou o fornecimento de quitação eleitoral ao efetivo recolhimento, por ter-se entendido que tal condicionamento repercutiria indevidamente no status relativo aos direitos políticos do cidadão prestador de contas.

E é essa a contradição alegada pelo d. Procurador Regional Eleitoral, ao apontar que, nos casos de aplicação de multas eleitorais (dos quais o processo não tratou), a quitação é condicionada ao efetivo pagamento. Ou seja, sustenta-se que a decisão exarada seria contraditória com situação que não foi objeto de julgamento.

Daí, está a tratar-se de hipótese que caracterizaria (acaso existente) uma contradição externa, circunstância que não admite o acolhimento de embargos de declaração, conforme pacífica jurisprudência dos tribunais:

Embargos de declaração. Contradição externa e interna. Inexiste contradição entre acórdãos diferentes, que são análogos.

A retirada como sócio, aliada à persistência nas atividades como procurador e à assinatura no contrato, são a prova cabal e definitiva determinante da desconsideração da personalidade jurídica. Então, reafirma-se o acórdão e rejeitam-se os embargos de declaração, porque lhes falta motivo típico.

(Embargos de Declaração N. 70068974492, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 11.05.2016.)

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. CABIMENTO. REDISCUSSÃO.

1. Os embargos de declaração  pressupõem a presença de omissão, contradição ou obscuridade na decisão embargada, e, na esteira do entendimento pretoriano, são também cabíveis para correção de erro material e para fins de prequestionamento.

2. A contradição suscetível de ser afastada por meio dos aclaratórios é interna ao julgado, e não aquela que se estabelece entre o entendimento a que chegou o juízo à luz da prova e do direito e a interpretação pretendida por uma das partes.

3. A pretensão de reexame de matéria sobre a qual já houve pronunciamento do órgão julgador desafia recurso próprio, não justificando a interposição de embargos de declaração.

4. O colegiado não está compelido a enfrentar questões de fato e de direito que não julgue relevantes para a solução da lide, nem a responder um a um os argumentos e questionamentos das partes.

5. Prequestionam-se os dispositivos invocados, nos limites em que a matéria neles veiculada foi enfrentada e necessária ao julgamento do feito, de forma a não obstar o conhecimento de eventuais recursos a serem manejados nas instâncias superiores pela falta de indicação normativa explícita.

6. Merece acolhida o pedido de que o Juízo se abstenha de determinar a imediata implantação do benefício, reservando ao segurado o direito de requerer o cumprimento da referida obrigação em momento que reputar mais conveniente.

(Embargos de Declaração na AP n. 0003541-4.2015.404.9999, TRF da 4ª Região, 5ª Turma. Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz. Julgado em 15.03.2016.) (Grifei.)

Ou seja, não podem ser acolhidos os embargos, em virtude da inexistência de contradição na decisão, entendida essa como a presença, no julgado, de “duas ou mais proposições, ou de dois ou mais enunciados inconciliáveis” (MARINONI, ARENHART e MITIDIERO. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo. RT, 2016, 2ª Ed., p; 1082).

De qualquer maneira, a contradição não ocorre. O condicionamento da emissão do comprovante de quitação eleitoral ao pagamento das multas eleitorais tem presença expressa em lei – o citado art. 11, § 7º, da Lei n. 9.504/97 -, circunstância que não ocorre relativamente à determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Inexiste semelhança “na essência”, ao contrário. Todavia, para esgrimar devidamente a diferença conceitual entre as multas eleitorais e as determinações de recolhimento ao Tesouro Nacional, desbordar-se-ia o objeto dos embargos, demonstrando-se, assim, que a contradição alegada é externa, pois no presente feito não se aplicou multa eleitoral.

Além disso, a interpretação da expressão “apresentação de contas de campanha eleitoral”, constante no caput do art. 11 da Lei n. 9.504/97, não pode ser estendida para fins de limitação a exercício de direitos políticos, previstos constitucionalmente, como assentado no acórdão guerreado – muito embora, para tal afirmação, tenhamos que revisitar as razões de julgamento.

De qualquer forma, inadmissível o condicionamento pleiteado, à míngua de comando legal para tanto.

Aliás, esse o caminho trilhado pelo TSE a partir de 2012, contra o qual se insurge o d. embargante, mas que é claro, sólido, e com o qual se coaduna a decisão atacada. A evolução, desde a Instrução TSE n. 1542-64, é de distanciamento entre o condicionamento do exercício dos direitos políticos, mais precisamente as limitações à capacidade eleitoral passiva dos cidadãos, e as sanções de cunho pecuniário, que possuem outros caminhos para cobrança – no caso, execução pela União, com os instrumentos de restrição patrimonial condizentes com a natureza financeira da pena aplicada.

Assim, seja por se tratar de alegada contradição externa, seja por desejar revisitar as razões de decisão, os embargos não merecem acolhimento.

Finalmente, e no relativo ao pedido de pré-questionamento, indico: conforme o art. 1.025 do Código de Processo Civil, “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos.